Tenho pena do próximo presidente da República, pois ele
irá receber uma herança terrível nas Comunicações. Ao invés de modernizar e
harmonizar a legislação setorial, o governo Lula deixará ao sucessor uma
colcha de retalhos de disposições contraditórias e geradoras de conflitos
potenciais, além de fundos e tributos extorsivos que sugam bilhões, sem
qualquer retorno.
Há um imenso descompasso entre o desenvolvimento da
tecnologia e a legislação de Comunicações no Brasil. Numa época em que a
digitalização domina todos os segmentos da eletrônica e das comunicações e
em que a internet, o celular e as redes de banda larga se expandem em escala
planetária, o Executivo e o Congresso insistem em esvaziar as agências
reguladoras em favor do fortalecimento político dos ministérios, e em
discutir questões menores e interesses de grupos.
O fato é que o governo Lula paralisou de vez a
modernização institucional do setor por falta de projeto, de quadros
competentes e de orientação. Esse cenário começou a desenhar-se no segundo
mandato de Fernando Henrique Cardoso, que interrompeu o projeto de
reestruturação das Comunicações, iniciado pelo ex-ministro Sérgio Motta.
Para comprovar essa situação, convido o leitor a
analisar, sucintamente, quatro pontos da gestão estatal no setor de
Comunicações: Telebrás, Eletronet, Fundo de Universalização dos Serviços de
Telecomunicações (Fust) e Fundo de Fiscalização de Telecomunicações (Fistel).
Comecemos pela Telebrás. Não se surpreenda, leitor: a
Telebrás, embora privatizada há 9 anos, ainda não foi extinta. Mesmo
inativa, a empresa tem existência legal e tem diretores que cuidam de uma
montanha de papéis ligados a questões pendentes, ao quadro de funcionários -
cedidos, em sua maioria, à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) - e
a responsabilidades judiciais, entre as quais, as dívidas resultantes de
condenações e indenizações milionárias, inclusive os R$ 254 milhões que está
pagando a uma minúscula empresa, como a VT Um Produções. E pior: o governo
quer ressuscitar a Telebrás, para operar diversos serviços.
Outro esqueleto é a Eletronet, uma estatal falida,
ligada à Eletrobrás e a um sócio estrangeiro. Detentora de uma rede de cabos
de fibra óptica de 16 mil quilômetros, que cruza o País de norte a sul, a
empresa está paralisada desde 2003 e tem dívidas de mais de R$ 600 milhões
com os fornecedores de infra-estrutura. Seus cabos de fibra óptica foram
instalados sobre a rede de energia elétrica das estatais do grupo Eletrobrás
(Chesf, Eletronorte, Furnas e Eletrosul).
Mas o governo considera a Eletronet uma empresa
estratégica e pensa em reestatizá-la, por intermédio do Serviço Federal de
Processamento de Dados (Serpro).
SACOS SEM FUNDOS
Além desses dois esqueletos, o governo federal
administra diversos fundos que, contrariamente à sua finalidade legal, se
transformam em mero sugadouro de recursos, encarecendo os serviços de
telecomunicações, sem qualquer contrapartida à sociedade.
O caso mais revoltante é o Fust, sob cujo rótulo já
foram arrecadados mais de R$ 5 bilhões, desde sua criação no ano 2000, sem
ter aplicado um único centavo em benefício do País. Esses bilhões já foram
para o ralo, sem qualquer possibilidade de utilização futura. O ministro
Hélio Costa, desde 2005, vem prometendo utilizar cerca de R$ 600 milhões por
ano em projetos do Fust. Mas até agora, zero.
Arrecadar um fundo e não aplicá-lo é um procedimento
imoral. Caberia ao governo devolvê-lo aos contribuintes ou reaplicá-lo na
mesma área nos exercícios seguintes. Mas isso não acontece.
Como o governo não aprova projetos segundo as regras do
Fust, seus recursos acabam sendo engolidos pelo Tesouro Nacional sob a
rubrica de superávit fiscal.
Outro fundo mal gerido é o Fistel, que deveria ser
utilizado única e exclusivamente para cobrir as despesas de fiscalização da
Anatel. Para se ter uma idéia de outro confisco absurdo e inconstitucional,
é bom lembrar que o orçamento anual da Anatel é pouco superior a R$ 300
milhões, enquanto o governo se apropria ilegalmente de mais de R$ 1,5 bilhão
arrecadados (e não aplicados na fiscalização) do Fistel a cada ano.
CORTE DE RECURSOS
Além de confiscar o equivalente a cinco orçamentos da
Anatel por ano, o governo impõe à agência cortes cada vez mais drásticos em
seus recursos, impedindo-a de aparelhar-se adequadamente para cumprir suas
obrigações legais, como, por exemplo, fiscalizar e coibir as 20 mil ou 30
mil rádios piratas que infernizam os maiores aeroportos do País, pondo em
risco a vida de milhares de passageiros de aviões e bloqueando comunicações
de emergência, como as da polícia, do corpo de bombeiros e dos
prontos-socorros.
E o último lembrete: o Brasil é campeão mundial em
tributação sobre serviços de telecomunicações. Mais de 40% do valor de
nossas contas telefônicas representam ICMS, PIS e Cofins, entre outros
tributos.
Eis aí o cenário da gestão estatal de nossas
Comunicações que não vai mudar até 2010.