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Leia na Fonte: Observatório da Imprensa
[25/01/11]
O que o ministro pode fazer - por Dioclécio Luz
O novo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, declarou que está disposto a
colaborar com as rádios comunitárias (RCs), criando uma secretaria especial para
tratar do assunto. A proposta é certamente bem-vinda. E se soma à nossa
esperança de que ele não faça como os seus antecessores, que enrolaram,
prometeram e nada fizeram pelas RCs.
Reconheçamos, porém, que, em alguns casos, a enrolação se deu com o apoio de
"entidades da sociedade civil". Por exemplo, durante a I Conferência Nacional de
Comunicação (Confecom), realizada em 2009, a Associação Brasileira de
Radiodifusão Comunitária (Abraço) divulgou um pretenso "acordo" assinado com
representantes do governo Lula, com possíveis conquistas para as RCs. Na verdade
foi um grande blefe, uma fraude, desmascarada aqui mesmo no Observatório (ver "Um
acordo ou um blefe?"). Essa mesma Abraço teria (ela nunca desmentiu isso)
sido cúmplice do governo no envio ao Congresso Nacional do Projeto de Lei (PL)
nº 4573/08, que criminaliza mais ainda a operação de rádios comunitárias sem
concessão e descarta a anistia aos que foram punidos por operar rádios sem
autorização.
Mas, vamos considerar que estamos inaugurando um novo tempo e que o ministro
Paulo Bernardo tenha chegado com boas intenções e disposto a fazer algo pelas
rádios comunitárias. É possível, Paulo Bernardo tem uma história política
decente. Diante disso, trazemos algumas sugestões ao novo ministro das
Comunicações no que se refere às rádios comunitárias.
Relações promíscuas com padres e pastores
Eis o que o ministro pode fazer:
1. Mudar urgentemente o primeiro e segundo escalão do Ministério. Esse grupo tem
demonstrado um comprometimento histórico com as grandes redes e irá boicotar
todo avanço que o ministro propuser nessa área.
2. Revisar os processos das quase 4 mil rádios outorgadas. Nossa estimativa é de
que somente 10% do que foi outorgado é rádio comunitária de verdade.
Considere-se que o Minicom está ciente dessa irregularidade; pior, ele é
cúmplice do que está acontecendo.
3. Estabelecer norma que permita a cassação das outorgas das rádios
pseudo-comunitárias, por receberem as concessões de forma espúria, ilegal,
imoral. Cito como exemplo: a "rádio comunitária" da igreja católica em
Copacabana (RJ), Rua Hilário Gomes, 36; a "rádio comunitária" da Casa da Benção,
em Taguatinga (DF); a "rádio comunitária" Paullus FM, no município de Diamante
(PB). Essas igrejas deveriam ter vergonha por se apossar – de forma ilegal! – de
bens públicos. Existem centenas de rádios assim. O vergonhoso é que o Minicom
seja cúmplice dessa ilegalidade e a Anatel seja omissa diante desses casos.
4. Promover inquérito administrativo para apurar e punir os envolvidos na
outorga de RCs às igrejas e políticos, resultado de interferências políticas e
religiosas dentro do Minicom. Tornar público o resultado desses inquéritos,
revelando os nomes dos servidores públicos que mantiveram essas relações
promíscuas com padres e pastores para outorgar RCs. Sobre o assunto ler o estudo
publicado neste Observatório, de autoria de Venício A. Lima e Cristiano Lopes,
intitulado "Coronelismo
eletrônico de novo tipo (1999-2004): as autorizações de emissoras como moeda de
barganha política".
Moedas de troca na bodega da política
5. Elaborar um novo Decreto regulamentando a Lei 9.612/98, das rádios
comunitárias. O Decreto em vigor, nº 2.615/98, contém irregularidades e cria
mais restrições do que a lei já prevê. Por exemplo, ele limita o alcance a 1 Km,
estabelece uma burocracia kafkiana, cria uma dezenas de punições, não define o
que é apoio cultural...
6. Promover cursos e oficinas para as rádios comunitárias, conforme prevê o
artigo 20 da Lei 9.612/98. Doze anos depois de promulgada a lei consta que o
Minicom não fez nada neste sentido. Isto é, o Minicom não cumpre a lei.
7. Impedir que o Minicom e a Anatel continuem com a política de exclusão para
quem faz rádio comunitária. Essa é uma postura histórica. Como exemplo, podem
ser citadas as Resoluções da Anatel (60/98 e 356/04) que determinam canais de
operação para as RCs fora do dial. Isto é, propõe-se um gueto, um campo de
concentração: se o dial de FM vai de 88 a 108 MHz, a Anatel determina que a RCs
irão operar na faixa de 87,5 a 87,9 MHz.
8. Encaminhar ao Congresso Nacional uma nova proposta de lei para as RCs. Mas
isso não é o suficiente; o governo tem que fazer a sua defesa. Revogar a lei em
vigor – nº 9.612/98 – é uma necessidade. Ela é tão restritiva, excludente, que
bem poderia ter sido assinada por Benito Mussolini.
9. Elaborar Medida Provisória (MP) anistiando as milhares de pessoas acusadas de
"operar emissora sem autorização". Esta MP recuperaria o substitutivo do
deputado Walter Pinheiro (PT-BA), detonado pelo governo ao encaminhar PL com o
mesmo objetivo, mas com intenções nada decentes. A MP deve tocar em três pontos:
1) anistiar os que foram punidos; 2) propor nova redação ao artigo 183 da lei
9.472/97, que estabelece cadeia (2 a 4 anos) para este tipo de crime,
substituindo por punição administrativa; 3) revogar o artigo 70 da lei 4.117/62,
criado pelo Decreto 236/67, obra da ditadura militar que está sendo utilizada
até hoje.
10. Extinguir o "banco de negócios" instalado no Palácio Planalto. Funciona do
seguinte modo: processos de rádios autorizadas pelo Minicom são negociadas com
parlamentares e religiões antes de serem enviadas ao Congresso Nacional; são
moedas de troca na bodega da política. Claro, só andam as RCs que têm padrinhos
poderosos.
Coragem será percebida quando moralizar o sistema
11. Nomear um interlocutor do Minicom para o setor. Salvo exceções, os indicados
pelo Executivo até são ignorantes no tema e enrolões – prometiam o que não
podiam cumprir e nunca aprenderam sobre o que é rádio comunitária. Tá na hora de
se indicar alguém com o mínimo de conhecimento no assunto e o mínimo de respeito
ao movimento.
Estas medidas certamente irão atrair a ira daqueles que querem manter as RCs em
guetos, como os nazistas fizeram aos judeus. Eles irão procurar Paulo Bernardo e
Dilma Rousseff e se posicionar contra qualquer reforma legal ou administrativa
que beneficie as rádios comunitárias. O que incomoda a esses poderosos se traduz
como uma questão de classe: os senhores da Casa Grande não admitem que a senzala
tenha acesso a um meio de comunicação que lhe permita pensar, crescer,
desenvolver, decidir sobre o seu destino. Os da Casa Grande e os da catedral
querem continuar manipulando as pessoas, impedindo seu acesso aos bens e
serviços que o Estado fornece ou deveria fornecer.
Os inimigos das RCs estão dentro e fora do Estado. No Estado, temos
historicamente o Minicom, mas a Anatel ganha de todos no capítulo ferocidade
contra as rádios comunitárias. Fora do Estado, há as grandes redes de
comunicação (Globo, SBT, RBS, etc.) e as igrejas cristãs. As igrejas estão
disputando quem constrói o maior latifúndio da comunicação, incluindo rádios
comunitárias. A ganância, a ambição dessas religiões – católicas e protestantes
– é do tamanho do deus em que acreditam.
A batalha é imensa. Paulo Bernardo está chegando agora, mas os padres e bispos
estão acostumados a transitar nos palácios desde quando eles inventaram um deus
e uma religião. É o ambiente do poder. Quem vai dizer não para as sete famílias
da comunicação ou para o Vaticano? Padre de direita ou de esquerda, sempre teve
as portas abertas, incluindo aquela onde se guardam os tesouros. A coragem de
Paulo Bernardo será percebida quando ele moralizar o sistema, limpar a sujeira
denunciada, e dizer não aos padres, pastores e falsos líderes sociais.