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Leia na Fonte: AMARC Brasil
[19/06/13]
Segunda assembléia sobre Rádio Digital no Rio de Janeiro fecha com
propostas e protestos
A irritação do deputado Paulo Ramos durou pouco. Na Audiência Pública sobre o
Rádio Digital ele identificou como militantes do Movimento Sem Terra (MST) a
dezena de homens vestidos com camisetas vermelhas. Mas eram na verdade
participantes do MNRC, o Movimento Nacional das Rádios Comunitárias, que
coloriram a sala 311 na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro na sexta-feira
passada. Foi o MNRC que convocou o encontro. E juntos com mais passeiros como a
própria AMARC Brasil, a aliança Fale Rio, a Associação das Rádios Publicas
(Arpub) e o coletivo Intervozes chegaram bem preparados para dar visibilidade às
demandas e perguntas dos meios de comunicação comunitários e públicos.
Mas antes de falar da digitalização da radiodifusão, Ramos, o presidente da mesa
nessa ocasião, surpreendeu todo mundo com “uma confecção”. Contou como ele mesmo
participou um tempo de uma rádio rádio comunitária como “co-proprietário, sendo
a comunidade o outro proprietário.” Mas, brincadeira a parte, a sua história
seguia uma narrativa notória, experimentada por muitas emissoras comunitárias e
livres que transmitem sem outorga em algum momento: a chegada da Agencia
Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e o confisco do equipamento por agentes da
Polícia Federal (PF). Logo Ramos lamentou não somente os “muitos obstáculos que
impedem a aplicação da Constituição do 1988, como também perguntou
retoricamente, se não é nos meios de comunicação nos bairros o espaço onde
acontece “a luta principal pela democratização do país”. E, conduzindo a sua
reflexão ao fazer rádio com zeros e uns, Ramos pautou o itinerário da audiência:
“Qualquer avanço tecnológico deve ser utilizado para viabilizar e reformar
rádios comunitárias e não ao invés.”
Nas seguintes duas horas e meia representantes do Estado, das rádios comerciais,
comunitárias e públicas. além das corporações da tecnologia digital, trocaram as
suas ideias, expectativas e premissas que deveriam orientar a implementação da
radiodifusão digital no Brasil. O primeiro em falar foi Octavio Pieranti,
diretor do Departamento de Acompanhamento e Avaliação da Secretaria de Serviços
de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações (MiniCom).
Foi também o
primeiro que falou 15 minutos ao invés dos combinados cinco minutos, mas para
alguém que ainda não tinha ouvido falar sobre o tema serviu como uma boa
introdução.
Pieranti demonstrou os resultados dos testes com os dois patrões
digital em debate, o HD Radio e o DRM, e da estrategia do Ministério que tem
como objetivo major evitar exclusões não desejadas durante o processo de
digitalização.
Em relação ao plano de não desligar as transmissões analógicas em
FM e AM e introduzir os sinais digitais de forma simultânea (simulcasting), ele
concluiu que os testes feitos ficaram abaixo das expectativas e não cumpriram o
interesse do Estado de formular uma política inclusiva. Por isso, o MiniCom quer
fazer novos testes que talvez mostrarão o potencial ainda não percebíveis das
tecnologias.
Seguia na lista dos exponentes André Felipe S. Trindade da Associação Brasileira
de Rádio e TV (ABRATEL), um grupo de lobby das emissoras comerciais que saiu faz
algum tempo da mais conhecida Associação Brasileira de Emissoras Brasileira de
Rádio e Televisão (ABERT). Trindade apresentou um texto “requentado” de Dezembro
2012 chamado “O Futuro da Rádio AM e a digitalização da radiodifusão no
Brasil.”.
O que deve ter sido interessante como posicionamento no debate a
primeira vez na Câmera de Deputados no ano passado agora não aportou grandes
novidades. O texto nem fala muito do rádio digital, a não ser da proposta de
transferir emissoras comerciais que transmitem nas ondas mádias (OM), por
enquanto pela assim chamada “banda FM estendida”, que ficaram livres com a
mudança da TV digital para outras frequências.
É uma proposta que procura
estender o número de emissoras FM analógicas ao invés duma digitalização que Trinidade acha caro demais. Transmitir simultaneamente sinais analógicos e
digitais não seria viável e, segundo o representante da ABRATEL, ninguém
assegura que não terá um grande apagão no futuro próximo. Além de cifras
duvidosas (o MiniCom na hora qualificou como exagerado os cálculos da custosa
tecnologia digital) e observações pessoais pouco analíticas (“Eu achei carros
com rádios digitais nos Estados Unidos e não têm…”), Trinidade não acrescentou
muito ao debate. Porém esqueceu um detalhe importante sobre o plano mestre das
emissoras AM comerciais: para ouvir novas rádios na banda FM estendida os
ouvintes têm que comprar novos receptores.
Melhor foi a memoria de Tião Santos, representando a Associação de Rádios
Comunitárias do Rio de Janeiro (ARCO). Na sua intervenção voltou pelos
“dolorosos” anos 90, quando o movimento das rádios comunitárias organizou uma
luta corajosa contra o monopólio da comunicação somente para ser premiado com um
Lei de Radiodifusão Comunitária que apenas reconhece um canal por município e
define muitos prejuízos para as comunicadores populares. Santos recordou os
representantes do Estado com detalhe das dívidas históricas que o Governo tem
com o movimento das rádios comunitárias. Por fim, chegou na pergunta da
digitalização também, falando das descontinuidades do programa estatal de
estabelecer um patrão brasileiro de rádio digital. A sua conclusão: O rádio
digital é importante mas do ponto de vista das rádios comunitárias existem
outros problemas mais urgentes, sobretudo a perseguição e o fechamento de
emissoras sem outorga.
O representante nacional da AMARC Brasil, Arthur William não parecia interessado
em priorizar dessa forma, senão em formular demandas e preocupações específicas
das emissoras comunitárias em relação à digitalização. Lamentou que o MiniCom
não levou em conta os 14 princípios para um marco democrático sobre rádio e TV
comunitária quando planejou os teste dos padrões digitais, que por uma falta de
metodologia não permitiam tomar uma decisão.
Argumentou que a questão do rádio
digital reafirma a necessidade de mudanças legais, tanto da Lei das Rádios
Comunitárias como no geral. Deveriam ser revisadas as restrições atuais (baixa
potência, um canal só, etc.) e estabelecida uma política pública mais
propositiva, partindo das necessidades dos ouvintes e orientado também por
critérios sociais e não somente parâmetros técnicos.
Por último, aproveitou a
ocasião para criticar a decisão do Ministro de Comunicação, Paulo Bernardo de
regularizar e anistiar cerca de 4 mil e 500 retransmissoras de TVs comerciais
que operam ilegalmente há anos. William argumentou que “não pode ter duas
medidas e se foram legalizadas as retransmissoras comerciais as rádios
comunitárias sem outorga também deveriam ser reconhecidos pelo Estado.”
Justo quando a Assembleia Pública ganhou um momento reflexivo e foram disparados
argumentos para ser retomado pelos participantes seguiam duas intervenções da
ABERT que depois com razão foram qualificadas como “confusas”.
Os membros da ABERT, há algum tempo os grandes defensores do patrão digital HD Radio da
empresa estadunidense Ibiquity, parecem ter perdido o fé de poder lucrar de
forma segura com a digitalização do rádio. Enquanto antes apresentaram o HD
Radio na banda FM como complemento ideal e o futuro do rádio, na Audiência
Pública falaram das suas “dúvidas sobre a utilidade da digitalização”, que “os
dois padrões não trazem nenhuma vantagem”, que “não se justificarão os
investimentos” e fecharam com a crítica conclusão de que o “debate é 20 anos
atrasado.” Podia-se deduzir uma enfadada defesa do status quo e pouco mais,
muito pouco mais.
E depois da calma, a tempestade. Levando os decibéis a novas alturas nessa
tarde, falou Jerry de Oliveira da Abraço – SP (não confundir com a Abraço
Nacional da qual já não faz parte) mas aqui também representando o MNRC.
Oliveira não é contra uma digitalização, mas acha importante “limpar a agenda”
primeiro. Tardou em explicar o que queria dizer com isso, porque primeiro
criticou o costume do MiniCom de falar com a ABERT sobre questões que tangem as
Rádios Comunitárias e apresentou também a sua própria releitura dos testes que,
segundo ele, foram manipulados na hora de fazê-los.
Logo acusou os dois padrões
em disputa de não serem feitos para rádios comunitárias e apresentou (não pela
primeira vez) uma própria alternativa: “O desenvolvimento de um sistema de Rádio
Digital com um eixo social, mudando a ótica técnica pela potencialidade de nossa
cultura.” Mas por que se limitar a um sistema latino-americano em tempos em que
os meios alternativas e comunitárias procuram trabalhar cada vez mais em rede e
sem fronteiras? Mas a vaga ideia de um “eixo social” tem potencial, talvez na
próxima Audiência Pública terá uma explicação mais concreta.
Depois do MNRC falou Orlando Guilhon, representando ARPUB e Fale Rio. Com um bom
instinto para a hora avançado e o desgaste do público de filtrar os fatos
relevantes dos prolixos discursos das passadas duas horas, limitou-se a cinco
comentários pontuais.
Primeiro criticou as agendas não públicas no debate, como
por exemplo a inexplicável mudança da ABERT que se retirou a uma postura
“anti-digital” silenciosamente.
Segundo Guilhon criticou a precaridade
conceitual das testes e os problemas técnicos que aportaram aos maus resultados.
Terceiro colocou o problema do custo dos receptores de rádio digital que ainda é
“alto demais” para os ouvintes brasileiros. Logo enfatizou a importação de o
Brasil atribuir tecnologia própria para o patrão digital.
E finalmente revindicou que o futuro sistema de rádio digital deveria englobar as Rádios
Comunitárias e rádios de baixa potência. Guilhon concluiu, apropriando-se de uma
citação de antigo presidente Lula levemente modificado: Somente vai acontecer
uma inclusão digital no rádio se a sociedade se organizar e pressionar.
Agora somente faltava o pronunciamento dos representantes do HD Radio e do DRM.
Como já tiveram tempo para apresentar os seus sistemas na primeira Audiência
Pública no mês passado ao início da sessão, esta vez foram convocados para
responder às perguntas e comentários dos demais participantes ao final.
Porém o
HD Radio não chegou e somente o representante do DRM Brasil. Rafael Diniz se
prestou para essa tarefa.
Primeiro explicou as vantagens tecnológicos dos
padrões digitais, sobretudo a melhor eficiência no uso do espectro
eletromagnético que inclua uma
multiprogramação, que permite que quatro emissoras usem um mesmo canal. Aplicada
à realidade brasileira poderia permitir, por exemplo, que várias rádios
comunitárias compartilhassem a mesma infra-estrutura. Além disso, explicou que a
digitalização não significa somente receber um “áudio mas bonito”, mas também
conteúdos interativos. O Ginga, uma tecnologia desenvolvida no Brasil e
compatível com o DRM, permitirá a recepção e a troca de dados (ex, informações
do trânsito, etc.) sem ter que pagar como é o caso para acessar serviços da
Internet ou redes celulares. Isso poderia ser a base de um próprio padrão
(DRM-B) com o potencial de virar um patrão mundial. Para chegar lá é ainda um
bom caminho. Hoje os sistemas existentes baseados no DRM ainda não são 100% de
royalties e patentes, mas segundo Diniz é possível de desenvolver uma variação
do DRM com puro software e se colocou a disposição de trabalhar junto numa
adaptação da tecnologia para a realidade brasileira com os demais participantes
da Audiência Pública.
Ramos, o presidente da mesa retomou essa proposta e propôs a formação de um
grupo de trabalho comum. Mas já não teve tempo para entrar em detalhes, oxalá na
próxima Audiência Pública sobre o Rádio Digital uma dinâmica dialógica possa
retomar do início da sessão, porque devido às largas intervenções somente se
apresentaram os distintos pontos de vista sem entrar num verdadeiro debate. E
oxalá essa vez vão ser convidados representante e radialistas femininas também –
senão talvez possam colocar como subtítulo “Os Mercenários 3” ao seguinte
encontro.
O ponto final do encontro foi a apresentação de uma faixa do MNRC, reivindicando
a demissão do Ministro de Comunicação. “Fora Paulo Bernardo” dizia, resumindo o
descontentamento com a política atual do MiniCom. Porque, enquanto a exclusão
digital ainda é uma ameaça hipotética, a vasta exclusão da sociedade civil do
uso das freqüências analógicas já é uma triste realidade no “Pais dos 30
Berlusconis”
(por Nils Brock)