WirelessBRASIL

WirelessBrasil  -->  Bloco Tecnologia  -->  Rádio Digital --> Índice de artigos e notícias --> 2009

Obs: Os links originais das fontes, indicados nas transcrições, podem ter sido descontinuados ao longo do tempo


Fonte: Ethevaldo Siqueira
[24/05/09]   O surrealismo de um ministro das Comunicações - por Ethevaldo Siqueira

Congresso Brasileiro de Radiodifusão

Entre muita coisa interessante e útil, o Congresso Brasileiro de Radiodifusão da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) teve seu lado cômico. Comecemos pelo surpreendente apelo aos jovens feito pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, ao falar na solenidade de abertura do evento. Fui ouvir a gravação para acreditar na declaração. Numa linguagem pouco convencional, ele disse: “Essa juventude tem que parar de só ficar pendurada na internet. Tem que assistir mais rádio e televisão". Meu professor de português ginasial me reprovaria se eu escrevesse duas frases como essas. Pior do que a forma, no entanto, é o sentido.

Lembrei-me imediatamente de que o próprio Ministério das Comunicações tem feito alarde de um projeto nacional de universalização da banda larga, cuja função essencial é permitir o acesso de todas as escolas à internet. E mais: o governo federal tem anunciado reiteradas vezes a intenção de promover a mais ampla inclusão digital, que começa pela democratização do acesso à internet.

Fiz questão de ouvir a reação de alguns jovens a respeito do apelo ministerial. Todos, unanimemente, ressaltaram que o rádio e a TV estão acessíveis há anos na internet. Um estudante de 18 anos observou: “Eu não acredito. Acho que tudo não passou de uma piada. Não vou ridicularizar Hélio Costa. Não me passa pela cabeça que um ministro das Comunicações proponha algo tão anacrônico, como pedir à juventude que pare de navegar internet”.

Qualquer garoto adolescente sabe que a convergência tecnológica transformou a internet em mídia das mídias e que, por meio dela, podemos acessar jornais, revistas, emissoras de rádio e TV, bancos de dados, centros de informação, universidades, o Vaticano, o Palácio do Planalto e qualquer outra instituição. E é bom frisar, leitor, que a frase impensada do ministro não foi um alerta contra os eventuais perigos da rede mundial de computadores.

Não tenho dados sobre o índice de audiência de rádio e TV pelos jovens – seja em broadcasting, seja via internet. Por isso, acho que não cabe fazer qualquer crítica aos hábitos da juventude.

Pessoalmente, tenho a maior admiração pela contribuição da radiodifusão à democracia e à cultura brasileira, até porque trabalho há mais de 15 anos nesse meio de comunicação. Mais ainda: ouço rádio por meio de um software que nos permite sintonizar, via internet, até 16 mil emissoras de rádio de todo o mundo, em meu computador.

TELES vs. RADIODIFUSÃO
Outra pérola ministerial veio na mesma solenidade de abertura do Congresso de Radiodifusão, logo em seguida ao apelo formulado aos jovens para que não vivam pendurados na internet: “O setor de comunicação fatura R$ 110 bilhões por ano. Desse total, somente R$ 1 bilhão é do rádio e R$ 12 bilhões das TVs. O resto vocês sabem muito bem onde está".

Não é a primeira vez que o ministro das Comunicações faz esse tipo de comparação, incitando as emissoras de rádio e TV contra as operadoras de telecomunicações. Para ele, o grande pecado das telecomunicações é faturar quase 10 vezes mais do que a radiodifusão, quando o mesmo fenômeno ocorre em todo o mundo.
Se esse argumento tivesse alguma significação especial, poderíamos lembrar que o setor de energia fatura mais do que o triplo das telecomunicações. E o Brasil estaria dominado pela agropecuária, cuja receita equivale a um terço do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, ou cerca de R$ 900 bilhões.

Em lugar de propor uma legislação moderna e avançada para as comunicações em seu sentido mais amplo, e que, portanto, envolva telefonia, rádio, TV, correios e outros segmentos, o ministro insiste em ressaltar simplesmente a desproporção de receita entre os dois setores. Seria muito mais lógico e sensato que mostrasse claramente novos caminhos para o rádio e a TV no Brasil.

Hélio Costa precisa convencer-se de que é ministro não da Radiodifusão, mas das Comunicações. Mais do que isso, que não lhe cabe defender um segmento, mas toda a sociedade brasileira. Não lhe cabe exercer nenhum papel de lobista ou de representante de um grupo de emissoras, contra o interesse de outras. Ou o interesse de uma associação contra o de outras. Cabe-lhe exercer seu mandato com o máximo de isenção, equilíbrio e independência. E, se possível, com o máximo de competência.

MULTIPROGRAMAÇÃO
A novela da multiprogramação tem mais um capítulo. Ainda na abertura do Congresso de Radiodifusão, o ministro Hélio Costa afirmou que a decisão final a respeito da multiprogramação não virá do ministério, nem da Presidência da República, mas que caberá ao Congresso Nacional definir as regras da utilização do recurso. Vale lembrar que multiprogramação é a facilidade da qual que as emissoras de televisão podem dispor para transmitir até quatro programas em definição padrão (standard definition) simultaneamente num único canal digital de frequência.

Como em muitas situações anteriores, o Ministério das Comunicações lança balões de ensaio, anuncia mudanças e edita portarias ou normas sem nenhum debate nem consenso e, em seguida, volta atrás, ao perceber que se trata de questões polêmicas. Foi isso que aconteceu com a proibição do uso da multiprogramação, em que a TV Cultura sofreu até ameaça de punição se usasse esse recurso sem uma autorização especial do governo. Só recentemente, diante da repercussão negativa da medida, Hélio Costa decidiu autorizar a emissora pública paulista a usar o recurso da multiprogramação em caráter científico e experimental.

Como temos afirmado em diversas oportunidades, o uso da multiprogramação não precisa de qualquer tipo de regulamento ou autorização. É uma facilidade inerente à tecnologia de TV digital. Todas as emissoras autorizadas a implantar a nova tecnologia podem usufruí-la, oferecendo novas opções ao cidadão e democratizando o uso do espectro de frequência.

NACIONALISMO
Outro aspecto polêmico do Congresso de Radiodifusão foram as críticas do presidente da Abert, Daniel Slaviero, ao modelo aberto de internet que vigora no Brasil. Em sua opinião, a web deve estar sujeita à mesma legislação que rege a comunicação social – impondo, assim, limitação à participação de capital estrangeiro.

Slaviero sugere uma espécie de camisa de força a ser colocada na internet para, talvez, deter sua expansão e sua eventual concorrência com a radiodifusão. E aponta a oportunidade de ouro para alcançar esse objetivo: incluir as restrições no texto do Projeto de Lei 29/2007, que prevê a regulamentação do mercado de TV por assinatura.

AH, O RÁDIO DIGITAL
A novela do rádio digital retorna aos debates. Conforme antecipou o ministro Hélio Costa, a escolha do sistema do rádio digital que será adotado pelas emissoras brasileiras será feita após consulta pública, com prazo de 180 dias. Para tanto, o Ministério das Comunicações divulga portaria específica, autorizando a consulta pública, para ouvir sugestões da sociedade sobre o tema.

A escolha do padrão de rádio digital para o Brasil não é uma questão de opinião. Por isso, o Brasil não pode simplesmente escolher uma nova tecnologia apenas com base em sugestões de pessoas e entidades, por mais competentes que elas sejam. É preciso que uma comissão de especialistas e representantes de entidades altamente qualificadas do ponto de vista científico e tecnológico, realmente isentas, conduza testes exaustivos em centros de pesquisas e universidades, num processo de licitação internacional.

Veja também a reportagem de Mariana Mazza para o Teletime (http://www.teletime.com.br/News.aspx?ID=132028),  que reproduzimos nesta seção.

----------------------------------

Fonte: Teletime
[21/05/09]  Expansão da Internet assusta radiodifusores - Mariana Mazza

Desde a abertura do 25º Congresso Nacional de Radiodifusão, na última terça-feira, 19, o assunto mais persistente nos debates tem sido o avanço da Internet e seu potencial predatório da radiodifusão. Nesta quarta-feira, 21, uma das últimas reuniões realizadas no encontro promovido pela Abert revelou o tamanho do temor dos radiodifusores de que as novas mídias invadam seu espaço no mercado. A oficina inicialmente prevista para discutir o PL 29/2007, que cria novas regras para a TV por assinatura e para o audiovisual, e seus impactos na radiodifusão, transformou-se em um fórum de queixas de diversos representantes de emissoras, que se mostraram assustados com a rapidez com que a Internet tem ocupado espaços de divulgação de conteúdos.

"Tem uma tempestade em curso e já começou a pingar. Vem ai uma tempestade de tecnologia e pessoas mais ansiosas e apressadas já pensam: 'Vou vender minha rádio', 'Vou vender minha TV', 'Não vou migrar pra TV digital porque a banda larga vai acabar comigo'. Não dá para a gente desistir e pensar que vamos nos molhar e já perdemos", afirmou o vice-presidente de Relações Institucionais das Organizações Globo e consultor da Abert, Evandro Guimarães, tentando acalmar os ânimos dos participantes. Mas mesmo com a intervenção do executivo, diversos representantes de emissoras, principalmente retransmissoras do Nordeste, não se contiveram e apresentaram aos deputados Paulo Henrique Lustosa (PMDB/CE) e Júlio Semeghini (PSDB/SP) suas preocupações. "Essa tempestade já chegou para as empresas menores", queixou-se uma representante de retransmissora.

Inevitável

Em suas apresentações, Lustosa e Semeghini, a seu modo, falaram da inevitabilidade do avanço da Internet e defenderam a urgência de uma reforma na regulação na oferta de conteúdo, que pode ser atendida pelo PL 29 em parte. Lustosa incentivou os radiodifusores a apoiarem a reforma, argumentando que a manutenção das regras em vigor não impedirá o avanço da Internet. "O novo campo de jogo é de grandes incertezas. E a tendência é cada um ficar parado onde está, porque pode não estar bom, mas ao menos se sabe como está. O problema de um futuro de incertezas é que, muitas vezes, ele nos prende a uma realidade de inconveniências. É preciso aceitar que a Internet é uma realidade inexorável", avaliou o deputado.

Semeghini também criticou a postura de empresas que defendem a manutenção das regras atuais, sem qualquer revisão. "As pessoas dizem: 'Ah, Júlio, enquanto não passar o projeto (PL 29) é bom porque o setor de radiodifusão está protegido'. Eu penso absolutamente o contrário", afirmou o parlamentar. "A gente tem que imaginar a chegada de um mundo novo muito mais rápido do que vocês estão imaginando", complementou, apontado para o crescimento dos acessos de Internet, inclusive móvel.

Defesa

Esse nervosismo dos radiodifusores garantiu, ao menos, a defesa da Abert de que a veiculação de conteúdo na Internet sofra algum tipo de regulação, bandeira levantada inclusive pelo presidente da associação, Daniel Slaviero, em seu discurso de abertura do congresso. O conselheiro de relações institucionais da Abert e da ANJ, Fábio Andrade, que mediou a discussão, incluiu a necessidade de um controle de conteúdo na web como um dos itens dos quais o setor não abre mão na negociação sobre o PL 29. "A concorrência de um serviço totalmente desregulado como é a rede internacional de computadores pode ser predatória tanto para a televisão paga quanto para a TV aberta", argumentou.

Evandro Guimarães reforçou a intenção da Abert de entrar na briga para preservar a radiodifusão e criticou sutilmente o setor de telecomunicações, que classificou como de "capital intensivo e poder, às vezes, excessivo". "Tem que morrer atirando, se é que vamos morrer. Atirando, talvez a gente descubra que não é a gente que vai morrer", declarou o consultor da Abert.

PL 29

Exagerados ou não, os apelos das empresas presentes demonstraram que a ideia de regulamentar a oferta de conteúdo na Internet tem potencial para ser a nova grande polêmica no setor. A janela para que isso ocorra já está aberta no PL 29. O novo substitutivo, apresentado pelo relator Vital do Rêgo Filho (PMDB/PB) na Comissão de Defesa do Consumidor (CDC) inclui a veiculação de conteúdos audiovisuais pagos na web na lista de ofertas afetadas pelas regras do projeto. E, por enquanto, o futuro relator na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara, deputado Paulo Henrique Lustosa, não pretende retirar esse item do texto.

Lustosa disse que tentará enquadrar quais ofertas via Internet devem seguir a nova lei, caso aprovada, mas demonstrou preocupação com o tema. "Eu acho que qualquer tentativa de restringir a Internet vai gerar uma reação muito forte contra o projeto", afirmou. Como o assunto já vinha sendo negociado com os relatores anteriores, o deputado tem esperança de que é possível costurar um acordo para uma regulação mínima. Mas, segundo ele, a prioridade é que a tramitação continue avançando e que o texto possa ser colocado em votação ainda neste ano, com ou sem uma definição sobre a venda de conteúdos pela Internet.