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Fonte: Informativo Sete Pontos
[Out 2005]
HC e o padrão
transgênico Iboc - por Claudia Abreu
Claudia Abreu é jornalista
As diversas denúncias sobre as atitudes do ministro Hélio Costa em relação ao
tema da implantação da radiodifusão digital e seu boicote à política de
implementação do software livre pelo governo Lula deixaram militantes defensores
da democratização da comunicação indignados. O evento “De Costas para Hélio
Costa”, realizado no Rio de Janeiro e em São Paulo, foi uma mostra de que o tema
podia e devia ser popularizado. Em todos os locais e entidades onde discutíamos
o tema e a organização do ato, a solidariedade às reivindicações era imediata.
Imediata também a percepção de que as pessoas estavam fora do debate porque
consideravam os temas (rádio, tv digital e software livre) no âmbito da
tecnologia, sem terem ainda atentado às questões políticas subliminares.
O ato “De Costas para Hélio Costa” foi mais do que uma manifestação de um grupo
de pessoas e entidades em defesa do software livre e de um padrão digital
nacional de rádio e tv. Foi um momento de “comunhão” entre diversas entidades
que tem como bandeira a democratização da comunicação e outras que não tem o
tema como prioridade, mas que estavam lá para mostrar que também estão juntos
nesta luta.
Os manifestantes, tanto no Rio como em São Paulo, também realizaram o lacre da
Anatel, em protesto contra o fechamento contínuo de emissoras. São cerca de dez
por dia, segundo dados da própria Anatel. No Rio, o lacre foi simbólico.
Passamos uma faixa de interdição por volta do prédio e colamos um auto de
infração explicando que o fechamento estava sendo feito pelo descumprimento da
Constituição: artigo 3º (Uma sociedade livre, justa e solidária), 5º (Direito de
livre expressão), 215 e 216 (difusão da cultura brasileira) e 220 (Manifestação
pacífica de idéias e pensamentos). Em SP, o fechamento foi objetivo: usaram um
cadeado de verdade para fechar a porta principal e a polícia foi chamada pela
direção regional da Anatel.
Rádio digital
A relação entre a manifestação na Anatel e a defesa de um padrão digital
nacional é total: a implantação do padrão estadunidense Iboc nas rádios
brasileiras, nada mais é do que a defesa de um sistema que irá criar
dificuldades de captação das emissões de baixa potência. Ou seja: na calada, sem
mexer na lei, vai se impedir o funcionamento das rádios livres e comunitárias em
nosso país. Ninguém tem coragem de vir a público defender o fim das emissoras
comunitárias. Mas uma jogada tecnológica poderá pôr fim a elas. O sistema está
sendo, segundo HC, apenas “testado”. Mas depois que as emissoras comprarem o
equipamento necessário – o que já está acontecendo, com isenção de impostos –
certamente vai vir aquela conversa do fato consumado. Foi assim com os
transgênicos.
E esse não é o único problema. O sistema Iboc ainda não é um sistema consolidado
e não foi homologado sequer pela FCC (Federal Communication Comission), que
regulamenta as tecnologias do setor existentes nos EUA. Segundo o engenheiro
Takashi Tome, em artigo na edição 21 do informativo eletrônico Sete Pontos, no
Iboc o sinal digital é transmitido no canal adjacente e gera sérias
interferências, ainda não totalmente estudadas. Ao ocupar os canais adjacentes
aumenta a largura do canal ocupado por uma estação, reduzindo-se a possibilidade
de aumento do espectro eletromagnético, possível pela tecnologia digital. Ou
seja, uma das possibilidades mais revolucionárias no sistema digital, que é a
incorporar novos atores na radiodifusão, é prejudicada por este sistema. E as
emissoras que continuarem a emitir no padrão analógico (as livres e
comunitárias) terão dificuldades em serem captadas.
Tv Digital
Qual não foi minha surpresa ao assistir a reportagem sobre tv digital no Jornal
da Globo de sexta-feira, dia 28 de outubro, e ver o sr. HC defendendo o padrão
digital nacional. O mesmo HC que afirma em entrevista ao Estado de São Paulo no
dia 12 de julho: “Lamentavelmente, confesso que não temos condição de fazer um
padrão de tv digital”. A reportagem do Estadão fez referência às reuniões que
seriam marcadas por HC com representantes dos consórcios americano, europeu e
japonês. E lembra que esta negociação teve início ainda no governo FHC, mas foi
suspensa após a entrada de Miro Teixeira, primeiro ministro das Comunicações do
governo Lula, quando o governo federal passou a falar em um padrão nacional para
o setor.
HC, logo após tomar posse no ministério, passou a se reunir com radiodifusores
para tratar do tema, ignorando o Comitê Consultivo do SBTVD (Sistema Brasileiro
de Tv Digital) que reúne diversos segmentos sociais para tratar do tema.
Inclusive representantes de emissoras de tv. E formou um grupo de trabalho no
ministério para negociar diretamente com representantes das emissoras sobre o
tema.
Em entrevista ao Tela Viva News o ministro rebateu o questionamento feito por
entidades sociais: “Quem é que vai colocar a Tv digital no ar? São as empresas.
São elas que vão realmente fazer o trabalho. Se elas não quiserem não vai haver
tv digital”, esquecendo o fato de que quem gere um canal de rádio ou tv é um
mero concessionário de bem público. Afinal, o mesmo argumento poderia ser usado,
então, para dar poder às empresas de ônibus (outra concessão) de definirem a
forma que querem trafegar pelas vias públicas.
Amigo dos amigos
HC foi elogiado no 17º Congresso da Sociedade Brasileira de Engenharia de
Televisão e Telecomunicações (SET), no dia 21 de setembro: “a radiodifusão está
em um momento privilegiado por receber um ministro cuja origem é o nosso setor”,
disse o presidente da Abert, José Pizani. Já Johnny Saad, presidente da Abra,
outra entidade representativa dos empresários de rádio e tv, chegou a dizer,
sobre a implantação do sistema digital de radiodifusão, que “até o sindicato das
senhoras da Amazônia foi ouvido, mas não os empresários do setor”, omitindo o
fato que os empresários também fazem parte do grupo que discute o tema desde o
inicio do governo Lula.
Mudança de discurso
A mudança da postura oficial do ministro certamente tem relação com as
mobilizações da sociedade civil, que se posicionou em manifestações públicas e
abaixo-assinados contra a implantação de um sistema de tv digital importado, que
aumentaria a dependência econômica e tecnológica do país.
Não é demais lembrar que, na época da implantação do sistema de cabodifusão, a
sociedade civil estava organizada na luta pelo direito à democratização da
comunicação e exigiu participar da implantação do sistema. Foi o que garantiu os
canais de acesso público, que alguns consideravam impossíveis. “Imagina se os
parlamentares vão mostrar o que fazem”, diziam os pessimistas. Hoje, o paradigma
mudou. Eles disputam para ver quem sai melhor na fita. Até mesmo as empresas de
tv paga que não usam o cabo, e não precisariam obedecer a lei, passaram a
oferecer estes canais.
Com exceção do canal comunitário, que por falta de disposição de luta de nossos
representantes na comissão que propôs a lei, foi estabelecido sem garantias de
viabilização financeira. Em boa parte dos municípios brasileiros acabou sendo
tomado por pequenas empresas interessadas unicamente em ter um canal para seus
produtos e serviços. Apesar destes erros de percurso, fruto da omissão das
entidades organizadas, é louvável a existência dos canais de acesso público. Que
– repito - não existiriam sem a organização e as manifestações públicas
realizadas pelas entidades.
E agora?
Agora é hora da sociedade civil centrar esforços para que o padrão Iboc nas
rádios não seja oficializado. Não faz sentido se importar um padrão dos EUA para
as rádios se há condições aqui de desenvolver um padrão brasileiro, incorporando
o que de melhor tiver nos padrões existentes.
No caso das tvs, ainda são poucas as emissoras comunitárias e elas não chegam a
tirar público das grandes emissoras. Diferente do rádio, onde muitas comunidades
deixam de ouvir as emissoras comerciais para ouvir a rádio comunitária. Essa
diferença faz com que o posicionamento por um padrão inviabilizador das emissões
em baixa potência no rádio seja tão firme.
A luta será grande, mas alguma vez já se alcançaram conquistas sociais sem
batalhas?