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Fonte: Carta Capital
[16/09/13]
O rádio completa 90 anos no Brasil. Há motivos para comemorar? - por Arthur
William
*Arthur William integra o Conselho Diretor do Intervozes.
O rádio nasceu comunitário. Depois de 90 anos, a tecnologia
evoluiu e a cidadania avançou, mas a democracia continua longe da comunicação
eletrônica de massa.
Há nove décadas, a radiodifusão começava no país. Desde lá, a tecnologia evoluiu
e a cidadania avançou, mas a democracia continua longe da comunicação eletrônica
de massa.
O rádio nasceu comunitário. Pessoas ligadas à Academia Brasileira de Ciências,
como Henrique Morize e Edgar Roquette-Pinto, reuniram-se para criar uma emissora
com finalidades educativas e culturais. Após 90 anos, umas das lei que regula a
comunicação só entende comunidade como território (de mil metros). Fica de fora
a chamada “comunidade de interesses”, como os pioneiros da Rádio Sociedade do
Rio de Janeiro faziam.
Depois de doar a emissora ao Ministério da Educação, Roquette-Pinto lutou para
criar uma TV educativa. Contudo, as TVs educativas acabaram nascendo descoladas
de um projeto de mídia pública. Retrato das comunicações do Brasil: um amontoado
de serviços, definidos por diversas leis, decretos e portarias, que, apesar da
quantidade, não conseguem garantir o mais importante para a sociedade, que é o
direito humano à comunicação.
Aliás, Roquette-Pinto já anunciava muito do que estamos discutindo em tempos de
convergência. Ele usava diversas mídias com o objetivo de educar. Cinema e rádio
foram as principais plataformas disponíveis à época para explorar o potencial
transformador da comunicação.
Hoje, as empresas ainda engatinham na comunicação multiplataforma. Até mesmo
grupos de natureza convergente, como a EBC, aproveitam pouco sua potencialidade.
Por falar nela, a Empresa Brasil de Comunicação perdeu a oportunidade de
celebrar o feito de Roquette-Pinto e companhia. Os 90 anos da Rádio Sociedade
(atual MEC AM) foram ignorados pela diretoria da estatal, atualmente responsável
pelas MEC AM e FM, Rádios Nacional do Rio, Brasília, Amazônia e Alto Solimões,
além de TV Brasil (antiga TVE), NBR e Agência Brasil.
A EBC tem se aproximado cada vez mais da velha estatal Radiobrás e de sua ‘Voz
do Brasil’, do que da Rádio Sociedade de Roquette-Pinto, da TVE do Rio ou da
Rádio Nacional da Era do Rádio. É preciso que se torne atrativa, mais pública e
menos estatal. Pode fazer isso começando a aumentar a participação da sociedade
na gestão da empresa e garantindo financiamento independente de verbas
governamentais. E também experimentando mais, fugindo da tentação de copiar
fórmulas batidas de jornalismo e produção, só que com menos dinheiro.
Comunicação colaborativa
É bom lembrar que o rádio era interativo em seu princípio. Com potencial de
ecoar a voz de muitos, limitou-se a Rádioamador, abrindo espaço para um rádio
unidirecional, onde apenas um fala e o restante escuta. Essa foi uma imposição
da sociedade e não da tecnologia. Ótima recordação para aqueles que não dão
importância para os debates sobre regulação de novos serviços, como o Marco
Civil da Internet.
A tecnologia, por si só, não define o uso do rádio, da internet, do jornal e da
televisão. As leis que regulamentam a Comunicação estabelecem como será a mídia
de um país. E as diferenças são muitas. Em boa parte da Europa, por exemplo, a
maioria das emissoras são públicas. No Brasil, entre os canais de TV 2 a 13, UHF
14 a 69 e do FM 88 a 108 MHz, é possível contar nos dedos de uma mão as estações
do campo público: quase todas são privadas com fins lucrativos.
Por aqui o quadro ainda é pior, já que o velho modelo de financiamento copiado
dos Estados Unidos está em crise. Com a concorrência de outros meios, a
audiência da radiodifusão diminuiu, reduzindo também as verbas publicitárias.
Por isso, quase todas as rádios e TVs alugam suas programações para religiões e
lojas de varejo que passam o dia inteiro em pregações ou mostrando tapetes,
relógios e anéis. Com isso, ficam sem espaço os produtores independentes e a
mídia alternativa.
Convergência e Rádio Digital
A evolução tecnológica permite a convergência entre o rádio e outros serviços no
chamado rádio digital. Os padrões disponíveis permitem que as atuais estações
melhorem a qualidade do áudio e carreguem novas funcionalidades como vídeos de
baixa resolução, fotos e notícias.
Seria a realização do sonho multimídia de Roquette-Pinto. Porém, hoje, a
mentalidade dos empresários do rádio é mais atrasada daquela dos pioneiros de
1923. Eles parecem não querer o rádio digital, mas apenas a migração das
emissoras AM para novas frequências de FM. Isso sem falar nas rádios
comunitárias. Mesmo sendo a maioria das atuais estações, continuam sofrendo os
ataques de uma lei criada pelos donos das rádios comerciais.
Lei da Mídia Democrática é solução imediata
Muita coisa precisa mudar na comunicação de massa que completa 90 anos no
Brasil. As ruas pedem pressa, por isso uma das saídas imediatas é a aprovação do
Projeto de Lei da Mídia Democrática, organizado por diversos movimentos sociais
ligados à Campanha Para Expressar a Liberdade, promovida pelo FNDC (Fórum
Nacional pela Democratização da Comunicação).
Essa lei, se aprovada, regulamenta importantes artigos da Constituição de 1988,
garantindo a democracia na Comunicação em benefício do cidadão e para que os
próximos 90 anos da radiodifusão no Brasil sejam de comemoração.