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Fonte:
Ethevaldo Siqueira
[21/07/09]
Erro imperdoável - por Renato Navarro Guerreiro
(*) Renato Navarro Guerreiro é engenheiro de telecomunicações e sócio-fundador
da Guerreiro Consult; foi presidente da Anatel de novembro de 1997 a março de
2002
Uma recaída acerca do velho e superado modelo do Estado-empresário vem pautando
discussões de especialistas do setor de telecomunicações com a cogitada
reativação da Telebrás. Ainda que seja frontalmente contra essa medida, que
considero um enorme retrocesso para o País, quero tecer comentários que me
parecem mais relevantes do que uma discussão filosófica (ou ideológica, como
preferem alguns) acerca de estatização e privatização.
Para tanto, retomemos o ano 1994, antes, portanto, do primeiro governo do
presidente Fernando Henrique Cardoso. Naquela ocasião, tínhamos no Brasil 800
mil telefones celulares e cerca de 13 milhões de telefones fixos, dos quais
aproximadamente 8,15 milhões de uso residencial, para algo como 32,2 milhões de
famílias brasileiras. Aparentemente, tínhamos um telefone fixo para cada 4
famílias. Essa é a velha e conhecida história da pessoa que está com a cabeça no
forno e os pés na geladeira e, por isso, conclui que a temperatura média está
ótima! Senão, vejamos:
- 32% das linhas telefônicas – 2,6 milhões – eram detidas por apenas 4% – 1,3
milhão – das famílias, que formavam a classe A, de maior renda, resultando numa
densidade de 2 telefones por família;
- 49% das linhas – 4 milhões – eram detidas por apenas 12% – 3,9 milhões – das
famílias, constituintes da classe B, praticamente 1 telefone por família;
- outros 17% dos telefones – 1,4 milhão – atendiam a 27% – 8,7 milhões – das
famílias, formadoras da classe C, ou seja, 1 telefone para mais de 8 famílias;
- acumulando os dados das classes A e B, tinha-se um total de 6,6 milhões de
linhas – 81% – possuídas por 5,2 milhões de famílias – apenas 16% – , o que dá
quase 1,3 telefone por família;
- se forem considerados todos os 98% dos telefones que serviam às classes A, B e
C – 8 milhões – e o total de 43% de famílias brasileiras que compõem essas
classes – 13,8 milhões – a densidade cai para 0,6 telefone por família;
- os dados relativos às família de classes mais pobres do Brasil – D e E –, num
total de 18,4 milhões – 57% – detinham a ridícula parcela de 150 mil telefones –
2% –, o que dá, 0,08 telefone por família.
Essa constatação foi desanimadora! Não que o Sistema Telebrás não tivesse feito
um trabalho importante desde sua constituição, em 1972. Foi um avanço notável
dos cerca de 2 milhões de linhas no País tricampeão mundial de futebol dois anos
antes para, como já dito, 13 milhões em 1994. Um crescimento médio de cerca de
500 mil novas linhas por ano. O grande problema é que, como empresa estatal, a
Telebrás e suas subsidiárias, que eram as verdadeiras operadoras, ficavam
submetidas não às regras do mercado, que clamava por ampliações para atender a
uma demanda reprimida gigantesca, mas às políticas econômicas dos governos de
então, que utilizavam essas empresas para gerar superávits que compensassem os
déficits gerais do governo.
Diante desse quadro, cuja demanda era estimada em cerca de 25 milhões de
telefones fixos, com uma projeção, para 2001, de 33 milhões, e das inúmeras
prioridades do País na área social, era impensável destinar recursos do governo
para o enorme empreendimento que se fazia necessário, decidiu-se, por isso,
incorporar ao projeto que estava em elaboração a participação efetiva da
iniciativa privada.
Aqui, ressalte-se, não havia um projeto pré-concebido de privatização das
empresas e sim uma determinação de oferecer à sociedade, no mais curto prazo
possível, acesso aos serviços de telecomunicações, negado, até então, à maioria
das famílias brasileiras. A privatização foi o caminho adequado. Os resultados
alcançados demonstram, sob qualquer ângulo que se queira examinar, que, a partir
de então, a sociedade brasileira passou a estar muito mais bem atendida por
serviços de telecomunicações do que era na ocasião.
Como demonstrado no relatório O Desempenho do Setor de Telecomunicações no
Brasil/Séries Temporais – 2008, da Telebrasil, de abril de 2009, são cerca de 40
milhões de telefones fixos em todas as localidades com mais de 100 pessoas, num
total de 36,9 mil localidades; em 2007, o atendimento das famílias de classes D
e E atingiu 30% e 17% respectivamente, uma efetiva inclusão de parcelas mais
carentes da população.
No caso dos mais de 150 milhões de celulares, a penetração, nessas classes de
menor renda, é de, respectivamente, 65% e 49%; foi assim alcançada a
universalização e a popularização dos serviços, preconizada na Lei Geral de
Telecomunicações; tudo como consequência dos vultosos investimentos realizados
no setor desde 1998, que acumularam, até 2008, o impressionante montante de R$
157,5 bilhões.
Neste ponto o leitor pode estar perguntando: o que isso tudo tem a ver com a
eventual reativação da Telebrás? Tudo, respondo! A proposta de revigorar a
Telebrás apoia-se num discurso que defende a existência de uma empresa pública
para prover acessos em banda larga para atender instituições governamentais em
todo o País.
Considerando o mesmo relatório acima referido, elaborado em parceria com o
Teleco, tem-se que, praticamente, 50% dos municípios brasileiros já são
atendidos com banda larga. De outro lado, as empresas que adquiriram frequências
para o Serviço Móvel Pessoal na faixa para 3G, que está sendo implantado,
assumiram compromissos de levar os serviços móveis a todos os municípios
brasileiros, nos próximos anos, o que assegura a possibilidade de se dispor de
banda larga (2G ou 3G) em 100% das cidades do País.
Ademais, o Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU), aprovado pelo Decreto
6.424, de 4 de abril de 2008, fixou as obrigações de implantação de backhaul,
pelas empresas concessionárias de telefonia fixa, em todas as sedes de
municípios, até dezembro de 2010, e, no mesmo prazo, serão implantados acessos,
em banda larga, pelas prestadoras de SCM, pertencentes ao mesmo grupo
empresarial das concessionárias de STFC, em todas as escolas públicas do País, o
que resolve, em prazo extremamente curto, parte substancial da questão, que
pretensamente seria resolvida pela reativação da Telebrás.
Para um país em que cidadãos morrem nas portas de hospitais, por falta de leito
ou de médicos para os atender; em que milhares de jovens não conseguem dar
sequência aos seus estudos, por falta de universidades ou mesmo simples
faculdades, quando conseguem concluir o segundo grau; em que cidadãos sofrem
diariamente com a falta de segurança nas maiores cidades, muitos sendo
assassinados, sem que as forças policiais consigam estancar esse que já é um dos
mais graves problemas enfrentados pela sociedade brasileira, como, diante de um
quadros desses, pode ser possível pensar em empreender um projeto de enorme
magnitude (implantação e operação) sem nenhuma necessidade, dado que existem
empresas capazes de realizá-lo, como é sabido pelo governo que estabeleceu o
PGMU antes citado.
Outros pontos poderiam ser aduzidos para corroborar a inconveniência de tal
projeto, contudo o espaço não permite maiores detalhamentos, por isso serão
apenas citados alguns deles:
- ainda que sejam utilizadas as redes de empresas de energia elétrica, da
Petrobrás e de outras entidades de governo, a capilaridade dessas redes é
absolutamente limitada para atender as áreas mais carentes do País, onde,
certamente, o acesso a informações e serviços de governo é mais premente;
- a Telebrás em nenhum momento exerceu atividades operacionais, sendo
extremamente difícil obter, no mercado, a quantidade de profissionais com a
experiência necessária para conduzir projeto de tamanha envergadura;
- além disso, os profissionais mais competentes, certamente, serão retidos pelas
empresas privados atuantes no setor, com propostas que incluem vantagens que não
podem ser superadas por uma empresa estatal, pelas suas próprias limitações de
gestão;
- o poder de compra de uma empresa estatal, focada unicamente em acessos em
banda larga, e a falta de flexibilidade para negociação de contratos com
fornecedores, resultarão em preços mais elevados que os praticados com empresas
privadas que operam com plataformas multisserviços e com volumes de encomendas
significativamente maiores;
- além dos custos significativamente maiores dos investimentos por unidade de
acesso, também serão maiores os custos operacionais, como decorrência,
particularmente, da baixíssima densidade dos acessos, comparativamente com as
quantidades diversificadas de acessos oferecidos pelas empresas privadas;
- com um prazo de maturação de projetos razoavelmente longo, um universo de
clientes menor que o das empresas privadas, num setor em que a rápida
obsolescência provocada pela vertiginosa evolução tecnológica, assim como as
limitações de gestão e restrições orçamentária, levarão, rapidamente, a uma rede
atrasada e de pouca utilidade.
Outros pontos poderiam ainda ser arrolados, mas creio desnecessário.
Os agentes do governo precisam conscientizar-se de que não é a infraestrutura
que faz a diferença num caso como o do Brasil, onde ela já está cada vez mais
disponível, e sim o conteúdo que precisa trafegar pelas redes. Os bancos,
incluindo o Banco do Brasil, têm dado uma demonstração cabal disso, deixando a
infraestrutura para ser provida pelas empresas de telecomunicações, focando seus
recursos e inteligência de TIC para o desenvolvimento dos aplicativos que nos
permitem, hoje, ter os nossos bancos em nossas casas e nas instalações de seus
clientes, empresas e instituições públicas e privadas.
Outro exemplo marcante é o da Receita Federal que, por meio das redes de
telecomunicações, das prestadoras privadas de telecomunicações, possibilita a
declaração do IR pela internet ou por telefone, concentrando sua equipe no
desenvolvimento dos programas necessários para tornar cada vez mais amigáveis as
relações dos contribuintes com os terminais de acesso.
O Brasil é ainda um “caso”, reconhecido internacionalmente, pelo seu sistema de
eleições, com urnas eletrônicas, que permitem a votação e a apuração de 100% dos
cerca de 130 milhões de votos, com precisão, velocidade e confiabilidade como
não se vê em alguns países reconhecidamente desenvolvidos, sem que para isso
tenha sido necessário implantar, pelo TSE, uma rede de telecomunicações, com
abrangência nacional, para interligar com os tribunais eleitorais as milhares de
seções esparramadas pelo País.
O Reino Unido e o Canadá iniciaram há cerca de 10 anos um intenso programa de
e-gov, com suporte nas redes das empresas de telecomunicações, ficando, na
gestão do governo, a parte nobre do programa, que consiste na estruturação dos
processos e desenvolvimento dos programas que permitem aos cidadãos obter
serviços de governo por telefone fixo, móvel, internet ou qualquer outra forma
de telecomunicação.
Esse é o verdadeiro e relevante papel do governo: fazer com que cada cidadão
possa obter, nas suas casas ou locais de trabalho e as empresas em suas
instalações, os serviços públicos de seus governos.
O Brasil dispõe de recursos humanos capacitados na imensa maioria dos órgãos de
governo, em todas as esferas, para conduzir o processo de modernização das
relações do Estado com seus cidadãos, utilizando as imensas potencialidades
proporcionadas pelas Tecnologias de Informação e Comunicação.
Por tudo isso, reativar uma empresa para prover infraestrutura, que já existe em
escala adequada no País, é desperdício, imediato e mediato, do dinheiro público.
É como se o governo decidisse construir, ele próprio, novas estradas para seu
uso exclusivo, abdicando do direito de utilizar as que estão sob o regime de
concessão!
Um erro imperdoável!