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Fonte: Coletivo Intervozes
[23/04/10]
CARTA ABERTA SOBRE O RÁDIO DIGITAL
No último dia 30 de março o Ministério das Comunicações publicou a Portaria n.
290, instituindo o Sistema Brasileiro de Rádio Digital (SBRD), estabelecendo os
objetivos do mesmo. Embora o texto da Portaria não avance muito além do que já
constava no texto do Chamamento Público do ano passado, entendemos que estamos
entrando em mais uma etapa do processo de definição do padrão de rádio digital a
ser adotado no Brasil.
Por se tratar de um tema de grande interesse público, as entidades abaixo
assinadas lançam esta carta aberta como um alerta às autoridades e um chamado à
sociedade brasileira.
Entendemos que a digitalização da transmissão é fator essencial para a
sustentabilidade do rádio no ambiente de convergência midiática. A mudança
representará uma melhoria da qualidade de som, especialmente em relação ao AM,
novos usos e funcionalidades para o aparelho receptor, incluindo a oferta de
dados e serviços complementares de valor agregado, além de dispositivos
tecnológicos que permitam abertura para a convergência com outros meios dentro
da mesma linguagem digital. Embora o rádio já esteja presente na Internet e
celular, acreditamos que a digitalização da transmissão poderá integrá-lo à
convergência midiática. Entretanto, para que isto ocorra de modo consistente, é
indispensável que a definição tecnológica seja precedida pela definição dos
modelos de serviços e de negócio, uma vez que os atuais impasses do rádio
localizam-se no esgotamento dos referidos modelos.
Temos clara a importância social do rádio pela sua presença marcante no
cotidiano da maioria da população brasileira. É o meio de informação e
entretenimento por excelência, especialmente para os que estão em trânsito nas
grandes cidades e para os que vivem no interior, nas pequenas cidades, na zona
rural e, em particular, em macrorregiões como a Amazônia. Integra o sistema de
comunicação do país de forma expressiva. São mais de oito mil emissoras em
funcionamento entre comerciais, educativas e comunitárias. As comerciais
oferecem mais de 300 mil empregos diretos e indiretos, e faturam por ano R$1.673
milhões (pesquisa FGV e IBRE de 2007).
Temos, também, consciência do lento processo de migração para o sistema de
transmissão digital registrado em boa parte do mundo. A dificuldade está
relacionada a características tecnológicas dos sistemas disponíveis que
dificultam sua adaptação ao modelo de radiodifusão, ao marco regulatório e as
regras de mercado em cada país. Em alguns países europeus, o sinal digital do
sistema DAB (Digital Audio Broadcasting), por exemplo, não tem boa recepção
dentro de edifícios, especialmente os situados em ruas com grande densidade de
prédios e tráfego intenso. Sabemos que o sistema americano HD Rádio (IBOC)
apresenta problemas semelhantes: o sinal é mais baixo em relação a estação de
sinal analógico. Além disso, os aparelhos receptores em HD Radio são
incompatíveis com DAB e DRM.
Reconhecemos que o Ministério das Comunicação tem promovido testes em busca de
um padrão que possa ser adequado ao sistema de radiodifusão brasileiro. Foram
testadas
apenas duas normas de rádio digital: o HD Radio (também conhecido como IBOC),
padrão proprietário dos Estados Unidos, cujo resultado dos testes parecem não
terem sido os esperados, e que merecem ainda uma maior divulgação e publicização,
e o DRM (Digital Radio Mondiale), de origem europeia, cujos testes estão sendo
realizados em escala muito inferior ao IBOC e sequer foram concluídos.
Defendemos que esse processo de testes deve se ampliar e aprofundar, e deve
ganhar contornos mais transparentes e públicos.
Reconhecemos, também, que a Portaria nº 290/2010 de 31 de março de 2010 do
Ministério das Comunicações que institui o Sistema Brasileiro de Rádio Digital –
SBRD é positiva, porque sinaliza com valores fundamentais que devem balizar a
escolha de soluções tecnológicas, dos quais destacamos:
a) proporcionar a utilização eficiente do espectro de radiofrequencia;
b) possibilitar a participação de instituições brasileiras de ensino e pesquisa
no ajuste e melhoria do sistema de acordo com a necessidade do País;
c) viabilizar soluções para transmissões em baixa potência, com custos
reduzidos;
d) propiciar a criação de rede de educação à distância;
e) incentivar a indústria regional e local na produção de instrumentos e
serviços digitais;
f) propiciar a transferência de tecnologia para a indústria brasileira de
transmissores e receptores, garantida, onde couber, a isenção de royalties.
Embora essas e outras diretrizes sejam essenciais, entendemos que a portaria não
encerrou o debate sobre o modelo a ser adotado, nem sequer o definiu e,
portanto, indica a necessidade de abertura e tempo para a sociedade apropriar-se
mais das questões relativas à digitalização do rádio. É necessário garantir, ao
longo dessa próxima etapa, maior transparência e controle público neste
processo.
Lutamos recentemente pela realização da I Conferência Nacional de Comunicação, e
nela defendemos a abertura urgente de profundo e consistente debate que envolva
a sociedade em um amplo processo de consultas e audiências públicas, os setores
da radiodifusão (público, privado e comunitário), a indústria de equipamentos, e
técnicos do Ministério das Comunicações, de Universidades brasileiras e de
centros de pesquisas.
Nesse sentido, as instituições e entidades abaixo assinadas reivindicam do
Ministério das Comunicações a constituição de um Grupo de Trabalho (GT) que
tenha como objetivo traçar uma estratégia comum sobre a política de implantação
do rádio digital no Brasil, bem como possibilitar o monitoramento pelas
entidades sobre os próximos passos dos agentes públicos na consolidação dessa
política. Num primeiro momento o grupo debateria as diretrizes políticas
(diversidade, pluralidade, universalidade e gratuidade) e diretrizes técnicas
(royalties, cobertura, uso do espectro, serviços agregados, entre outros)
apresentadas na Portaria nº 290/2010 à luz dos resultados dos testes já
realizados com HD Radio e DRM.
Alem disso defendemos estudo comparativo de experiências internacionais com
outros sistemas, tais como o DAB e sua família (DAB +), DMB, DRM, FMeXtra e o
ISDB-TSB.
Defendemos, portanto, uma avaliação criteriosa e comparativa desses modelos
relacionando-os com os testes de eficiência já realizados.
Defendemos que o SBRD seja transformado em lei própria, a ser aprovada pelo
Congresso Nacional. Mas antes disso será necessário o seu aperfeiçoamento a
partir da discussões a serem realizadas pelo GT aqui proposto pelas entidades.
Lembramos que uma decisão precoce, sem a devida avaliação do seu impacto em
nosso sistema de radiodifusão, poderá acarretar em baixa penetração do serviço,
prejuízo para o
setor de radiodifusão, reduzido interesse da população, não ampliação de postos
de trabalho e ausência de políticas públicas no sentido de maximizar a inclusão
digital e os serviços públicos.
Temos consciência que a adoção de qualquer sistema sem debate e reflexão
rigorosos, ou de forma automática e sem aprimoramentos tecnológicos poderá
trazer sérios problemas e não atender à realidade brasileira. Por isso, não
podemos descartar a possibilidade futura do Brasil vir a optar por um SBRD com
tecnologia genuinamente nacional, com a garantia do devido incentivo financeiro
e estrutural para a sua realização. Sabemos que, independente do modelo a ser
adotado, as adaptações poderão se fazer necessárias. E para isso torna-se
estratégico saber quais são as nossas demandas para aprimoramento e como podemos
envolver todos os setores capazes de contribuir para a melhoria e adaptação do
sistema. O referido debate, insistimos, deve ser antecedido pelo debate sobre os
modelos de serviços e de negócio, uma vez que sem modelos democráticos e
acessíveis a continuidade do rádio brasileiro não está assegurada. Sobre
possíveis adaptações, lembramos o que aconteceu com a TV Digital, em que o ISDB
japonês sofreu uma evolução, passando a utilizar a codificação MPEG-4 e a
interatividade Ginga, desenvolvida no Brasil, pelas universidades PUC-Rio e
UFPB.
Como em qualquer transição será necessário compreender que o processo de
construção de políticas públicas para o rádio digital precisa estar alicerçado
em alguns critérios, tais
como:
a) garantia da manutenção da gratuidade do acesso ao rádio, por parte do
ouvinte;
b) a transmissão de áudio com qualidade em qualquer situação de recepção;
c) adaptabilidade do padrão ao parque técnico instalado;
d) coevolução e coexistência com o padrão analógico;
e) aparelhos receptores de baixo custo;
f) adoção de uma tecnologia não proprietária e com potencial para
interconectividade com outras mídias;
g) interatividade real time;
h) multiprogramação;
i) democratização do uso do espectro, com a ampliação do número de outorgas
disponíveis e maior presença de rádios públicas e comunitárias;
j) garantia de igualdades de condições para o processo de transição de padrão,
incluindo aí as rádios comunitárias.
São critérios que preservam, de alguma forma, a experiência social, histórica e
cultural do meio. Integrado a um modo de vida, o rádio se vincula às identidades
culturais do lugar,
aos saberes cotidianos, ao partilhamento de patrimônios comuns como a língua, a
música, o trabalho, os esportes, as festas, entre outros. É um espaço de
reconhecimento do público como pertencente a uma dinâmica cultural local.
Portanto, para ter sentido e ser útil, as intervenções das políticas públicas
nas estruturas se guiam e se justificam por objetivos relacionados ao conteúdo.
Significa por em relevo não somente as relações entre economia e política, mas
também a dimensão do consumo. O que implica em considerar a cultura como um
componente inerente à formulação de políticas públicas de transição para o rádio
digital.
A migração do rádio brasileiro do padrão analógico para o padrão digital e sua
integração na convergência tecnológica é uma política pública de interesse do
conjunto da sociedade
brasileira, interessa a empresários, profissionais da comunicação, ouvintes,
gestores públicos, técnicos e cidadãos em geral. Portanto, esta política pública
deve ser construída de forma amplamente democrática, ouvindo o conjunto da
sociedade e garantindo ferramentas de participação popular e controle público.
Brasília, 23 de abril de 2010
Assinam esta carta aberta as seguintes entidades:
ABRAÇO – Associação Brasileira de Rádiodifusão Comunitária
ANEATE – Associação Nacional das Entidades de Artistas e Técnicos em Espetáculos
de Diversão
AMARC – Associação Mundial das Rádios Comunitárias
ARPUB – Associação das Rádios Públicas do Brasil
CUT – Central Única dos Trabalhadores
CFP – Conselho Federal de Psicologia
FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas
FITERT – Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e
Televisão
FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
INTERVOZES – Coletivo Brasil de Comunicação Social