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Fonte: DN.pt
[23/01/17]
Portugal sem condições para acabar com a rádio FM
A Noruega tornou-se a semana passada o primeiro país do mundo a acabar com a
rede analógica. Por cá, os especialistas dizem que isso significaria "a morte da
rádio"
Toda a família em redor de um rádio. O relato de futebol ouvido no transístor. A
informação do trânsito e às meias horas escutada no carro. Estes cenários, mais
antigos ou contemporâneos, são-lhe familiares? Claro que sim. Na Noruega também
eram. Mas já não são. Aquele país nórdico tornou-se o primeiro do mundo a acabar
com a rádio FM. Agora, é tudo digital, embora a medida esteja longe de ser
consensual.
A Associação de Rádio Norueguesa assegura que o país "não está preparado para
isto", e que "há milhões de noruegueses que só conseguem ouvir rádio FM nas suas
casas". Opinião contrária tem o governo, que se diz "confortável" com a decisão
e acredita que o país "está preparado para o futuro digital".
O desligamento analógico tornou inutilizáveis mais de 20 milhões de recetores
analógicos instalados em cerca de 2,3 milhões de automóveis. Para converter
esses aparelhos para a tecnologia DAB (Digital Audio Broadcasting), cada
proprietário terá de desembolsar entre 100 e 200 euros. Apesar das críticas, o
DAB não é absolutamente novo no Noruega. Desde 1995 que os dois sistemas,
analógico e digital, coexistem pacificamente.
E se Portugal acabasse com o FM? O que aconteceria? Para o presidente da
Associação Portuguesa de Radiodifusão (APR), "seria a ruína do setor". José
Faustino acha que isso "não será possível nos próximos dez anos". "Se as rádios
locais mal têm dinheiro para sobreviver, como é que conseguiriam investir o que
é necessário para adquirir equipamentos digitais?", questiona.
O diretor técnico da TSF partilha a visão negra do cenário: "Provavelmente
"seria o fim da rádio". "Não temos condições para fazer uma transição dessas",
explica ao DN Alberto Santos, que considera, contudo, que a migração do
analógico para o digital na rádio não passa pelo DAB, que "está moribundo".
"Aliás, essa experiência já se viveu em Portugal e com os resultados que se
sabem."
A experiência começou em 1998 conduzida pela RDP, que montou uma rede de
emissores DAB, que estreou durante a Expo"98. O sonho terminou em 2011.
Confrontada com a necessidade de redução de custos, a administração da RTP,
então liderada por Guilherme Costa, optou por desligar o sistema DAB invocando
os elevados custos de manutenção e a pouca aceitação que o sistema teve junto
dos portugueses.
"Os portugueses têm medo do sucesso e da inovação, sobretudo quando ela é de
grande escala", diz Francisco Mascarenhas, à época diretor técnico da RDP, para
quem "em Portugal não existe uma cultura de risco", diz este engenheiro técnico,
reformado da RDP desde 2009.
Apesar da tentativa falhada, o antigo diretor técnico da RDP acredita que "é
difícil encontrar uma alternativa ao DAB". O atual homólogo da TSF, contudo,
aponta outro caminho. "O caminho é ouvir rádio na internet. Basta um telemóvel
para emparelhar no carro, via Bluetooth, e eu sou capaz de ir a ouvir a mesma
rádio local, e com qualidade digital, em todo o país", explica.
Alberto Santos lembra que "a rádio é por definição o meio mais democrático de
todos, porque tem o acesso mais fácil e disponível a todas as bolsas". Ora,
insistir na tecnologia DAB, na opinião deste profissional, iria desvirtuar esta
realidade, porque "seria necessário adaptar os atuais aparelhos de transmissão
para a nova tecnologia".
O diretor técnico da TSF enfatiza, porém, a necessidade da "criação de um regime
de exceção para as rádios nacionais no caso do tráfego de downloads". E
exemplifica: "A Meo, por exemplo, vende os seus equipamentos já com o Meo Music,
um serviço de música que pode estar 24 horas ligado que não gasta tráfego. Ora,
se eu ouvir rádio no meu telemóvel, estou a consumir tráfego do meu plano de
dados contratado. Num cenário de digitalização da rádio para a internet, os
operadores tinham de disponibilizar um regime de exceção idêntico para as rádios
nacionais. Só assim seria possível manter a rádio um meio democrático", reitera.
Para o responsável pela área de radiodifusão da Autoridade Nacional de
Comunicações (Anacom), o que está a emperrar a migração da rádio para o digital
em Portugal "é a ausência de perceção de ganhos reais, quer para os operadores
quer para os ouvintes". "Nos dias de hoje, as pessoas ouvem rádio
maioritariamente nos carros e a qualidade do FM é tida como boa. Tem de haver
algo mais para que uma transmissão rádio digital seja entendida como
fundamental", explica ao DN Miguel Henriques.
O presidente da APR afina pelo mesmo diapasão. "Sejamos francos: para quem ouve
rádio no dia--a-dia, a melhoria não é assim tão significativa", diz ao DN. José
Faustino acrescenta que "não é só em Portugal que o DAB está morto. Também não
evoluiu noutros países, só agora é que ressuscitou na Noruega". O dirigente da
APR, associação que congrega cerca de 180 emissoras nacionais e locais, acredita
que "se se fizer uma sondagem, nenhum português sabe o que é a tecnologia DAB".
O responsável da Anacom partilha da ideia. Miguel Henriques admite que a Anacom,
enquanto entidade gestora do espaço radioelétrico, "tem várias redes de DAB
planeadas". O problema, aponta, "é que essas redes não têm capacidade para
albergar todas as rádios que emitem atualmente em FM". Por isso, defende, um dos
caminhos possíveis para migrar a rádio para o digital seria fazer emitir as
rádios nacionais e regionais em DAB e as rádios locais no sistema alternativo
DRM + (Digital Rádio Mondiale). "Em qualquer dos casos, os rádios que vêm nos
automóveis tinham de ter este tipo de recetores", algo que, sustenta, "não seria
caro para a indústria automóvel".