Fonte: Ciranda Internacional de Informação
Independente
A Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e
TV Digital, reunida no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro nos últimos
dias 15 e 16 de março, vem a público reafirmar o compromisso expresso em sua
fundação e questionar a política estabelecida pelo governo Lula para o setor
de Comunicações, especialmente no que se refere à implantação da tecnologia
digital no País.
Constituída em abril de 2006, a Frente Nacional por um
Sistema Democrático de Rádio e TV Digital agrega diversas entidades e
iniciativas que, até então, atuavam isoladas, para fazer valer o potencial
transformador deste processo e sua importância na definição do futuro da TV
e do rádio, meios de comunicação com maior alcance junto à população
brasileira. A avaliação naquele momento, ainda válida, era que a
digitalização da radiodifusão trazia consigo a possibilidade de dar novas
soluções a velhos problemas, permitindo alterar a concentração de
propriedade dos meios de comunicação bem como a pouca diversidade no
conteúdo transmitido, construindo um sistema mais plural e diverso voltado
às demandas informativas e culturais da população. Passado um ano,
reafirmamos serem estes os objetivos para a digitalização das comunicações
brasileiras.
Política de comunicação governamental contra a
democratização da mídia
Nos preocupa seriamente a condução do processo por
parte do Governo Federal, em especial pelo Ministério das Comunicações.
Diferente dos objetivos democratizantes expressos no Decreto 4.901/03, que
criou o Sistema Brasileiro de TV Digital, o Executivo Federal optou por
outro caminho ao editar o Decreto 5820/06.
Este último, publicado em junho do ano passado,
estabeleceu a adoção da tecnologia japonesa (o padrão de modulação ISDB-T),
a despeito dos avanços nas pesquisas desenvolvidas por instituições
brasileiras, e instituiu um cronograma de transição que favorece a
manutenção da concentração da televisão nas mãos de poucos e limita as
possibilidades de ampliação do número de programações no espectro de
freqüências (por onde trafegam os sinais de TV e Rádio). Às emissoras foi
dado o mesmo espaço que hoje dispõem os concessionários, embora seu sinal
possa ser transmitido em menos espaço.
A desconsideraçã o dos objetivos do Decreto 4901, o
atropelo nos procedimentos previamente estabelecidos e as questões acima
citadas tornam o Decreto 5820, em nossa avaliação, um grave erro político. A
crítica ao decreto deve ser feita inclusive no plano legal, já que a ação
impetrada pelo Ministério Público Federal questionando o Decreto não teve
seu mérito completamente julgado. Estas fragilidades evidenciam ser errôneo
iniciar a transição sem vinculá-la a uma revisão do marco regulatório das
comunicações brasileiras, que data da década de 60.
Não bastassem as decisões equivocadas do governo, os
órgãos envolvidos na condução do SBTVD cercearam a participação da sociedade
no processo ao esvaziar o Conselho Consultivo existente e inviabilizar o
diálogo com a sociedade civil e o Congresso Nacional, caracterizando uma
postura antidemocrática que não condiz com o discurso de participação social
apresentado pelo governo.
No caso do Rádio Digital a situação é ainda mais grave.
Testes foram autorizados sem qualquer debate público a respeito do modelo
desejado para o País. Diversas emissoras já realizam estudos com o padrão
proprietário estadunidense IBOC, que caso seja adotado pode criar um cenário
ainda maior de concentração, por ocupar uma fatia maior do espectro de
freqüência e pelos custos de suas licenças.
Digitalização deve servir ao povo brasileiro e não
ao oligopólio da mídia
Frente a este quadro, questionamos o descolamento da
prática apresentada pelo Governo Federal com o seu discurso a favor da
democratização das comunicações do país expresso no programa da candidatura
Lula à Presidência da República em 2006. Em relação específica à implantação
da tecnologia digital no Rádio e na TV, isso significa retomar os objetivos
do Decreto 4.901 assinados pelo presidente em 2003, entre eles a
democratização da comunicação e a ampliação da pluralidade e diversidade
nestes meios. Para isso, é fundamental que a digitalização da radiodifusão
seja o ponto de partida da renovação do marco institucional da comunicação
social eletrônica de massa, tal como está expressa no programa de governo do
presidente Lula e como vem sendo defendido por importantes representantes da
sociedade e do governo.
Defendemos que este novo marco legal revise a
consignação de canais feita às atuais concessionárias, evitando tanto o
desperdício do espectro quanto a cessão automática de um bem público,
escasso e limitado, sem a devida contrapartida por parte das entidades que
irão explorá-lo. Queremos a otimização do espectro. Este, deve servir ao
interesse da sociedade, garantindo de forma democrática a presença de
diversas fontes de informação. Para isso, a definição do plano de canais (a
distribuição do espaço no espectro) deve primar por este objetivo e não pela
simples acomodação das emissoras hoje existentes. Esta visão passa por (1)
uma "limpeza" na forma como o espectro é usado atualmente, retirando canais
que infringem a legislação e aqueles que perdem sentido face à modernização
introduzida com a tecnologia digital, tais como as que servem para repetição
de sinais e as outorgas para serviços de TV paga; e (2) uma ampliação do
espetro utilizado, com o uso da faixa que inclui os canais 60 a 69 e da
faixa hoje conhecida como VHF baixo (canais 7 a 13) exclusivamente para
emissoras de natureza pública.
Este espaço disponibilizado deve servir para equilibrar
a presença dos três sistemas previstos pela Constituição Federal (privado,
público e estatal) dando preferência aos dois últimos, hoje responsáveis por
apenas 20% das Rádios e TVs existentes no País. Neste sentido, faz-se
necessária a criação de canais públicos com independência editorial, gestão
participativa e democrática, financiamento público estável e programação que
reflita a diversidade cultural e informativa do país e dê voz aos setores
oprimidos da população. Para isso, defendemos a revisão dos quatro canais da
União previstos no Decreto 5820 (Executivo, Cultura, Educação e Cidadania),
que mantêm a lógica da comunicação estatal em detrimento da pública. Por
isso, reconhecemos no Fórum de TVs Públicas importante espaço de debate
sobre este tema.
No caso do Rádio, a criação de um grupo consultivo por
parte do Ministério das Comunicações só poderá marcar uma mudança de rumo na
política atual se incorporar os atores representativos da sociedade civil
hoje excluídos do processo para além dos radiodifusores e empresários de
equipamentos. Esta instância, assim como no caso da TV, não pode ser uma
iniciativa isolada, devendo estar no âmbito de um Sistema Brasileiro de
Rádio Digital que invista em pesquisas sobre alternativas tecnológicas
brasileiras e permita discutir o modelo de rádio necessário, não apenas
chancelando os testes atualmente em curso. As "novas soluções para velhos
problemas", no caso do rádio, passam pela valorização das emissoras
comunitárias, em detrimento da repressão por que passam estas iniciativas
hoje, e pela criação de iniciativas públicas baseadas nos mesmos princípios
presentes no Decreto 4.901.
Só a sociedade organizada pode vencer esta luta
A Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital entende
que os meios de comunicação devem servir e serem feitos pelo conjunto da
população, não apenas por uma pequena minoria que têm os meios de
comunicação apenas como um instrumento comercial. É neste sentido que
reafirmamos o chamado para que a população e os movimentos sociais se
engajem nesta discussão e reivindicamos que o governo reconheça esta
contribuição para a definição do futuro deste processo.
Entidades integrantes da Frente por um Sistema
Democrático de Rádio e TV Digital:
consultar aqui