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Leia na Fonte: Observatório da Imprensa
[23/10/12]
O rádio digital brasileiro pode morrer antes de nascer - por Ismar
Capistrano Costa Filho
[Ismar Capistrano Costa Filho é doutorando em Comunicação pela UFMG, mestre
em Comunicação pela UFPE, jornalista pela UFC, coordenador executivo da
Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária no Ceará (Abraço Ceará) e
membro titular do Conselho Consultivo do Rádio Digital]
Desde 2006, o governo brasileiro adotou o padrão ISDB-TB de TV Digital, que
permite convergência, interatividade e multiprogramação. Mandar a opinião, votar
em enquetes, assistir outros programas no mesmo canal e até mesmo acessar a
internet, através do aparelho televisivo, são possibilidades dos espectadores
neste modelo. No entanto, tudo isso parece mais cena de ficção futurista do que
realidade. O explícito boicote das emissoras aos recursos digitais e a ausência
de regulamentação governamental revelam que a TV digital brasileira ainda
inexiste, senão como canais HD (alta definição de som e imagem) porque o
interesse empresarial, que predomina também no Ministério das Comunicações,
tenta construir uma TV com menor custo, maior lucro e uma audiência concentrada
em poucos canais, o mais passiva, acomodada e disciplinada possível.
O rádio digital corre o risco de repetir a fatídica situação. Com atraso de,
pelo menos, cinco anos, o governo federal ainda não definiu seu padrão (IBOC e
DRM são os principais concorrentes), nem as diretrizes do modelo. Somente em
agosto de 2012, o Ministério das Comunicações criou um Conselho Consultivo para
discutir esta decisão. Composto por representantes do governo, das emissoras e
dos fabricantes, o órgão tem sua primeira reunião no dia 23 de outubro. Além de
atrasada, a discussão começa totalmente desequilibrada. Sem quase investimentos,
o Conselho não conta com qualquer estrutura para sua instalação, sequer as
condições para participação dos conselheiros é garantida. Não há subsídios para
passagens, transporte, hospedagem e alimentação para quem voluntariamente
prestará o serviço público de construir posições para a decisão governamental
sobre o tema.
Grupos empresariais são favorecidos
Além de institucionalizar a gestão de financiamento do privado para o público, a
situação favorece a inversão dos interesses sociais em particulares, dado que a
falta de condições simétricas para a participação no debate privilegia os grupos
empresariais. A impossibilidade de entidades como a Associação Brasileira de
Radiodifusão Comunitária (Abraço) enviarem seu representante titular por falta
de recursos financeiros enfraquece a defesa de uma rádio digital popular e
democrático.
Pensar este modelo é muito mais do que a escolha de um padrão e os custos para
implantação. É planejar e executar uma série de medidas que possibilitem mais
amplos acessos e participação no rádio digital. É muito mais do que uma questão
tecnológica. É uma decisão política que deve orientar a horizontalização da
produção e potencialize o uso da tecnologia. Assim, muitas questões e escolhas
podem ser elaboradas. Como empoderar as pequenas e médias emissoras a produzirem
conteúdo multiforme, interativo e colaborativo? O modelo irá agravar as
diferenças entre os grandes e pequenos grupos radiodifusores? Como a
multitransmissão num mesmo canal será distribuída? As emissoras poderão veicular
diferentes programações simultâneas ou os canais serão compartilhados por
emissoras educativas, comunitárias e comerciais? O rádio digital poderá ser uma
forma de acesso à internet, possibilitando inclusão digital? Como os ouvintes
serão preparados para o uso da nova tecnologia? Haverá orientações para sua
participação mais efetiva na produção e gestão das emissoras?
A falta de condições de paridade de participação nesse Conselho revela que não
há no governo disposição política de, provavelmente, debater essas questões,
respondê-las e, muito menos, executá-las. Reflete também a inexistência de uma
política pública de comunicações, favorecendo a força dos grupos empresariais
consolidados pelo mercado de gerir, conforme seus interesses bens públicos, como
a radiodifusão, que deveriam alicerçar a educação e a participação cidadãs.