Fonte: Blog de Virgílio Freire
[29/11/09] O
Nebuloso “Plano de Banda Larga” do Ministro Helio Costa - Parte 2 - Parte 2
- por Virgílio Freire
No
artigo anterior você ficou a par da política por trás da elaboração de um
“Plano Nacional de Banda Larga” pelas grandes Operadoras de Telecom, entregue ao
Presidente Lula através do Ministro Helio Costa.
Agora você vai entender porque o Plano não diz nada, e é totalmente inútil.
Vejamos – quando alguém lhe fala de um “Plano”, você
imediatamente pensa: “Bem, trata-se de um documento que me diga pelo
menos as seguintes coisas”
a. O que vai ser feito
b. Quando vai ser feito
c. Quanto vai custar
d. De onde vem este dinheiro
Para ficar bem claro, imagine que o Governo Federal pretenda construir uma
estrada. O que você acharia se no “Plano” da estrada não houvesse
qualquer menção ao número de faixas para os veículos?
Se a estrada tiver duas faixas, seu custo será um. Se tiver três faixas,
será outro, se tiver quatro faixas ainda outro.
Usemos outro exemplo – você vai construir uma casa. Se tiver dois quartos, o
custo é um. Se aumentar para três ou quatro quartos, o custo aumenta.
Fica evidente que sem definir muito bem o item a) acima, ou seja, O Que
Vai ser Feito, os outros itens tornam-se absolutamente inúteis. Você não
consegue calcular o prazo, não consegue calcular o preço, e muito menos
definir de onde vem o dinheiro.
O documento amplamente divulgado pelo Ministério das Comunicações, que você
tem na íntegra abaixo, para ler e fazer o download, ao longo de quase 200
páginas, não diz uma vez sequer a velocidade de Banda Larga que pretende
oferecer aos cidadãos brasileiros. Nem uma única vez.
[Veja
aqui]
Em vez disso, propõe duas pérolas, citadas abaixo:
Na página 36, item 2.3, o Minicom
propõe que
Acesso Banda Larga: Um acesso com escoamento de tráfego tal que permita aos
consumidores finais, individuais e corporativos, fixos ou móveis,
usufruírem, com qualidade, de uma cesta de serviços e aplicações baseada em
voz, dados e vídeo.
Entendeu? Eu não. Não diz nada. “Usufruírem com qualidade” – o que é isso?
Em Banda Larga, a velocidade proposta e fornecida é
parte importante da Qualidade, bem como a Confiabilidade, ou seja, o
percentual do tempo em que a rede funciona.
A definição acima equivale a dizer: Uma auto-estrada é uma série de
pistas por onde trafegam os veículos – quantas pistas? A que velocidade? Sem
respostas a essas perguntas, alguém consegue dizer se a estrada será boa ou
má, lenta ou rápida?
E o pior é que na página 17, do Sumário Executivo, propõe “Aumentar em
dez vezes a velocidade mínima de oferta dos serviços de acesso à banda larga
até 2014”.
Mas qual é a “velocidade mínima de oferta dos serviços de acesso à banda
larga”, cara-pálida?
A Telefonica tem uma a Oi tem outra, as operadoras de
celulares 3G tem outra, etc. Então este parágrafo é uma ficção. Não existe
este animal, “velocidade mínima de oferta dos serviços de acesso à banda
larga”. Cada empresa tem uma. O parágrafo está ali para inglês ver e
para enganar 0s trouxas.
No item 4, pg. 111, o documento
volta a insistir:
“Pelos motivos expostos na seção 3.1.2, as metas estabelecidas neste PNBL se
baseiam no diagnóstico das restrições que se impõem ao avanço da infra
estrutura de banda larga.
Uma meta caráter geral é a de, até 2014, aumentar em dez vezes a velocidade
mínima dos serviços de acesso banda larga fixa. Com base na atual
distribuição de velocidades de acesso, anteriormente apresentada nas Figuras
21 e 22, a meta é de que tais velocidades sejam dez vezes maiores, até o ano
de 2014. Essa meta permitirá ao Brasil trazer a qualidade da oferta de
serviço banda larga fixa a uma velocidade compatível com a demanda das
aplicações...”
O mesmo mantra é repetido na página 156. Qual a velocidade mínima?
Veja no quadro abaixo como varia de país a país a velocidade proposta
atualmente para os Planos Nacionais de Banda Larga – todos os países que se
propõe a implantar um Plano deste calibre definem bem claramente a
velocidade que fornecerão a seus cidadãos, e o percentual de domicílios
atendidos – somente assim se consegue calcular o custo, estimar as
necessidades de Mao de obra, organizar o projeto, etc.
[Ver
Tabela: Planos Nacionais de Banda Larga]
Observe que as velocidades variam muito, em função dos recursos que os
governos se dispõem a destinar ao setor, desde a Finlândia, que vai oferecer
1 MB a todos seus cidadãos até 2010, evoluindo até 100 MBps até 2016 (lembre
que o Speedy hoje oferece menos de 10% disto, ou seja, no máximo 8 MBps.)
A Austrália, considerada o melhor e mais realista plano de banda larga no
mundo atual, irá levar 100 MBps por fibra ótica a 90% dos domicílios,
escolas e empresas até 2017. Os restantes 10% serão atendidos via rádio, já
que o país é vasto e seria caríssimo levar fibra até 100% dos domicilio,
como no Brasil.
E, no entanto, no capítulo 7 o documento calcula os Investimentos
necessários!
Qual a química que permite calcular investimentos em
Banda Larga sem saber a velocidade que vai ser oferecida?
É o mesmo, desculpem insistir, que calcular o preço de
uma estrada sem saber se vai ter duas, três ou quatro pistas. Qualquer
pessoa com dois neurônios sabe que é essencial saber o tamanho do projeto
para calcular o custo.
Na página 165 os brilhantes autores do “Plano” calculam que as Empresas
Privadas iriam investir R$ 2,8 Bilhões por ano, até 2014, num total de 14
Bilhões de Reais.
E, no entanto na página 166 dizem
que vão investir 49 Bilhões – adivinhe de onde vem o dinheiro
para chegar aos 49 Bilhões... acertou! Do BNDES, ou seja, não é dinheiro
privado, é do Governo.
No total de 74 Bilhões, a iniciativa privada se propõe a investir
apenas 14 Bilhões. Ainda assim sob algumas condições, da qual a mais
estapafúrdia seria obrigar todas as empreiteiras e contratadas do Governo
a lançar fibras óticas em TODAS AS NOVAS ESTRADAS DO BRASIL.
Na pagina 25, há um parágrafo hilário, que diz que “O papel do setor
privado como investidor e a atuação do Estado de forma complementar estão em
linha com as políticas públicas de diversos outros países”.
Na Austrália, na França, na maioria dos países é o Governo Federal que
está investindo pesado, e conseqüentemente assumindo o comando do Plano – já
que quem põe o dinheiro é que tem o direito de fiscalizar e gerenciar.
E no plano apresentado por Helio Costa de forma alguma
“O papel do setor privado como investidor e a atuação do Estado de forma
complementar” ocorrem – como dito anteriormente, o Estado entra com
96% dos investimentos, as empresas privadas com 4% e estas propõe na página
169 que a gestão do Plano seja feita em conjunto pelo governo e pelas teles
- que entram com apenas 4% do dinheiro...
Na página 38 do documento os próprios autores reconhecem a incompetência -
ou inapetência – em atender a demanda de banda larga no Brasil. Veja a linha
vermelha, que mostra a taxa de crescimento dos acessos de banda larga,
caindo vertiginosamente ano a ano.
[Ver
Grafico: Evolução do acesso banda larga no Brasil]
E, no entanto estas mesmas empresas querem liderar
um Plano Nacional de Banda Larga?
Não são capazes de atender o mercado atual, aos preços
proibitivos atuais, como farão para instalar, operar e atender mais 90
milhões de acessos? Isto é dez vezes o mercado atual, e prometem instalar,
operar e manter tudo isso até 2014? Em cinco anos? Só a ANATEL, e o Ministro
Helio Costa acreditam nisto – lembre que para implantar 9 milhões de acessos
as Operadoras Privadas levaram 5 anos.
Nessa marcha, para implantar 90 milhões, vão levar 50
anos... e usando dinheiro do BNDES. Imagine o número de profissionais
treinados, a quantidade de equipamentos necessários, os veículos, os
instrumentos de teste, os instaladores, etc. Só um esforço brutal e
coordenado pelo Governo Federal conseguirá juntar os esforços para chegar a
este objetivo – como já provamos no desenvolvimento dos veículos flex e na
exploração do pré-sal.
Destes 90 milhões de novos acessos, nada menos do que 53 milhões serão
através das operadoras celulares. Como o prazo é de cinco anos, elas
terão de implantar 10 milhões de acessos banda larga por ano. Até hoje
implantaram a módica quantidade de 7 milhões, em cinco anos.
Não têm pessoal, instrumentos, equipamento, técnicos,
para tamanho desafio. Com um agravante – as velocidades obtidas via radio
ficam em torno de 3 MBps, bem abaixo do padrão que está se impondo no mundo,
de pelo menos 10 MBps – e quanto mais longe da antena, menor a velocidade –
isto o estudo não diz.
Portanto, mesmo que fosse possível implantar estes 53
milhões de acessos via radio, a maioria dos clientes ficará frustrada por
receber uma velocidade pouco superior à da Internet discada. Será uma “Banda
larga Para Inglês Ver” – e para as Teles lucrarem, e a ANATEL fingir que não
vê...
Note que estes acessos irão cobrir os 5.565 municípios brasileiros, 56 mil
escolas públicas, ate 2010!
Você acredita que isto ‘e possível? Entregue às atuais operadoras? Ou
precisamos repensar a “teoria do Estado Mínimo” dos tucanos de FHC?
Que copiaram suas idéias de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, governantes
de dois países falidos.
A Grã Bretanha seguiu os preceitos do liberalismo
econômico de Adam Smith, e hoje não tem uma só fabrica de veículos, nenhuma
de aviões, não tem indústria naval, e está falida. A França, que sabe dosar
adequadamente a intervenção estatal, fabrica submarinos atômicos, caças a
jato, os trens mais rápidos do mundo, e de quebra o Estado Francês mantém os
mais incríveis museus conhecidos.
O Plano do Minicom reconhece a necessidade de uma forte indústria que
forneça os equipamentos, fibras, torres, antenas, para este esforço – e
mais uma vez propõe que seja montada uma empresa privada gigante para
assumir a tarefa – na certa controlada pela Andrade Gutierrez, Grupo
Jereissati, Telefonica, etc.
E, no entanto, o modelo de uma indústria que funcione
como subsidiária de uma Operadora Nacional funcionou durante um século nos
Estados Unidos, onde a Western Electric, posteriormente Lucent, era
subsidiária da AT&T, que chegou a ser a maior empresa do mundo, com um
milhão de empregados e cem milhões de telefones.
A indústria que vai suprir o nosso Plano Nacional de
Banda Larga só vai conseguir funcionar de forma eficiente e livre de
interferências dos interesses empresariais sobrepondo-se aos interesses
nacionais se for constituída como subsidiaria da Telebrás.
Da mesma forma, o atual CPQD, que já foi o Centro de Pesquisas e
Desenvolvimento da Telebrás, deveria voltar a ser da Telebrás, a fim de ter
um rumo, que hoje não tem, por ser uma Fundação. Ficaria comprometido com os
objetivos e políticas da Telebrás e dos interesses brasileiros.
Alem de todos os incentivos, empréstimos, redução de impostos, proteções,
etc., o brilhante documento do Minicom propõe que o Estado atue de forma
autoritária em beneficio das empresas monopolistas de Telecom “a fim de
assegurar a inclusão de dutos e fibras óticas como itens obrigatórios nas
obras públicas de infra-estrutura, incluindo as de transportes, habitação,
saneamento e energia, dentre outras, em muito contribuiria para a criação de
um ambiente
de compartilhamento.”
Ou seja, toda e qualquer obra no Brasil teria de instalar fibras e
dutos, de graça, para as operadoras usarem. Realmente o melhor dos mundos –
para as Teles...
Em resumo, o Plano Nacional de Banda Larga do Sr. Helio Costa & Telefonica &
Oi & Embratel etc. apresenta nas suas 195 paginas o seguinte conteúdo:
- 26 páginas detalhando a
Motivação, Objetivos, Princípios, etc. (nada de aproveitável)
- 80 páginas simplesmente relatando o que é a Internet, o que outros países
estão fazendo, e o que o Brasil esta fazendo. Mostra como estamos atrasados
e descobre o obvio, as razoes pelas quais estamos atrasados.
- 4 páginas definindo de forma simplificada algumas metas improváveis e
irrealistas.
- 105 páginas detalhando (veja que interessante) todas as ações do Governo
Federal, Estadual, Municipal, da ANATEL, para que as Teles atuais possam
fazer o milagre de implantar 90 milhões de acessos de banda larga em 5 anos.
- 6 páginas com um cálculo cabalístico dos investimentos, sem dizer como foi
feito o calculo mágico, sem sabermos a velocidade que será fornecida ao
personagem mais importante desta historia, o consumidor e usuário.
- 4 páginas propondo que no final de tudo o Plano seja coordenado por um
Comitê Gestor, onde as Teles, claro, terão papel preponderante.
- 5 páginas de Anexos
- 7 páginas de referencias bibliográficas
Ou seja, das 195 paginas do documento, apenas 10 contem algo que
possa ser analisado. E essas dez páginas não fazem sentido, não constituem
um Plano, não definem o que vai ser feito, quando, por quem e como. As
outras 185 páginas são para “encher lingüiça”
Fica claro que o Governo Federal ‘e que tem de fazer. Para beneficio do
cidadão brasileiro e de nossa sociedade. Será um segundo "pré-sal" de que
todos nos orgulharemos e que ficará de herança para nossos filhos.
Virgílio Freire