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Fonte: Meira.com
[26/05/03]  A volta... da Telebrás? - por Silvio Meira

O Simpósio Brasileiro de Redes de Computadores é um fenômeno quase à parte em meio aos eventos científicos que acontecem no Brasil. Promovido pela SBC e pelo LARC, a reunião contou com a presença de mais de 1200 pessoas, semana passada, em Natal. É certo que o local deve ter atraído parte das pessoas; mas, por outro lado, ninguém iria até lá só por causa das praias. Bom para as redes e a internet, no Brasil, pois vai haver muito capital humano competente numa das áreas-chave do futuro do país, de qualquer país. Muitos painéis, mesas redondas, cursos e sessões técnicas tiveram sua lotação esgotada e os organizadores, apesar do visível cansaço por terem que lidar com muito mais gente do que planejado, não cabiam em si de tanta alegria.

Fora das salas e auditórios, havia grupos conversando sobre absolutamente tudo, desde os mais novos protocolos, as mais esquisitas formas para se conectar dispositivos móveis, os negócios de telecomunicações e, em algum grupo, a falência da Eletronet, a empresa de backbone de redes da qual a Eletrobrás era dona (na realidade, é) de 49%. O sócio controlador é o gigante americano AES, maior empresa de energia do mundo, que já foi devidamente responsabilizada pelo conglomerado brasileiro de eletricidade pela falência da operação de redes. Até aí nada de novo. A holding brasileira de energia, proprietária de direitos de passagem em todo o território nacional, havia resolvido fazer o que muitas outras empresas similares fizeram lá fora: usar a sua rede elétrica, já existente, como parte da infra-estrutura necessária para lançar uma malha de fibras óticas que conectaria todo o país. O empreendimento, que abrangeria 22.000 km de cabos, tem 16.000 km em funcionamento, o que não é pouco, mas que não foi suficiente para viabilizar a parceria, no Brasil.

O desenlace entre as partes se deu no fim de março, quando a empresa, que tem dívidas de mais de meio bilhão de reais e Intelig, AT&T e Vésper entre seus clientes, viu seu caixa secar. Logo depois, a presidência da Eletrobrás anunciaria que não tem nada a ver com o pato e que os controladores iriam responder pela massa falida. Na página da empresa, não há indícios de como falar com sua assessoria de imprensa e a última notícia, divulgada depois do anúncio público da falência do empreendimento pela Telebrás, é o anúncio da assinatura de um contrato para fornecimento de infra-estrutura de redes à AT&T. Pois bem, estas são as versões oficiais; voltemos a Natal, em algum canto de um hotel à beira-mar. Segundo a conversa, muito animada, a Telebrás está conversando com a Eletrobrás e o BNDES para assumir a Eletronet. Sim, mas a Telebrás não havia sido extinta? Não, segundo sua própria definição, ela “... é uma empresa de economia mista vinculada ao Ministério das Comunicações, encontrando-se em situação de descontinuidade, exercendo as funções essenciais ao seu funcionamento até sua futura dissolução”.

Tentemos, então, juntar as peças da teoria que se encontrava em construção lá em Natal. Primeiro, há o caso, real e concreto, de uma empresa pública que detém quase a metade de um backbone que conecta boa parte do Brasil. Deixado para lá, pode apodrecer, pura e simplesmente. Segundo, há uma conta gigantesca de telecomunicações que o governo paga, todo santo mês, para conectar seus mais diversos órgãos entre si, à rede de telefonia e à internet, o que deixa uma ala estatizante do executivo incomodada, desde sempre. Terceiro, o esqueleto jurídico da Telebrás ainda está lá, no armário do Minicom, prontinho pra receber uma injeção reanimadora e voltar à cena, possivelmente ganhando de partida o contrato-missão de interligar os órgãos públicos. Os executivos (federal, estaduais e municipais...), legislativos, judiciário, polícias, forças armadas, escolas, hospitais, universidades, centros de pesquisa... todos seriam parte de uma “rede pública” montada sobre o que restou da Eletronet. Quarto, há muito mais gente, neste governo, em relação aos anteriores, disposta a, de uma ou outra forma, trazer de volta para casa coisas que os “neo-liberais” entregaram "à sanha” do capitalismo de mercado. Quinto, a Eletronet é um exemplo de operação que o mercado não conseguiu desenrolar... e na qual o poder público poderia entrar “para salvaguardar interesses estratégicos nacionais, de longo prazo”... E estes não são todos os argumentos “a favor”: quem quiser, pode exercitar pelo menos uma boa dúzia de pontos que poderiam vir a justificar, perante o mercado e investidores, a volta do Minicom, pela via da quase extinta Telebrás, à operação direta de serviços de telecomunicações.

Esta “teoria de Natal” para a Eletronet pode não ter absolutamente nenhuma relação com o que está sendo discutido, dentro do governo, para dar solução ao rombo que a empresa deixou no mercado, entre seus financiadores e fornecedores. Mas, por outro lado, pode ser exatamente o que muitos estão pensando em fazer. Neste caso, é bom que se comece, também, a conversar com os investidores internacionais que populam o mercado nacional de telecomunicações. Dependendo da qualidade da explicação, eles todos podem entender que o governo está agindo na melhor das intenções de salvaguardar interesses realmente nacionais e estratégicos. Tais interesses podem, sem a menor dúvida, passar pela salvação da Eletronet: o governo não está salvando (apesar dela quase não querer) a Varig? Mas duvido que o mercado compre, simples e calmamente, a recriação da Telebrás para tocar uma “rede pública”, retirando centenas de milhões de reais de contratos do mercado livre e os entregando a uma renovada e, conseqüentemente, poderosíssima estatal. Os argumentos “contra” são tantos e tão sofisticados quanto os “a favor”.

O mercado “livre” de telecomunicações, no Brasil, ainda está engatinhando e, até que tenhamos passado por mais umas duas ou três trocas de governo, ainda haverá tiques nervosos, de um lado e outro, sobre o que pode mudar em relação ao que outros mudaram no passado. Ou seja, as mudanças (antigas) são pra valer mesmo ou existiria, sempre, o risco de mudança de papéis de agências reguladoras e dos novos governos interferirem em contratos de concessão assinados e ainda válidos, parte de planos de negócios que trouxeram bilhões de dólares em investimentos estrangeiros ao país? Não seria melhor negociar por trás de pesadas cortinas de veludo e, pela via de delicada mas infinita pressão, conseguir que as empresas, dando uma de boazinhas, modificassem elas próprias seus termos? Os governos, quando se empenham de verdade, sabem fazer isso muito bem, no mundo inteiro. O que quase nunca leva a nada construtivo é a discussão pública, pela via do tiroteio midiático, de termos de longo prazo acordados no passado já remoto.

Se é para trazer a Telebrás de volta, que venha. Bem explicada, se possível for, e como parte de um processo que poderia levar à renovação de um setor que nos custou tão caro instalar e que, é sempre bom lembrar, atravessa uma das maiores crises de sua história, razão maior pela qual a própria Eletronet não resistiu e desabou. Se a volta da Telebrás for para “cortar custos” do governo, para desafiar a iniciativa privada e assustar ainda mais o capital (internacional), que quase já desistiu do Brasil e da América Latina, vamos ver uma tourada e tanto. Se o toureiro será o mercado ou o governo, ainda não dá para saber. Mas o touro -que sempre morre no final, num embate idiota entre tais contendores, sempre é o interesse público.