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Fonte: ABIN
[29/12/09] Sem
padrão definido, rádio digital demora a entrar no ar no país -
por André Borges e Cibelle Bouças, de São Paulo
Dois anos atrás, parecia certo que o governo brasileiro escolheria o sistema
americano Iboc como a tecnologia padrão para a transmissão digital de rádio no
país. Defendido por um consócio de empresas americanas, que inclui grupos como
AT&T, o padrão de transmissão era o único que operava em redes AM e FM e
permitia a transmissão de sinais digital e analógico numa mesma faixa de
frequência das emissoras. O único rival, o sistema europeu DRM, funcionava
apenas em transmissões de ondas curtas - usadas em regiões como a Floresta
Amazônica - e só havia sido testado em AM, sem operar em FM. À época, a
Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) apoiou o padrão
americano. Fornecedores de transmissores e antenas para radiodifusão seguiram a
mesma trilha.
Até hoje, porém, a definição do sistema de rádio digital não saiu do papel. No
mês passado, o Ministério das Comunicações decidiu prorrogar por 60 dias o prazo
para realização de testes e avaliações com os dois sistemas de radiodifusão para
chegar à uma conclusão. Os testes devem se concentrar na utilização do DRM.
Procurado pelo Valor, o Ministério das Comunicações não se manifestou até o
fechamento desta edição. A expectativa do setor é de que haja uma definição até
março, mas depois de tanto tempo de espera, ninguém tem certeza de que essa
decisão sairá no prazo estimado.
O problema é que muitas emissoras de rádio do país, que já davam a escolha do
Iboc como certa, fizeram investimentos na tecnologia americana para sair na
frente com a transmissão digital. Em 2007, quando se esperava que o governo
oficializaria a adoção do Iboc, a rádio mineira Cultura AM e FM, pertencente ao
grupo TV Integração, investiu US$ 500 mil em novos equipamentos. "Havia um
consenso de que o melhor padrão era o americano", comenta Rogério Nery,
superintendente do grupo Integração. "Decidimos por nosso capital em risco."
Em São Paulo, a rádio CBN iniciou os testes com o sistema Iboc em 2005, nas
estações AM e FM. Esperava-se que o padrão digital obteria um desempenho
impecável, sobretudo no sistema AM de rádio, mas não foi o que ocorreu, diz o
gerente geral de tecnologia da emissora, Marco Túlio Nascimento. Em janeiro, a
emissora pretende iniciar os testes com o padrão europeu. Até agora, nenhum dos
padrões agradou completamente, comenta Nascimento. "Agora o DRM será testado,
mas não acredito que os resultados variem muito em relação ao Iboc."
A CBN investiu US$ 45 mil na aquisição de equipamentos para testar o padrão Iboc
na CBN AM. Para a avaliação do sistema DRM, os equipamentos foram fornecidos
pelo consórcio. "Falta os técnicos do DRM conseguirem fazer funcionar o sistema.
Íamos iniciar os testes na semana passada, mas a expectativa agora é de que eles
consigam colocar o sistema em operação no início de janeiro", afirma Nascimento.
Um dos fatores que levaram a CBN a priorizar os testes na rádio AM com o sistema
europeu foram os problemas identificados no padrão Iboc para essa faixa de
frequência. Segundo Nascimento, houve muitas falhas e ruídos na transmissão do
sinal digital. "O desempenho do Iboc foi razoável para FM, mas houve
dificuldades na transmissão AM", diz. Ele pondera, entretanto, que a faixa de
transmissão do sinal AM é mais sujeita a interferências de ruídos elétricos
urbanos do que a faixa FM, fator que pode ter contribuído para os resultados
ruins nos testes do Iboc.
Com ou sem problemas, as emissoras concordam que a vantagem do Iboc está no fato
de o consórcio ser formado por empresas madura, enquanto a indústria do sistema
DRM ainda é incipiente. Hoje, o padrão americano já é utilizado por cerca de 2
mil emissoras nos EUA, enquanto o DRM é objeto de experiências isoladas na
Europa. "Estamos preocupados porque o DRM só existe na Europa e é usado,
basicamente, por rádios estatais, principalmente na Inglaterra", comenta
Valdirene Felix Pedrosa, diretora jurídica do grupo TV Integração.
A Kiss FM, de São Paulo, usa o sistema Iboc em regime experimental desde 2005. A
expectativa era que o padrão fosse definido até 2007, mas, para a diretora geral
da emissora, Taís Rothschild de Abreu Lilla, a demora nas discussões sobre o
padrão a ser adotado para a TV digital acabou interferindo no cronograma das
rádios. A Kiss FM, que investiu US$ 200 mil em equipamentos do padrão Iboc e na
instalação de duas antenas para transmissão do sinal, aprovou o padrão. Os
chiados desapareceram e a frequência da rádio não foi mais "invadida" por
emissoras piratas.
Outra vantagem em relação ao sinal analógico é a possibilidade de abrir
subcanais com programações distintas. A emissora, diz Taís, já se programou para
ter dois subcanais, mas aguarda a definição do padrão a ser adotado.
A decisão do governo deverá se basear em resultados de testes como o da Fundação
Padre Anchieta, detentora da Rádio Cultura AM e da Rádio Cultura FM em São
Paulo, que planeja iniciar em janeiro os testes com o padrão DRM. A instituição
foi procurada pelo consórcio europeu para testar o sistema e arcou com os custos
de importação dos equipamentos, instalados e configurados na semana passada,
afirma Marcos Lucena, gerente técnico da fundação. A expectativa é de que
resultados dos testes sejam avaliados em março. "Houve dificuldade para
configurar o sistema, mas ele já está montado e operando", diz.
O resultado será analisado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e
Qualidade Industrial (Inmetro), pela Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel) e pelo Ministério das Comunicações. Lucena espera que o padrão DRM
apresente melhores resultados, sobretudo no que se refere à criação de mais
subestações. "Além da qualidade do som, é preciso oferecer vantagens comerciais
às emissoras, senão não se justifica trocar o analógico pelo digital."
A Rádio Cultura adquiriu o transmissor digital Iboc em 2005 e opera o sinal
digital em seus canais AM e FM desde então. O resultado apresentado foi o mesmo
informado por outras rádios listadas no relatório sobre o sistema Iboc,
produzido pela Abert. O sistema opera bem nos canais FM, mas apresenta problemas
de mobilidade - o sinal é perdido em um carro em movimento, por exemplo. No caso
dos canais AM, a dificuldade de transmissão é maior nas capitais e outras
regiões que possuem carga eletromagnética alta, diz Lucena.
"O que aconteceu é que os testes que fizemos apontaram que mesmo o sistema
americano Iboc, que está anos-luz à frente do DRM, também tem suas deficiências,
em especial na transmissão AM", diz Daniel Slaviero, presidente da Abert.
"Chegamos à conclusão de que o padrão americano ainda precisa de mais
investimento, robustez e garantia de cobertura."
A rádio Kiss FM não pretende realizar testes com o DRM. Para isso, afirma Taís
Rothschild de Abreu Lilla, seria preciso investir na compra dos equipamentos e
na aquisição de um terreno maior para instalação das antenas, que são maiores e
mais altas que as de uma emissora AM. "Estamos dispostos a investir no padrão
DRM se for o padrão aprovado pelo governo, mas é preciso que haja uma
definição", diz a executiva.
Seja qual for a tecnologia escolhida, Slaviero, da Abert, diz que as emissoras
que se adiantaram não têm razões para se preocupar. "Eles podem ficar tranquilos,
nenhuma emissora terá prejuízo."