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Fonte: Observatório do Direito à Comunicação
[24/05/10]
Decisão sobre rádio digital é da sociedade, não dos empresários - por Arthur
William e Bráulio Ribeiro
* Arthur William e Bráulio Ribeiro são membros do Intervozes – Coletivo
Brasil de Comunicação Social.
“Estamos dando o caminho para que as empresas, com seus técnicos e com apoio
valiosíssimo da Anatel e do Ministério das Comunicações, possam concluir por um
sistema que vai poder atender a necessidade brasileira”. Com este discurso,
Hélio Costa despediu-se do Ministério das Comunicações em 30 de março,
anunciando a publicação de uma portaria que instituiu o Sistema Brasileiro de
Rádio Digital (SBDR).
A ênfase nas empresas de comunicação como únicos atores a serem considerados no
processo, presente na fala do ex-ministro, é o principal motivo que levou
diversas entidades da sociedade a divulgarem uma Carta Aberta (ler
aqui ) pedindo participação de toda a sociedade e maior controle social
sobre o processo.
Além disso, a instituição do SBDR por meio de uma Portaria Ministerial, e não de
um Decreto (como foi com a TV digital), demonstra como o tema não está recebendo
a devida importância dentro do governo. Uma mudança desta magnitude, em um
veículo da importância do rádio, que está presente em 88,9% dos lares
brasileiros, não pode ficar restrita apenas ao Ministério das Comunicações. O
tema envolve, necessariamente, políticas de desenvolvimento tecnológico,
educacionais e, claro, culturais. Entre outras.
A fala do ex-ministro em sua despedida apenas ratifica a preocupação dos
movimentos sociais com um processo açodado e sem participação social de
implantação do rádio digital.
Se não houver uma ampla participação da sociedade, serão as emissoras comerciais
que decidirão o melhor padrão ou sistema. O melhor para elas. Essa, porém, é uma
decisão que cabe à toda sociedade e não apenas aos empresários de comunicação.
Ano eleitoral prejudica debates com a sociedade
É sabido que os poderes Executivo e Legislativo federal praticamente param em
ano de eleições presidenciais. Apenas assuntos de grande interesse eleitoral são
discutidos. Menos ainda são os votados. Isso significa que será muito difícil
promover debates e audiências públicas este ano, o que torna qualquer decisão em
2010 autoritária e distante dos interesses da sociedade.
Não devemos incorrer no mesmo erro que aconteceu com a TV Digital. A existência
de uma ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), que questiona o decreto da
TV Digital (5.820 de 2006), é uma prova de que essas questões precisam der
discutidas com profundidade, pois trata-se da criação de um novo serviço de
comunicação eletrônica de massas, não uma mera atualização tecnológica.
O que diz a portaria
Muito pouco. A portaria tem o mérito de criar oficialmente o Sistema Brasileiro
de Rádio Digital, reivindicação de alguns movimentos sociais. Mas simplesmente
não indica quais serão os meios para implementar a política.
A primeira parte da portaria é muito similar ao Decreto 4.901/03 que instituiu o
Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), estabelecendo diretrizes que, apesar
de positivas, são genéricas e pouco práticas. E fica por aí. Não define
instâncias, cronograma, método, muito menos envolve outras áreas do governo.
O conjunto de entidades da sociedade civil já aponta nesta direção: que o debate
sobre o padrão de rádio digital passe pelo Congresso Nacional, e que tenha como
resultado uma nova lei.
Testes com apenas dois padrões estrangeiros
Na história das comunicações, não são raros momentos de padronização de
determinados serviços com base em uma tecnologia específica. Foi assim com a
internet (IP), com a TV digital (ISDB) e agora será com o rádio.
No Brasil, foram testadas apenas duas normas de rádio digital: o HD Radio
(também conhecido como IBOC), padrão proprietário da empresa estadunidense
iBiquity , e o DRM (Digital Radio Mondiale), de origem europeia, cujos testes
estão sendo realizados em escala muito inferior ao IBOC e sequer foram
concluídos.
Entretanto, além de existirem outros padrões, alguns com potencialidades
técnicas interessantes, outros com experiência em diversos países, o debate se
restringiu àqueles dois padrões e envolveu apenas emissoras e técnicos, não
chegando de fato à população.
Decisão apressada: TV digital ainda não se tornou realidade
Uma decisão precoce pode acarretar em baixa penetração do serviço, reduzido
interesse da população e ausência de políticas públicas no sentido de maximizar
a inclusão digital e os serviços públicos. São os mesmos alertas feitos em 2005
e 2006, durante a escolha do padrão de televisão digital.
Quatro anos após o Brasil ter batido o martelo em relação ao padrão japonês de
TV, o serviço não chegou às casas dos brasileiros. É a reprise do mesmo filme,
só que agora com o rádio.
Listamos, abaixo, alguns motivos para o governo brasileiro não apressar a
escolha do padrão de rádio digital, antes da realização de debates junto à
sociedade e estimular a pesquisa nacional:
1 - Apenas dois padrões foram testados
Os testes do rádio digital obedeceram ao interesse das emissoras. A partir de
2005, estações realizam experimentos com o HD Radio, o preferido dos empresários
da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão). No mesmo
ano, a extinta estatal Radiobrás promoveu experimentos com o DRM, tecnologia
desenvolvida a partir de um consórcio de empresas públicas de comunicação da
Europa. E ficou nisto.
Entretanto, existem outras normas internacionais que não foram testadas, como o
DAB (presente na Inglaterra e Portugal, entre outros), o FMeXtra (EUA, Holanda e
Bélgica), o DMB (Coreia e França) e o ISDB-TSB ou NISDB-T (adaptação do padrão
japonês de TV digital para radiodifusão sonora).
2 - Mudança no Ministério não é fator determinante
Não se pode utilizar a saída de Hélio Costa do Ministério das Comunicações, que
deixou a função para concorrer a um cargo eletivo em seu estado, como motivo
para apressar a definição sobre o padrão de rádio. Se o mesmo ocorrer, será uma
herança maldita para a sociedade, já que não há maturidade técnica e política
para tal decisão.
Apressar uma decisão desta magnitude em um momento de transição é uma
irresponsabilidade. A TV digital não se tornou realidade após quatro anos, e o
mesmo poderá ocorrer com o rádio. . Afinal, as pesquisas para a digitalização do
rádio caminham lentamente em todo o mundo .
3 - Adoção será automática, sem aprimoramentos tecnológicos
Ambos os padrões favoritos são pacotes prontos e não há perspectiva concreta de
melhoramentos em suas funcionalidades. O HD Radio tem dono: a empresa
estadunidense iBiquity. Já o DRM foi desenvolvido por um grupo composto por
empresas públicas de comunicação da Europa, como Radio França Internacional
(RFI), Deutsche Welle e BBC World Service, mas tem patentes de empresas privadas
como Sony e Fraunhofer.
Este último grupo aponta a possibilidade de mudanças a fim de atender a
realidade brasileira, consideravelmente diferente da europeia. Contudo, ainda
não foram sinalizadas quais seriam estas melhorias, como aconteceu com a TV
Digital, em que o ISDB japonês sofreu uma evolução, passando a utilizar a
codificação MPEG-4 e a interatividade Ginga, desenvolvida no Brasil, pelas
universidades PUC-Rio e UFPB.
Existem avaliações, inclusive, apontando que as pesquisas desenvolvidas no
Brasil, as quais resultaram no Ginga, seriam suficientes para que um padrão de
rádio digital nacional partisse de um patamar bem avançado.
4 - Não há compatibilidade com a TV digital brasileira
Convergência é a palavra de ordem das novas Tecnologias da Informação e da
Comunicação (TICs). Um serviço, se isolado dos demais, tende ao insucesso. Para
que os investimentos em uma plataforma digital de rádio não sejam em vão, é
importante que ocorram estudos e adaptações que permitam a interoperabilidade do
padrão de rádio digital com a TV Digital brasileira e outros serviços digitais.
5 – TV Digital ainda não decolou
Em 2006, o governo brasileiro bateu o martelo em torno do padrão japonês de TV
digital. Na época, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, prometeu uma rápida
transição e a venda de conversores a baixos preços (cerca de 100 dólares). Mas,
o que se vê são poucos e caros receptores à venda e uma baixa adesão por parte
das pequenas e médias emissoras. Além disso, há um desrespeito da regra de
multiprogramação, a qual só é permitida às emissoras públicas. Já existem grupos
de comunicação utilizando seus novos canais exclusivamente para vender produtos
e horários a terceiros.
6 - Não se está estimulando a P&D nacionais
A criação de consórcios nacionais para a preparação de um Sistema Brasileiro de
TV Digital (SBTVD) incentivou pesquisas universitárias na área e possibilitou
uma melhor avaliação dos padrões estrangeiros.
A adoção do SBTVD genuinamente nacional seria o ideal, já que era o mais
adequado à realidade brasileira, porém um padrão estrangeiro foi escolhido. Mas,
como estas pesquisas resultaram em inovações tecnológicas, parte delas foi
incorporada ao ISDB, aprimorando-o.
Com o rádio digital, uma nova pesquisa poderia ser feita, mobilizando o campo
acadêmico, desenvolvendo tecnologia nacional e atendendo às necessidades da
sociedade.
7 - Nenhum dos padrões de Rádio Digital apresenta experiência consolidada no
mundo
Os padrões estrangeiros favoritos não apresentam experiência suficiente para
determinar uma escolha confiável. Um histórico de sucessos e problemas é
essencial para avaliar uma opção. O Brasil não deve servir como campo de testes
de nenhuma tecnologia estrangeira.
8 – Adotar dois padrões distintos é irresponsabilidade
Foi levantada a possibilidade de o Brasil adotar dois padrões de rádio digital:
um para ondas curtas e outro para a faixa de frequências onde atualmente estão
as emissoras AM e FM.
Esta atitude geraria insegurança entre os usuários e entre a indústria, que
enfrentaria dificuldades em definir prioridades de investimento.
9 – Rádios comunitárias não participaram do processo
Somente emissoras de grande porte, em sua maioria privadas, participaram dos
testes do rádio digital. As estações comunitárias foram preteridas neste
processo, o que pode acarretar na adoção de um padrão que não atenda a seus
anseios.
Pagamento de royalties para empresas detentoras do padrão e alto custo dos
equipamentos de transmissão são fatores que devem ser levados em conta na
decisão do governo. Se isto não ocorrer, as rádios comunitárias serão as
principais prejudicadas com a digitalização, e, por consequência, a população,
na medida em que será impedida de transmitir e receber informações.
10 – Novas concessões para um novo serviço
O Rádio Digital deve ser encarado como um novo serviço de radiodifusão e não
como uma atualização tecnológica. A digitalização permite um melhor
aproveitamento do espectro eletromagnético. A multiplicação de canais de
frequência é a oportunidade para novos atores participarem das comunicações de
massa.
Para o cumprimento da complementaridade constitucional, estas novas concessões
seriam divididas de acordo com o critério da Conferência de Comunicação entre
estações públicas (40%), privadas (40%) e estatais (20%).
O Rádio digital não pode reforçar o atual latifúndio eletrônico. Ao contrário,
deve servir para mudar essa realidade.