A mudança de posição foi radical. Depois de ter
defendido abertamente durante quase três anos e meio o padrão de rádio
digital norte-americano (Iboc ou HD), apresentando-o como o único aceitável
para o Brasil, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, acaba de retirar
seu apoio àquela tecnologia, também preferida pela Associação Brasileira de
Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).
O ministro reconhece agora o que todos os técnicos
independentes vinham afirmando desde 2006: em todo o mundo, a tecnologia de
rádio digital ainda tem muitos problemas que não permitem sua adoção no
Brasil.
O recuo de Hélio Costa, embora tardio, é um fato
positivo, pois seria muito pior se o País adotasse o padrão Iboc. O maior
prejuízo ficaria com as 5 mil emissoras de rádio brasileiras, que seriam
levadas a investir numa tecnologia que ainda funciona precariamente.
O que mais estranhou os observadores nesse episódio foi
a posição da Abert, ao defender apaixonadamente o padrão norte-americano,
mesmo diante da comprovação de seus problemas.
MARCHA A RÉ
Hélio Costa anunciou sua nova posição no domingo
passado, em artigo no jornal O Estado de Minas (leia-o no site Caros
Ouvintes,
http://www.carosouvintes.org.br/blog/?p=2111), em resposta à jornalista
e professora Nair Prata, que havia cobrado do ministro, no início de
dezembro, o cumprimento de suas promessas quanto ao rádio digital.
Na realidade, o jornal norte-americano apenas confirmou
a conclusão já conhecida havia muito tempo: depois de quase 5 anos de
introdução nos Estados Unidos, a nova tecnologia digital não conta hoje
sequer com 10% da adesão das emissoras.
Para se ter idéia da baixa penetração do rádio digital
nos Estados Unidos, basta lembrar que, do lado dos ouvintes, mesmo com
preços subsidiados, apenas 0,15% da população norte-americana adquiriu seu
receptor digital.
PROBLEMAS
Uma das características do padrão conhecido pelo nome
de In Band on Channel (Iboc) ou HD Radio, criado pela empresa Ibiquity, é
utilizar o mesmo canal de freqüência para transmitir um único programa,
simultaneamente, tanto no modo analógico quanto no digital. A idéia é
excelente, mas, até agora, o sistema não tem funcionado de forma
satisfatória.
Nas transmissões em AM e FM, o padrão Iboc apresenta,
entre outros, o problema do atraso (delay) de 8 segundos do sinal digital,
em relação ao analógico. Como o alcance do sinal digital é menor do que o
analógico, nos limites de sua propagação, a sintonia oscila entre um e
outro, com grande desconforto para o ouvinte.
Embora pareça ser a grande saída, a idéia de usar o
mesmo canal para transmissões analógicas e digitais, adotada pela empresa
Ibiquity, não tem tido sucesso na prática. O fato indiscutível é que essa
tecnologia ainda não está madura e apresenta diversos problemas sérios, como
a impossibilidade de se utilizarem receptores portáteis - pois o consumo de
energia é tão elevado que as baterias se descarregam em poucas horas.
Na Europa, outras tecnologias têm sido propostas em
faixas de freqüências exclusivas para o rádio digital, o que, no entanto,
obrigaria à troca de todos os receptores. Conclusão: ainda temos que esperar
que o mundo desenvolva uma solução melhor para a digitalização do rádio.
ANÚNCIOS PRECOCES
O ministro Hélio Costa, desde que tomou posse no
Ministério das Comunicações, em julho de 2005, tem anunciado numerosos
projetos puramente imaginários que nunca se concretizam ou que se revelam
inviáveis.
Na abertura do evento internacional Américas Telecom,
em outubro de 2005, em Salvador (Bahia), ele anunciou que o Brasil já vivia
"a era do rádio digital" (quando apenas algumas emissoras iniciavam os
primeiros testes com o padrão norte-americano HD Radio ou Iboc). Na mesma
ocasião, anunciou ao auditório que a Grande São Paulo veria as imagens da
Copa do Mundo de 2006 com imagens da TV digital, que só entrou no ar em 2
dezembro de 2007.
Entrevistado no programa Roda Viva, da TV Cultura, em
2005, afirmou categoricamente que o Ministério das Comunicações iria
investir não apenas o montante de R$ 600 milhões anuais dos recursos do
Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), bem como o
saldo acumulado então superior a R$ 4 bilhões.
Até hoje o Brasil não utilizou praticamente nada do
Fust. No ano de 2006, o ministro garantiu que o Japão havia concordado em
instalar uma indústria de semicondutores (circuitos microeletrônicos) no
Brasil, em contrapartida à escolha do padrão de TV digital nipo-brasileiro.
Na verdade, o Japão jamais prometeu essa fábrica.
Ethevaldo Siqueira - O Estado de S.Paulo