Fonte: Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação
A empresa Ibiquity, proprietária norte-americana do padrão IBOC de rádio
digital, protocolou no dia 5/7 pedido de ampliação do uso de espectro de
200kHz para 250kHz. Se for concedida pela Comissão Federal de Comunicações (FCC,
sigla em inglês) – agência reguladora dos setores de radiodifusão e
telecomunicações nos EUA – a ampliação de freqüência pode significar a
redução de cerca de 30% no total de canais FM hoje disponíveis naquele
país.
Isto porque o IBOC (In Band, On Channel) opera com o sinal analógico e
digital transmitidos ao mesmo tempo e no mesmo canal de freqüência. A
ampliação da banda digital é um requisito técnico para que o sistema
funcione sem interferência. Mas se este aumento for concedido para uma
determinada emissora outras terão que sair para dar espaço a ela.
O IBOC é o padrão preferido de 13 emissoras brasileiras
que já iniciaram testes de rádio digital no país. Para o representante da
Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), Josué Lopes, a
notícia só agrava o quadro de entrave ao processo de democratização da
comunicação. “Além de ser um padrão que já excluiria pela questão econômica,
em função do alto custo dos royalties, agora exclui pela questão técnica”,
disse Josué.
Demanda técnica
Para que a transmissão simultânea aconteça é preciso
linearizar o sinal analógico, ou seja, fazer com que menos sinais espúrios
provocados pelo emissor analógico sejam transmitidos. Isso provoca uma
redução na qualidade sonora recebida, pois diminui a amplitude do sinal de
modulação e reduz a relação entre o nível do sinal recebido e o nível do
ruído existente no canal. O sinal do transmissor digital, sobreposto ao
sinal analógico linearizado, compõe o que tecnicamente chama-se de máscara
de emissão. Duas bandas laterais digitais são inseridas na emissão do sinal
analógico (veja gráfico ao lado).
Na prática, estudos detectaram a interferência do sinal
digital sobre o analógico, e entre canais distintos da mesma localidade. Uma
das soluções vislumbradas para reduzir o problema das interferências seria a
ampliação desta banda digital, como a Ibiquity está solicitando. “A
ampliação é uma demanda técnica, sem a qual o padrão não apresentará um
desempenho satisfatório”, diz o técnico do Centro de Pesquisa e
Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), Marcus Manhães.
Caixa de sapato
A necessidade da elevação na potência de transmissão,
demanda que surge com a interferência ente os canais, acarreta também no
obrigatório replanejamento do espectro na forma que hoje está distribuído.
Segundo Manhães, caso os EUA procedam com a implementação total do padrão
IBOC, está prevista a redução de cerca de 30% dos canais hoje disponíveis,
conforme Manhães.
No Brasil, algo semelhante aconteceria caso o padrão
norte-americano fosse adotado já com esta nova largura de banda. Em
localidades como Rio de Janeiro e São Paulo, onde o espectro está lotado,
alguns canais acabariam sendo despejados. “A redução do número de canais
aconteceria de forma indiscriminada, não apenas os comunitários e
educativos, mas também os comerciais”, diz Manhães, que também é diretor do
Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa no Estado de São Paulo (SinTPq).
Para o engenheiro de telecomunicações e diretor técnico
da rádio FM Cultura e da TVE/RS, Higino Germani, a tentativa de realocar os
mesmos canais analógicos para o padrão digital usando o sistema "in band" é
o mesmo que tentar acomodar um elefante em uma caixa de sapato. No artigo
"Rádio Digital: uma outra opção não seria possível?", Germani defende a
criação de um paradigma em radiodifusão completamente novo. "Podem fazer
idéia de quantos canais exclusivamente digitais e o que será possível fazer
nos mesmos em termos de qualidade de áudio e informações suplementares
(dados) numa banda de 6 MHz na faixa de 88 MHz?", questiona Germani.
Debate urgente
Para Josué Lopes, da Abraço, é premente a normatização
do debate sobre a questão do rádio digital. "É preciso que o presidente Lula
publique um decreto que institua o início de um processo de pesquisa e
discussão sobre qual o melhor padrão de rádio digital para o Brasil", disse.
"Está visto que o IBOC só favorece às grandes empresas", avaliou Josué. O
representante da Abraço lembra que não só as cerca de 15 mil emissoras
comunitárias existentes hoje no país, mas também as pequenas rádios
comercias e as educativas correm o risco de ficar excluídas do processo de
digitalização caso a escolha não se dê de forma responsável. "Um momento que
deveria ser de democratização, pode acabar se tornando de exclusão",
considera o representante da Abraço.