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Leia na Fonte: UFRGS
[02/05/12]
O rádio e o Dia Mundial da Internet - por Nair Prata
Nair Prata é Jornalista, doutora em Linguística Aplicada (UFMG), professora
adjunta da Universidade Federal de Ouro preto (UFOP), diretora administrativa da
ALCAR e coordenadora do GP
Rádio e Mídia Sonora da Intercom
Comemora-se no dia 17 de maio o Dia Mundial da Internet, data instituída pela
ONU, em 2006. Também nesta data, serão celebrados, de forma conjunta, os dias da
Sociedade da Informação e das Telecomunicações, englobados no Dia Mundial da
Sociedade da Informação.
A internet - e sua avassaladora presença na sociedade - provoca uma profunda
reflexão sobre as transformações proporcionadas pela rede de computadores em
diversos campos, principalmente, na comunicação. Um aspecto que merece uma
análise mais detida é o rádio na internet.
Inicialmente, vamos lembrar que a primeira conexão à internet, no Brasil, foi
feita em 1987, quando a Fundação de Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)
conectou-se a instituições nos EUA; em 1990, foi criada a Rede Nacional de
Pesquisa (RNP), uma iniciativa do Ministério da Ciência e Tecnologia com o
objetivo de implantar uma moderna infra-estrutura de serviços de internet, com
abrangência nacional; em 1992, foi implantada uma espinha dorsal de comunicação,
cobrindo a maior parte do Brasil, interligando inicialmente onze Estados; em
1994, a Embratel passou a oferecer acesso à rede. Mas a data oficial da internet
brasileira é o dia 31 de maio de 1995, quando foi criado o Comitê Gestor da
Internet (CGI) no Brasil, entidade responsável pela rede mundial de computadores
no país, com a tarefa de administrar os nomes dos domínios locais e a
interconexão de redes nacionais e internacionais, além de representar a web em
organismos internacionais relacionados à internet no mundo.
Antes da oficialização da internet, por meio da criação do CGI, os internautas
já se multiplicavam, buscando vorazmente o acesso à rede. Hoje, às vésperas dos
17 anos do lançamento oficial da web brasileira, os dados são espantosos. O
número de brasileiros que acessa a internet chegou a 79,9 milhões no quarto
trimestre de 2011. Em relação ao mesmo período de 2010, houve crescimento de 8%,
principalmente nos acessos de casa e do trabalho. Só para se ter uma ideia, há
quatro anos, o Brasil tinha 24,5 milhões de usuários residenciais de internet.
Entre as classes sociais, há uma expansão da internet entre a população de baixa
renda, com o crescimento da participação da classe C no total de acessos à web.
Especialistas apontam que o uso da internet cresce, principalmente, entre as
pessoas com mais de 70 anos e enviar e receber e-mails é a principal atividade,
na rede, das pessoas da terceira idade.
As formas tradicionais de comércio também estão sendo modificadas pela internet.
O comércio eletrônico no Brasil fechou 2011 com faturamento de R$ 2,7 bilhões,
um crescimento de 26% em relação ao ano anterior. O volume de e-consumidores foi
alimentado, principalmente, pela crescente participação da classe C nas compras
on-line.
Mas é no campo da comunicação que a internet tem provocado as mudanças mais
instigantes. A TV, por exemplo, que desde a sua implantação em terras
brasileiras, em setembro de 1950, se manteve sempre incólume, hoje está perdendo
espaço para a web na preferência nacional. Pesquisas de audiência apontam que,
somente este ano, a TV aberta perdeu 7% dos televisores ligados em relação ao
ano passado. Em 2011, houve uma média de 42,9% de aparelhos ligados entre 7h e
0h; este ano, esse número já está em 39,9%. As TVs abertas já perderam na última
década quase 25% do público, que migrou para o segmento denominado ‘OC’ e ‘OA’
(Outros Canais e Outros Aparelhos).
De modo geral, em uma década, um em cada quatro telespectadores brasileiros
trocou a TV aberta por um desses novos aparelhos, que certamente incluem
conexões à internet.
E o rádio, como fica diante das novas tecnologias e do crescimento voraz da
internet? Com o advento da web, empresas em geral começaram a colocar suas
páginas na rede para uma interface com o consumidor. O rádio viveu o mesmo
processo e muitas emissoras passaram a ter um site na internet, com informações
diversas. Aos poucos, as emissoras também passaram a ofertar a transmissão
on-line, isto é, um único produto midiático podendo ser acessado simultaneamente
no aparelho de rádio e no computador.
Mas a verdadeira transformação aconteceu com o surgimento de emissoras de rádio
com existência exclusiva na internet, as webradios. A Rádio Klif, no Texas, EUA,
foi a primeira emissora comercial a transmitir de forma contínua e ao vivo
através da internet, a partir de setembro de 1995. Aqui no Brasil, a webradio
chegou no dia cinco de outubro de 1998, com as transmissões da Rádio Totem, a
primeira emissora brasileira com existência apenas na internet.
Podemos entender a webradio como uma emissora radiofônica que pode ser acessada
apenas pela internet, não mais por uma frequência sintonizada no dial de um
aparelho receptor de ondas hertzianas (PRATA, 2009). Várias novidades são
oferecidas pelas webradios, como os conteúdos textuais e imagéticos, além dos
tradicionais elementos sonoros conhecidos do público. As novidades jogam por
terra todos os pressupostos conhecidos até agora sobre radiodifusão: na webradio,
não há necessidade de concessão governamental, as transmissões alcançam todo o
planeta e o público deixa a velha postura passiva, para se tornar um usuário
ativo e participante.
Pode-se afirmar que, mais do que o rádio digital (que ainda não foi implantado
no Brasil), a presença na web é a grande novidade encontrada pela radiofonia.
Hoje, no país, existem centenas de webradios que, além da transmissão em áudio,
oferecem também fóruns de discussão, chats, fotografias dos locutores e
artistas, vídeos, podcasts, arquivos de notícias e toda uma gama de novidades
que transformam e reconfiguram o velho invento de Marconi.
A radiofonia não é uma ilha (CEBRIÁN HERREROS, 2008) e, portanto, não está imune
às grandes mudanças que ocorrem no campo da comunicação. Para se entender a
transformação do rádio, pode-se tomar por empréstimo o vocábulo mediamorphosis,
cunhado por Roger Fidler (1997) e criarmos um novo termo, especialmente para
este momento vivido pelo rádio: radiomorfose. Fidler criou, em 1991, o termo
mediamorphosis e, a partir dessa terminologia, descreve o processo de mudança em
que se encontram os meios de comunicação em todas as suas áreas, direções e
departamentos. O autor defende a complementaridade dos meios, isto é, a
co-evolução, de modo que os novos meios não supõem necessariamente o
desaparecimento dos existentes previamente, mas uma reconfiguração dos usos, das
linguagens e os necessários ajustes sobre o público-alvo.
Fidler (1997) afirma que, como numa metamorfose, há a adaptação dos velhos meios
às novas mudanças tecnológicas. Assim, ao invés de morrer, pelo princípio de
sobrevivência, o meio antigo procura se adaptar e continuar evoluindo em seus
domínios. A teoria de Fidler (1997) é claramente aplicável ao momento vivido
pelo rádio.
Assim, poderíamos afirmar que o rádio dos anos 1950, por meio do processo de
radiomorfose, superou o impacto tecnológico do advento da TV e buscou uma nova
linguagem. Hoje, neste princípio do século XXI, a radiomorfose continua a
caminho de uma outra linguagem, especialmente desenvolvida para os novos
suportes digitais. Pode-se afirmar que o rádio na internet repete as fórmulas e
os conceitos hertzianos, velhos conhecidos do ouvinte, mas, ao mesmo tempo,
insere novos formatos, enquanto reconfigura elementos antigos, numa mistura que
transforma o veículo numa grande constelação de elementos sonoros, textuais e
imagéticos.
Num interessante texto intitulado Uma Nova Onda no Ar, Regina Mota e Takashi
Tome (2005) traçam um intrigante triângulo hipotético na tentativa de definir o
rádio e a TV diante das novas tecnologias. Segundo os autores, cada um dos
vértices representa uma proposta extrema. Assim, num vértice do triângulo está a
TV digital, não no sentido mais amplo, mas a simples digitalização da TV
analógica. No outro vértice está o rádio digital, também no sentido mais
estreito. Já o terceiro vértice apresenta um novo conceito de comunicação
eletrônica de massa que, segundo os autores, representa algo que não é nem rádio
nem televisão (nos moldes atuais): seria um sistema destinado a difundir
conhecimento, qualquer que seja sua forma de manifestação: visual, auditiva,
textual, iconográfica ou – por que não? – olfativa e tátil (p.61-62). Os
atributos deste terceiro modelo são: interatividade, plena liberdade de escolha
e maior equilíbrio na relação dialógica produtor-consumidor de informações
(p.64).
Certamente que todas essas mudanças vão determinar uma nova maneira de se fazer
rádio, bastante diferente das atuais formas. Hoje o conteúdo que é produzido
pelo rádio é feito por profissionais que até conhecem e se relacionam com os
novos meios, mas poderiam ser chamados de imigrantes digitais. Mas o público
ainda é, também, imigrante digital. Porém, dentro de pouco tempo, as gerações
genuinamente digitais – aquelas nascidas sob o signo das novas tecnologias –
passarão a ter acesso às mídias e, com toda a certeza, irão desejar - e exigir!
- novos formatos de programação e novas formas de se interagir com o veículo.
Quando se fala em tecnologia e informação, é importante lembrar Marshall
McLuhan. Na introdução do seu livro A galáxia de Gutenberg (1977), ele diz:
Toda tecnologia nova tende a criar novo ambiente humano. A invenção da escrita e
a utilização do papiro criaram o ambiente social dentro do qual pensamos, em
conexão com os impérios do mundo antigo. O estribo e a roda criaram ambientes de
grande importância.
A imprensa inventada por Gutenberg criou um novo ambiente totalmente inesperado
- o público (p.11).
Se toda tecnologia nova tende a criar um novo ambiente humano, como afirma
McLuhan, qual é o novo ambiente humano criado pela união do rádio e da internet?
De acordo com o cenário que se desenha, é o surgimento de um novo público para
este novo modelo de radiofonia, nascido das modernas tecnologias. Certamente que
estamos vendo surgir uma nova forma de radiofonia, que poderíamos chamar até de
um novo modelo de rádio. E quais são os pressupostos deste novo modelo? Do ponto
de vista da tecnologia, o novo rádio é, por excelência, digital. A partir do
olhar da linguagem, a nova radiofonia tem como base a interação, o usuário como
produtor e consumidor de informações ao mesmo tempo, a menor fidelidade do
público, a alta segmentação das emissoras e a presença de elementos visuais e
textuais.
Na década de 50, o rádio teve que buscar novos caminhos para sobreviver por
causa do advento da TV. Neste início de século XXI, com a chegada da internet, a
radiofonia encontra, por meio da webradio, um novo rumo na rede mundial de
computadores. Assim, neste Dia Mundial da Internet, o rádio é o primeiro a
erguer um brinde à data!
Referências
CEBRIÁN HERREROS, Mariano. La radio en Internet – de la ciberradio a las redes
sociales y la radio móvil. Buenos Aires: La Crujía, 2008.
FIDLER, Roger. Mediamorphosis: Understanding New Media. London: Sage
Publications
Ltd, 1997.
MARSHALL, McLuhan. A Galáxia de Gutenberg. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1977.
MOTA, Regina e TOME, Takashi. Uma nova onda no ar. In: BARBOSA FILHO, André;
CASTRO, Cosette e TOME, Takashi. Mídias digitais – convergência tecnológica e
inclusão social. São Paulo: Paulinas, 2005.
PRATA, Nair. Webradio: novos gêneros, novas formas de interação. Florianópolis:
Insular,
2009.