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Fonte: Tele.Síntese
[13/11/09] "As
cidades pequenas merecem banda larga subsidiada" - por Miriam Aquino
(Entrevista com o Conselheiro João Rezende)
O conselheiro da Anatel, João Rezende, está convencido de que o governo deve
organizar a demanda por banda larga dos municípios com menos de 30 mil
habitantes, onde não há viabilidade econômica para a presença de qualquer
provedor de serviço, seja um pequeno provedor ou uma grande operadora. Ele
defende que o governo use parte dos recursos do Fust e crie uma linha de crédito
do BNDES, que seriam repassados para as pequenas prefeituras para contratarem a
tecnologia que quisessem (cabo, fio, antena, satélite) para ligar os seus pontos
de governo municipal. Ele entende que saindo da ponta para o centro, onde há
maior competição, o país estaria cumprindo melhor o seu papel de integração
nacional com a ajuda dessa nova infraestrutura de dados.
Ele entende ainda que as redes estatais devem ser usadas pelo governo para
estimular a competição de oferta de capacidade no atacado e acha que a Anatel
não pode mais adiar a redefinição dos custos das redes de telecomunicações, além
de atuar mais incisivamente para a abertura dessa infraestrutura.
Tele.Sintese - Quais são os gargalos para a massificação da banda larga no
país e de que forma a Anatel pode contribuir para a discussão que está sendo
travada pelo governo?
João Rezende - A Anatel está participando dos debates, integrando a comissão
formada pelo governo. A partir da elaboração do Plano Nacional de Banda Larga,
haverá muitos pontos para a Anatel atuar. Resumidamente, teremos que incentivar
a concorrência e principalmente facilitar as interconexões a seus custos com os
pequenos provedores. Isso pensando na banda larga na ponta. Precisa-se hoje
atingir maior capilaridade, utilizando-se os meios privados, que já existem.
Tele.Síntese - Não há ainda uma certa resistência do governo em usar as teles
privadas para participarem desse programa de anda larga?
João Rezende - Acho que não deveria. Até porque se somarmos todas as
infraestruturas estatais, elas não dariam conta. As elétricas e as próprias
empresas privadas têm uma capilaridade grande de investimento em infratestrutura
de rede.
Tele.Síntese - Como o sr. vê o uso das redes estatais, como Eletronet, e
demais fibras da Petrobrás, etc.
Rezende - Acho que essas fibras estatais podem aumentar a concorrência,face sua
presença. Essa infraestrutura estatal pode ter um importante papel de competição
e o papel da Anatel será o de regular toda essa nova relação. Uma das práticas
mais saudáveis para o mercado deve ser a de dar transparência e agilidade para a
questão da interconexão. Uma empresa tem rede, ela é obrigada a compartilhar com
outros, a custos razoáveis. Mas só isso não resolve o problema da banda larga,
pois temos na ponta o consumidor.
Tele.Síntese - E o que falta para se alcançar o consumidor?
Rezende - Alguns itens fundamentais: teria que se avançar no barateamento dos
equipamentos tecnológicos, criar incentivos como isenção de impostos para o
consumidor.
Tele.Síntese - O sr. fala em incentivo para comprar computador?
Rezende - Não, estou me referindo à banda larga mesmo, para o modem e serviço.
Para que consigamos ter um custo de banda larga mais acessível. As empresas
estão falando em R$ 29,90. Mas é um preço ainda alto do ponto de vista da renda
do consumidor. E precisamos também olhar as cidades com menos de 30 mil
habitantes. A quantidade de autorização que a Anatel concede toda semana para o
SCM (Serviço de Comunicação Multimídia) mostra como há carência por banda larga.
Só que essas pequenas empresas atuam na faixa de 2,4 GHz, frequência que é
liberada, não tem custo nenhum, mas a qualidade não é tão boa em relação a uma
rede preservada.
Tele.Síntese - O que deve ser feito?
Rezende - Obviamente, será preciso um acordo federativo entre União estados e
municípios. E não é fácil. Sabe quanto tempo foi gasto para se estabelecer o
Simples Federal? Ele demorou muito para ser concretizado, porque havia as
resistências federativas. A discussão federativa terá que levar em conta que os
estados terão que abrir mão do ICMS; o governo federal, de parte de seus
impostos; e os municípios terão que facilitar a implementação dessa rede. E nas
localidades com muita dificuldade financeira, caberia as elas uma parte do
dinheiro do Fust (Fundo de Univeralização das Telecomunicações) para que se
tornassem compradoras de banda larga. Os municípios comprariam a tecnologia e a
rede que quisessem -poderia ser cabo,antena, satélite. A tecnologia mais barata
que ele pudesse encontrar. O governo federal iria apoiar o poder público local
como comprador dessa tecnologia.
Tele.Síntese - O sr. está propondo que o dinheiro seria usado só para a
construção da rede?
Rezende - O backhaul vai chegar no município até o ano que vem. O problema é
distribuir lá. Então, imagina-se, por exemplo, cinco pontos básicos -
prefeitura, posto de saúde, escola, etc. O governo federal daria dinheiro do
Fust para o município por um período de, sei lá, cinco anos, para a
administração municipal ligar os seus pontos.
Tele.Síntese - Esse subsídio seria para todas as cidades?
Rezende - Não. Só para cidades com menos de 30 mil habitantes, que não têm
modelo de negócios sustentáveis.
Tele.Síntese - O sr. não acha esquisito o Poder Público dar dinheiro para
melhorar o próprio Poder Público e não pensar em subsidiar a população?
Rezende - Não, porque nos municípios pequenos é preciso criar uma demanda
inicial, se não ninguém vai atender o consumidor final. Um pequeno provedor ou
uma grande tele tem condições de oferecer o serviço, mas não tem cliente cativo
para eles
começarem o trabalho.
Tele.Síntese- O sr. entende, então, que se o Fust não for usado para
organizar a demanda por banda larga, ela não existirá?
Rezende - Não vejo qualquer viabilidade para as cidades com menos de 30 mil
habitantes.
Tele.Síntese - Por que esse número mágico de 30 mil?
Rezende- Por que entendemos que acima desse número a demanda existe e não é
preciso estimulá-la. A nossa população está concentrada em cidades com mais de
50 mil pessoas. Mas temos que pensar em um plano de integração nacional. Acho
que não
podemos apressar o processo. Temos que começar pelos locais mais difíceis e ir
se aproximando do centro.
Tele.Síntese - O sr. propõe que o subsídio seja dado para os pequenos
municípios. Por que não para as periferias das grandes cidades?
Rezende - Acho que deve ser de baixo para cima. Por que iremos criar a demanda
onde não existe. A tendência do mercado é ir cescendo no extrato social, para
atender novas demandas. São Paulo tem hoje condições de levar internet para a
sua periferia, pela quantidade de rede já cabeada. O mesmo não acontece, por
exemplo, em cidades menores. A dificuldade são as regiões mais distantes. Mas há
ainda outras demandas importantes. Alguns parques industriais, localizados em
cidades de 30 a 40 mil habitantes, também têm dificuldades de acesso à banda
larga.
Tele.Síntese - o sr. acha que só o dinheiro do Fust seria suficiente?
Rezende - Não. O BNDES tinha um programa chamado PROMAT -Programa da
MOdernização da Administração Tributária,voltado para os municípios. Penso em um
programa igual. Com dinheiro do Fust, dinheiro próprio do município e do BNDES.
A cidades menores, pelo menos os órgãos públicos terão rede com fibra óptica. E
se tiver parque industrial, também poderia atender. Aí se organiza a demanda e
vai subindo para as cidades maiores.Não acho que há problema em seu atender
também a periferia de uma grande cidade. O governo é um grande organizador de
demanda. Essa ideia fará também com que se modernize a administração municipal.
Tele.Síntese - O secretário de Logística do Ministério do Planejamento,
Rogério Santanna, também acha que se deve chegar nos pequenos municípios, mas
ele propõe que isso seja feito por intermédio da empresa estatal. Ele entende
que a rede estatal teria melhores condições de ser a organizadora dessa demanda.
Como o sr. vê essa proposta?
Rezende - Acho que é inviável se pensar em uma rede estatal que vá atender o
consumidor final. Na minha visão, é legítimo que o governo queira usar as fibras
ópticas das estatais.
Tele.Síntese - Usar a rede estatal para que?
Rezende - Usar para aumentar a competição de fibras, de backbone, baratear preço
das interconexões. Mas para o consumidor final, a estatal sozinha não resolve o
problema. Essa rede não resolve a questão.
Tele.Síntese - O sr., que já foi do Ministério do Planejamento, não acha
porém que defender o uso do Fust é um sonho de uma noite de verão, já que ele
nunca foi usado para as telecomunicações?
Rezende - Acho que precisaria discutir o Fust daqui para a frente. O estoque,
não dá mais para mexer. Mas o fluxo, daqui para frente, acho que é possível
conseguirmos. Mas é evidente que uma proposta dessa precisa de uma amarração
muito grande. Ministério da Fazenda, municípios e estados. É uma discussão
federativa, para reduzir carga tributária. Mas sei que não é uma tarefa simples.
Não basta assinar. É preciso convencer o Tesouro, o Orçamento. Mas é uma demanda
importante. No longo prazo vai gerar emprego, renda, vai ajudar inclusive no
crescimento econômico. Assim, primeiro, convencimento da estrutura econômica do
governo de que é possível usar o Fust. Segundo, mudança na lei. Terceiro, pacto
federativo, para redução de impostos, para incentivar banda larga. Quarto, tem
que se trabalhar a questão dos meios das estatais para ajudar a oferecer
interconexão para competir com a área privada. Organizar essa questão.
Tele.Síntese - E o papel da Anatel?
Rezende - A Anatel terá que implementar medida complementar no campo
regulatório, incentivando a competição nos grandes centros. Nas cidades menores,
terá que haver estímulo tributário. A Anatel tem que regular os custos e a
interconexão. A Anatel tem que fazer com que as grandes empresas sejam mais
ágeis na liberação das interconexões para outros competidores. É preciso
melhorar. No espaço regulatório, a preocupação maior é que haja comprometimento
para fazer com que essa imensa rede privada, de 120 mil KM2, possa convergir,
mantendo-se a competitivadade, mas visando facilitar a interconexão, com
fluidez, com preços mais acessíveis ao consumidor final.
Tele.Síntese - No mundo, há duas tendências atuais em relação ao estímulo à
competição em telecomunicações. A Europa nitidamente prefere a abertura da rede,
com separação seja qual for (estrutural, funcional, etc.). E os Estados Unidos
acreditam que a competição entre distintas plataformas e tecnologias oferecem
maior conforto. A minha sensação é que a Anatel ainda não escolheu o caminho a
seguir. Qual sua avaliação?
Rezende - Se olhamos para um país com nossas dimensões geográficas não podemos
pensar só nas concessionárias abrindo as suas redes.
Tele.Síntese - Mas são as concessionárias que têm essa infraestrutura de
interconexão.
Rezende - A tarefa da Anatel é construir a regulação que favoreça a abertura de
rede, dentro do ambiente competitivo. Separação de rede, não sei. No longo prazo
as redes serão multisserviços. Mas é preciso pensar em algo mais ágil, que não
se atrapalhe outros que queiram entrar. A demanda do debate da banda larga é
discutir a questão do custo.
Tele.Síntese - O sr. acha que 2012 é tarde?
Rezende - Estamos atrasados, mas temos que enfrentar a questão. O modelo de
custo balizaria a remuneração de rede. Acho queue haver melhor equalização dos
serviços, levando em consideração os investimentos feitos. Hoje já há uma
preocupação muito grande da Anatel para o problema de se negar a linha dedicada
(EILD). É uma prática anticompetitiva. A Anatel já multa bastante.
Tele.Síntese - Em relação às frequências, como sr vê essa questão para o
Plano Nacional de banda larga?
Rezende - Há ideias do governo para se usar o 400 MHz. O grande problema hoje é
que há apenas 600 municípios com 3G. O grande embate dos 190MHz (na faixa de 2,5
Gz) está nas grandes cidades, onde se tem o 3G, o MMDS, o cabo, etc. Nas
pequenas cidades quem quisesse poderia ter qualquer tamanho de espectro, porque
é lá onde está o problema da competição, mas não é a mesma situação para as
grandes cidades.