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Fonte: Veja
[03/03/10]
José
Dirceu, o maior lobista do país, e a Eletronet - por Fábio Portela e Ronaldo
França
José Dirceu, o "consultor" mais quente da República, aparece no meio de uma
bilionária operação que pretende botar em pé uma empresa estatal de internet e,
claro, fazer a fortuna de alguns bons companheiros
VEJA TAMBÉM
• Quadro: A jogada da
banda larga
• Quadro: Os
negócios de Dirceu
De tempos em tempos, o governo Lula se vê obrigado a explicar negócios obscuros,
lobbies bilionários, maletas de dinheiro voadoras e beneficiamento a grupos
privados. Já é uma espécie de tradição petista. E o que une todos esses casos
explosivos? José Dirceu, o ex-militante de esquerda e ex-ministro-chefe da Casa
Civil que se transformou no maior lobista da República. Onde quer que brote um
caso suspeito incluindo gente do PT e dinheiro alto, cedo ou tarde o nome de
Dirceu aparecerá. Ele tem se esgueirado nas sombras, como intermediador de
negócios entre a iniciativa privada e o governo desde 2005, quando foi expurgado
do cargo de ministro por causa do escândalo do mensalão. Sem emprego, argumentou
que precisava ganhar a vida e se reinventou como "consultor", o eterno eufemismo
para "lobista". Passou a oferecer, então, duas mercadorias: informação (dos
tempos de Casa Civil, guarda os planos do governo para os mais diversos setores
da economia) e influência (como o próprio Dirceu adora dizer, quando ele dá um
telefonema para o governo, "é O telefonema"). Em ambos os casos, cobra bem caro
por seus serviços.
Na semana passada, um dos serviços do "consultor" José Dirceu causou um
terremoto em Brasília. Os jornalistas Marcio Aith e Julio Wiziack revelaram que
ele está metido até a raiz dos cabelos implantados em uma operação bilionária
para criar a maior operadora de internet em banda larga do país. O negócio está
sendo coordenado pelo governo desde 2003 e vai custar uma montanha de dinheiro
público – fala-se em até 15 bilhões de reais. Deverá fazer a alegria de um grupo
de investidores privados que, ao que tudo indica, tiveram acesso a informações
privilegiadas e esperam aproveitar as ações do governo para embolsar uma
fortuna. O Plano Nacional de Banda Larga – nome oficial do projeto sob suspeita
– começou a ser gestado no início do governo Lula, quando Dirceu ainda era
ministro. A ideia era criar uma estatal para oferecer internet em alta
velocidade a preços subsidiados em todo o país – uma espécie de "Bolsa Família
da web".
Dirceu passou a defender a ideia de que a nova empresa fosse erguida a partir de
outras duas, já existentes, mas que estavam em frangalhos: a Telebrás, que
depois da privatização do sistema de telefonia, em 1998, ficou sem função, e a
Eletronet, dona de uma rede de fibra óptica que cobre dezoito estados. A
Eletronet era uma parceria da Eletrobrás e da americana AES, mas, por ser
deficitária, estava em processo de falência. O projeto de Dirceu era capitalizar
as duas companhias e fazer com que a Telebrás oferecesse internet em alta
velocidade usando a rede da Eletronet. O presidente Lula aprovou a proposta –
afinal, não é todo dia que se antevê uma estatal inteira, pronta para ser
aparelhada. Apesar de o projeto ter sido desenhado em 2003, só começou a se
tornar público em 2007. E este foi o pulo do gato: quem ficou sabendo dos planos
oficiais com antecedência teve a chance de investir nas ações das duas empresas
e, agora, poderá ganhar um bom dinheiro com o desenlace do plano.
O maior beneficiário em potencial atende pelo nome de Nelson dos Santos –
lobista, como Dirceu, mas de menor calibre. Em 2004, Santos (ainda não se sabe
por qual canal) tomou conhecimento da intenção do governo de usar a Eletronet
para viabilizar o sistema de banda larga. A maior parte do capital da Eletronet
(51%) estava nas mãos da AES. Santos conhecia bem a companhia: em 2003, havia
feito lobby para renegociar uma dívida de 1,3 bilhão de dólares da AES com o
BNDES, e teve sucesso. Quando descobriu que a falida Eletronet poderia virar
ouro, convenceu a direção da AES a lhe repassar suas ações na empresa pelo valor
simbólico de 1 real. A AES topou. Achou que estava se livrando de um problemão,
pois a Eletronet acumulava dívidas de 800 milhões de reais. Na reta final do
negócio, Santos foi surpreendido por três outros grupos que também se
interessaram pela compra – o GP Investimentos, a Cemig e a Companhia Docas, do
empresário Nelson Tanure –, mas o lobista venceu a disputa. Por orientação dele,
as ações da AES na Eletronet foram transferidas à Contem Canada. VEJA descobriu
que a Contem de Canadá só tem o nome. Ela é uma offshore controlada por
brasileiros que investem no setor de energia. Como está fora do país, ninguém
sabe ao certo quem são seus cotistas. Posteriormente, metade dessas ações foi
repassada à Star Overseas, outra offshore, das Ilhas Virgens Britânicas,
pertencente a Santos. Offshore é a praia de Dirceu.
Com essa negociação amarrada, Santos e seus companheiros da Contem passaram a
viver, então, a expectativa de que parte do dinheiro público a ser investido na
Eletronet siga diretamente para seus bolsos. Para se certificar de que as
iniciativas oficiais confluiriam para seus interesses, contrataram os serviços
de quem mais entendia desse tipo de operação no país: José Dirceu, o
"consultor". Entre 2007 e 2009, Santos lhe pagou 20 000 reais por mês,
totalizando 620 000 reais. O contrato entre os dois registra o seguinte objeto:
"assessoramento para assuntos latino-americanos". Se tudo corresse como o
planejado, a falência da Eletronet seria suspensa e a empresa, incorporada pela
Telebrás. Santos e os outros cotistas da Contem seriam, assim, ressarcidos. O
lobista calculava sair do negócio com 200 milhões de reais. O que Dirceu fez
exatamente por seu cliente é um mistério. O que se sabe é que em 2009 o governo
tentou depositar 270 milhões de reais em juízo para levantar a falência da
Eletronet e passar a operar sua rede. O caso embolou porque os credores da
empresa alegaram que, se algum dinheiro pingasse, deveria ser deles, que
forneceram os materiais usados na rede de fibras ópticas, e não do grupo do
lobista. O imbróglio segue na Justiça.
Paralelamente, houve quem ganhasse na outra ponta do negócio, a da Telebrás –
que está cotada para operar o sistema de banda larga e, portanto, também pode
vir a valer muito dinheiro. Antes de o PT chegar ao poder, o lote de 1 000 ações
valia menos de 1 centavo de real. No decorrer do primeiro mandato de Lula, o
preço subiu para 9 centavos por lote. No segundo mandato, veio o grande salto.
Figuras de proa do governo começaram a fazer circular, de forma extraoficial,
informações sobre o resgate da Telebrás. As ações dispararam com a especulação.
Sua valorização já chega a 30 000%, sem que nenhuma mudança concreta tenha sido
realizada. Tudo na base do boato. O caso é tão estranho que levantou a suspeita
da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o órgão responsável por manter a
lisura no mercado de ações. A CVM quer saber quem se beneficiou desse aumento
estratosférico e, principalmente, se esses investidores tiveram acesso a
informações privilegiadas saídas de dentro do Palácio do Planalto.
A explosiva criação da estatal de banda larga é só mais um dos muitos negócios
em que Dirceu está metido. Desde que foi defenestrado do governo, o ex-militante
de esquerda foi contratado por alguns dos empresários mais ricos do planeta para
"prestar consultoria". O magnata russo Boris Berezovsky, proibido pela Justiça
de seu país de voltar para casa, contratou Dirceu para tentar receber asilo
político no Brasil e facilitar suas operações financeiras por aqui. O terceiro
homem mais rico do mundo, o mexicano Carlos Slim, dono da Claro e da Embratel,
pagou a Dirceu para que ele defendesse seus interesses junto aos órgãos
reguladores da telefonia brasileira. No Brasil, sua lista de "clientes" inclui a
empreiteira OAS, a Telemar (que o contratou quando precisava convencer o governo
a mudar a legislação brasileira para viabilizar sua fusão com a Brasil Telecom),
a AmBev, e muitos outros pesos-pesados. A atuação tão animada de Dirceu vem
causando arrepios no governo. "Fazer lobby e aproveitar contatos no exterior
para ganhar dinheiro, tudo bem. Mas fazer tráfico de influência com informação
privilegiada do governo é um risco enorme", avalia um dirigente petista. As
"consultorias" de Dirceu podem se tornar uma bomba para o PT durante as eleições
deste ano.