Portal Exame
[17/05/07] Quem
precisa de uma nova estatal? - por Malu
Gaspar e Samantha Lima
As operadoras tentam evitar que o governo ressuscite a Eletronet e concorra
no mercado de banda larga
Uma nova estatal de telecomunicações está em gestação
no governo federal. A iniciativa é capitaneada pela ministra da Casa Civil,
Dilma Rousseff, que batizou o projeto de Infovias do Brasil. O plano vem
sendo discutido desde o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, mas foi nos últimos oito meses que as reuniões a respeito se
intensificaram. No dia 23 de março, o próprio Lula e cinco ministros
assistiram a uma apresentação do plano de criação da empresa. A idéia gerou
vários relatórios internos, discordâncias entre ministérios e forte reação
das empresas de telecomunicações, que se movimentam nos bastidores para
tentar impedir sua concretização. EXAME teve acesso a dois dos relatórios
internos. Um foi feito em fevereiro pelo Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE)
da Presidência da República. Outro, intitulado Plano Nacional de Difusão de
Banda Larga, é de dezembro de 2006. Os dois prevêem que o governo federal
assuma a tarefa de levar internet em banda larga às escolas públicas,
cumprindo metas de inclusão digital, e passe a transmitir dados para
estatais que hoje contratam esses serviços na iniciativa privada, como
Serpro, Correios, Dataprev e Banco do Brasil.
Para materializar o projeto, o governo pretende assumir
a rede de cabos de fibra óptica da Eletronet, empresa que tem como sócias a
mutinacional AES, com 51% do capital, e a Eletrobrás, com 49%. Criada em
1999 para prestar serviços de transmissão de dados, a Eletronet faliu por
falta de demanda. Desde 2003, está em estado letárgico, e sua pouca
atividade -- serviços para estatais de energia elétrica e algumas empresas
privadas -- é administrada por um síndico nomeado pela Justiça. A massa
falida tem dívidas de 600 milhões de reais, dos quais 70% com as fabricantes
de equipamentos Furukawa e Alcatel-Lucent. O governo estuda agora comprar os
créditos dos fornecedores por 134 milhões de reais, um deságio de 80%, e
depois tornar a Eletronet subsidiária de uma estatal já existente ou criar
uma nova empresa. Uma vez estatizada, a rede -- que tem 16 000 quilômetros
instalados em linhas de transmissão da Eletrobrás e atravessa 18 estados,
mas só chega até a periferia das grandes cidades -- precisaria ser
completada para alcançar as escolas. Fazer isso, segundo estimativa do NAE,
custaria 9,7 bilhões de reais em cinco anos.
O argumento do governo em defesa do projeto é que hoje,
para a inclusão social, é mais importante ter acesso universal à internet do
que a telefones fixos, conforme se exigiu das telefônicas nas privatizações.
Mas, segundo essa tese, as empresas privadas não teriam interesse em
implantar banda larga nas regiões mais remotas e menos rentáveis do país.
"Se não houver participação direta do setor público, a maioria da população
brasileira não participará da inclusão digital", diz o relatório do NAE. A
solução, portanto, seria estabelecer um novo modelo para o setor de
telecomunicações para "atribuir ao Estado a oferta desses serviços onde não
houver interesse do mercado e não houver competitividade".
Desde que foram informados a respeito da possível
reencarnação da Eletronet, executivos e acionistas de operadoras de
telecomunicação têm percorrido os gabinetes de parlamentares e ministros em
Brasília em campanha contra o projeto. "A criação de uma estatal seria um
total descalabro, um descrédito para o setor que investiu 200 bilhões de
reais nos últimos oito anos. É um passo para trás", diz José Pauletti,
presidente da Associação Brasileira das Empresas de Telefonia Fixa, da qual
são associadas operadoras como Telefônica, Oi, Brasil Telecom e Embratel.
Procurados por EXAME, nem a ministra Dilma Rousseff nem
Paulo Bernardo, do Planejamento, comentaram o assunto. Para o ministro das
Comunicações, Hélio Costa, não há intenção de criar uma concorrente estatal
para as empresas privadas. "É importante recuperar um sistema de infovias
que está parado e que pode ser útil para ligar o norte ao sul do país por
banda larga. É disso que estamos falando", afirma Costa. Para ele, a reação
das empresas é um "exagero", já que, por não ter ramificações em todo o
território nacional, a Eletronet não roubaria mercado do setor privado.
Mesmo assim, pelo menos serviços de transmissão de dados que hoje as
estatais alugam das operadoras privadas, pagando 400 milhões de reais por
ano, poderiam passar para a Eletronet.
O mercado de banda larga como um todo faturou 2 bilhões de reais em 2006 e é
o que mais cresce no setor de telecomunicações, a um ritmo de 37,5% ao ano.
É também o mais concorrido. Desde o início de 2006, o
preço do acesso à banda larga caiu 10% para os usuários. É nesse mercado que
a nova rede estatal, se formada, dividirá espaço.
==============================
Rede polêmica
O governo federal planeja montar uma nova estatal responsável pela
transmissão de dados para realizar a inclusão digital. Veja como e por quê
O que é o projeto
A idéia, nascida na Casa Civil, é que o governo assuma a rede de 16 000
quilômetros de fibra óptica da falida Eletronet ? ex-subsidiária da
Eletrobrás ? para levar a internet a 170 000 escolas públicas
Como começará
A alternativa mais cotada é que uma empresa estatal - Serpro, Correios ou
Telebrás - compre os créditos da massa falida da Eletronet (de 600 milhões
de reais) com deságio e passe a administrar a rede de fibra óptica
Os motivos do governo
As empresas privadas não teriam interesse em levar banda larga a locais
distantes ou escolas por falta de retorno financeiro. Sendo assim, só o
Estado teria como promover a inclusão digital
O que diz o setor privado
Empresas poderiam prestar esse serviço a custo mais baixo e de
forma eficiente. Há quem considere que a estatização da rede pode criar uma
concorrente para o setor privado, contrariando o modelo brasileiro de
telecomunicações.
Com o investimento previsto nos planos do governo, a
Eletronet teria potencial para chegar a usuários de quase 2 000 municípios
brasileiros, cobertura semelhante à das operadoras privadas. Uma das
alternativas à estatização da Eletronet seria a formação de uma parceria
público-privada (PPP) para a operação de sua rede e a construção das
ligações necessárias para alcançar as escolas. Parte dos envolvidos na
discussão sobre o projeto dentro do governo federal defende essa tese. Mas,
pelo que disseram a EXAME funcionários públicos graduados envolvidos na
discussão, até agora ninguém se dispôs a contradizer a opinião da ministra
da Casa Civil, contrária à PPP.
A parceria público-privada é hoje também a alternativa
mais aceita pelas empresas privadas. Para provar que estão dispostas a
universalizar o acesso à banda larga, elas pretendem mostrar ao governo, nas
próximas semanas, sua proposta para pôr a rede em operação. "Temos certeza
de que é possível implantar a universalização a um custo muito menor e bem
antes dos cinco anos propostos. Seria possível atender de imediato pelo
menos 80% das escolas.
Nos 20% que não seriam viáveis, precisaríamos discutir formas de subsidiar o
acesso", diz Ronaldo Iabrudi, presidente da Telebrasil, entidade que reúne
todas as empresas de telecomunicações. "Uma estrutura nacional só com base
na Eletronet seria eternamente deficitária, como já ficou provado. Alguém
fatalmente pagaria essa conta."