WirelessBRASIL |
|
WirelessBrasil --> Bloco Tecnologia --> Lei Geral das Antenas --> Índice de artigos e notícias --> 2021
Obs: Os links originais das fontes, indicados nas transcrições, podem ter sido descontinuados ao longo do tempo
Leia na Fonte: Conjur
[04/03/21]
A polêmica sobre a cobrança pelo uso das faixas de domínio de rodovias - por
Eliene Marcelina de Oliveira*
*Eliene Marcelina de Oliveira é advogada do escritório Tojal Renault
Advogados, especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista
de Direito (EPD) e em Direito Administrativo, pela PUC-SP.
Os contratos de concessão de rodovias, assim como outros contratos
administrativos, possuem cláusulas que impõem a preservação do equilíbrio
econômico-financeiro do ajuste celebrado, principalmente devido ao elevado custo
envolvido, à sua longa duração e à necessidade de viabilizar o exercício da
atividade-fim do Estado. Afinal, ao longo da execução do contrato podem surgir
situações que ensejam a necessidade de sua adequação para restabelecer a
condição inicialmente prevista.
No que tange às concessões de rodovias, o edital de licitação e o contrato
firmado com o poder concedente trazem em seu bojo a possibilidade de as
concessionárias cobrarem remuneração pelo uso da faixa de domínio, a qual, por
força do artigo 11, parágrafo único, da Lei de Concessões deve ser considerada
"para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato".
Ocorre que essa cobrança tem sido muito questionada perante o Poder Judiciário,
principalmente quando deriva do uso da faixa de domínio por outra concessionária
que explora serviço público diverso.
O entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça é no sentido de ser
possível a cobrança pelo uso da faixa de domínio, desde que haja previsão no
edital e no contrato de concessão, como autoriza o artigo 11 da Lei nº
8.987/1995 [1], e que a rodovia não seja administrada diretamente pelo poder
público [2]. Contudo, mencionado entendimento não foi estabelecido sob a
sistemática dos recursos repetitivos, razão pela qual os tribunais inferiores
nem sempre o seguem.
Em geral, a doutrina [3] e a jurisprudência [4] desfavoráveis à cobrança
baseiam-se nos seguintes argumentos: 1) as faixas de domínio constituem bens de
uso comum do povo e seu uso não comporta cobrança quando for para a prestação de
serviço de utilidade pública; 2) não é devida a cobrança quando o uso é
destinado a serviço público essencial, pois não seria razoável favorecer a
modicidade da tarifa aos usuários de rodovias em prejuízo das tarifas
essenciais, como as água, energia elétrica, gás, dentre outros; 3) o Decreto
84.398/1980 estipula gratuidade às empresas de energia elétrica para as
instalações inerentes a sua atividade, entendimento que conta inclusive com
respaldo do Parecer 017/2011/JCBM/CGU/AGU da Advocacia-Geral da União.
Ademais, muitos julgadores se apoiam no entendimento do Supremo Tribunal
Federal, exarado no Recurso Extraordinário nº 581.947/RO, a respeito da
impossibilidade de os municípios cobrarem taxa pelo uso do espaço público
municipal, visto que a instituição de taxas por municípios invade a competência
da União para legislar sobre o tema.
Entretanto, no entendimento do STJ [5], referido precedente não é aplicável aos
casos que tratam de cobrança pelo uso de faixa de domínio de rodovia por
concessionária de serviço público, o que, de fato, parece ser acertado,
considerando que o precedente se refere à competência para instituição de taxas,
não à possibilidade de cobrança de remuneração entre concessionárias de serviço
público.
Diante dos posicionamentos contrários ao do STJ, as concessionárias que exploram
os serviços essenciais, como os de energia elétrica, gás, água e telefonia,
mostram-se bastante resistentes à cobrança, pois a entendem indevida em razão da
essencialidade dos serviços prestados por elas, o que acaba por levar a
discussão para o âmbito judicial.
No caso das concessionárias de telefonia, em especial, milita a favor da
gratuidade a previsão do artigo 12, da Lei nº 13.116/2015 [6], a qual estabelece
normas gerais para implantação e compartilhamento da infraestrutura de
telecomunicações. Referido artigo é claro quanto à dispensa de cobrança pelo uso
da faixa de domínio de rodovias, mas prevê que a gratuidade deve ser observada
somente pelas concessionárias de rodovia que obtiveram sua outorga após a
promulgação da lei.
Em fevereiro de 2021, a constitucionalidade do dispositivo legal em comento foi
objeto de análise pelo STF, no bojo da ADI nº 6482, proposta pela
Procuradoria-Geral da República, na qual se discutiu "se o Legislador Federal,
para garantir a universalização e a prestação eficiente dos serviços de
telecomunicações, poderia — por exceção normativa explícita — impedir a cobrança
de preço público pelo uso das faixas de domínio". O relator, ministro Gilmar
Mendes, entendeu que sim, no que foi seguido pela maioria no julgamento
realizado em 18/02/2021 [7].
Ainda que nesse caso específico tenha sido mantida a norma que impede a cobrança
pelo uso da faixa de domínio por empresas de telecomunicações, respeitados os
contratos de concessão de rodovias licitados antes da edição da Lei Geral das
Antenas, a possibilidade de as concessionárias de rodovias cobrarem das
concessionárias que prestam serviços de gás, água e energia elétrica permanece
controvertida.
A despeito da grande celeuma em torno do tema, a Agência Nacional de Transportes
Terrestres (ANTT), responsável pela fiscalização das rodovias federais, não tem
entendimento claro e reiterado sobre a questão.
Embora a agência tenha regulamentado, por meio da Resolução nº 2.552/2008, a
captação de receitas extraordinárias nas rodovias federais por ela
administradas, não foi explícita acerca da possibilidade da cobrança em debate,
tal como feito no âmbito do Estado de São Paulo pela Artesp nos termos da
Portaria nº 18/2010.
Ademais, nos processos judiciais que discutem a questão, a ANTT habitualmente
manifestava não ter interesse em ingressar como interessada, por considerar que
tais demandas tratam de uma relação entre pessoas jurídicas de direito privado e
que a impossibilidade de cobrança teria sido pacificada no âmbito da União, com
base no supracitado parecer da AGU.
Entretanto, no bojo do Processo nº 16666-19.2016.4.01.3600, em trâmite na 2ª
Vara Cível da Sessão Judiciária do Mato Grosso, em que contendem uma
concessionária de rodovias e uma distribuidora de energia, a ANTT se manifestou
como interessada e, diferentemente do defendido pela AGU, posicionou-se a favor
da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que garante a cobrança pelo
uso da faixa de domínio.
Embora o juízo federal tenha considerado indevida a participação do ente no
feito por não haver discussão sobre cláusulas dos contratos de concessão,
tampouco reflexos econômicos à Agência, a decisão em questão foi desafiada por
agravo de instrumento, autuado sob o nº. 1035568-31.2019.4.01.0000, de relatoria
do desembargador federal Marcos Augusto de Souza.
De acordo com a decisão liminar proferida pelo desembargador relator, a
manutenção da ANTT no polo passivo é essencial devido ao interesse público
envolvido, visto que a rodovia concedida é bem da União e que a cobrança em
questão pode contribuir com a modicidade tarifária e com o equilíbrio econômico
financeiro do contrato de concessão.
Embora o agravo de instrumento não tenha sido julgado e a manutenção da ANTT no
polo passivo do processo de origem possa ser revertida, a manifestação explícita
do ente regulador tem inegável relevância e reforça a jurisprudência do STJ,
assim como os argumentos das concessionárias de rodovia.
A pacificação da questão, porém, exige mais do que meras manifestações de apoio.
Seria essencial que a agência revisse a Resolução 2.552/2008, de modo a
autorizar de forma explícita a cobrança da remuneração. Já no que tange à
jurisprudência, sua uniformização poderia ser alcançada por meio da adoção, pelo
STJ, da sistemática dos recursos repetitivos prevista no artigo 1.036 do Código
de Processo Civil, que visa justamente a concretizar os princípios da isonomia
de tratamento às partes processuais e da segurança jurídica.
Com isso, restarão afastados entendimentos que impossibilitem concessionárias de
rodovias de cobrar essa receita acessória, contribuindo, assim, para a
manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das concessões e para a modicidade
das tarifas cobradas do usuário da rodovia.
[1] Vide, por exemplo, decisões proferidas nos seguintes casos:
REsp n. 975.097, julgado em 31.03.2020; REsp n. 1.860.601, julgado em
19.02.2020; AgRg no REsp n. 1.470.686.
[2] REsp n. 1144399/PR, julgado em 27/09/2017.
[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. “Cobrança de remuneração pela ocupação de
faixas de domínio por outras concessionárias de serviços públicos” In: DI
Pietro, Maria Sylvia Zanella. Temas Polêmicos sobre licitações e contratos. 5
ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 360.
[4] A título de exemplo, vale citar o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça
de São Paulo na Apelação nº. 1031606-74.2017.8.26.0053 e o acórdão proferido
pelo STJ no RMS nº 12.081/SE, de relatoria da Ministra Eliana Calmon, de acordo
com o qual “as vias públicas, de uso comum do povo, não podem ser negociadas
pela sua utilização, quando a mesma se dirige ao atendimento de um serviço de
utilidade pública”.
[5] REsp 1296954/SP, julgado em 03/09/2019; AgInt no REsp 1848363/SP, julgado em
16/03/2020.
[6] Art. 12. Não será exigida contraprestação em razão do direito de passagem em
vias públicas, em faixas de domínio e em outros bens públicos de uso comum do
povo, ainda que esses bens ou instalações sejam explorados por meio de concessão
ou outra forma de delegação, excetuadas aquelas cujos contratos decorram de
licitações anteriores à data de promulgação desta Lei.
Para o Ministro, não pode um ente público, ao cobrar pelo uso de seus bens,
impor cobrança excessiva à prestação de serviços de outro, principalmente por se
tratar, no caso, de serviço de interesse da coletividade. Para ele, a não
onerosidade prevista no art. 12 na Lei Geral das Antenas é proporcional, pois
não se aplica aos contratos licitados antes da edição da norma, além de os
órgãos reguladores, responsáveis pelas licenças, poderem cobrar taxas pelas
análises das propostas técnicas para instalação da infraestrutura, bem como
indeferir ou cassar licenças em caso de descumprimento do regulamento ou
legislação.