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Fonte: Revista Teletime
[Out 2009]  Modelo canguru - por Samuel Possebon (O "Plano" da Austrália)

A discussão sobre um Plano Nacional de Banda Larga não é uma nova no mundo. Muitos são os casos de políticas públicas voltadas ao fomento do mercado de Internet. Algumas já têm quase uma década, como as implementadas na Coreia do Sul, que em 2000 viu seu governo investir cerca de US$ 3 bilhões no financiamento de empresas que quisessem prover acesso banda larga. O resultado foi espantoso. Em 2002 a Coréia já tinha 50% dos lares cobertos por redes banda larga. Hoje esse número já passa de 95%, segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com uma penetração do serviço de banda larga de 33 por cem habitantes. Naquela época, poucos foram os países do mundo que deram prioridade à banda larga em suas políticas.

Mas existe um novo movimento, uma nova onda de implementação de políticas públicas de banda larga que parece estar varrendo o mundo, e é nesse contexto que o Brasil se encontra. Existem quase duas dezenas de países que apresentaram planos específicos para o desenvolvimento de sua plataforma de banda larga e onde as políticas estão em fase de implementação. O interessante dessa onda é que ela marca um movimento similar ao que aconteceu nos anos 90, quando todos os países passaram a adotar políticas públicas para as telecomunicações. Naquele momento, modelos baseados na privatização de monopólios estatais eram regra. Na onda da banda larga atual, contudo, o que se percebe é um movimento em que a atuação estatal ganha força, seja como operador ou investidor na implantação das políticas. Outra característica interessante é que as políticas que se apresentam no momento atual surgem também como uma resposta à crise econômica global enfrentada a partir de setembro de 2008 e que só agora começa a dar sinais de arrefecimento. Estas políticas parecem, de maneira geral, buscar uma resposta à necessidade de fortalecimento econômico dos países e a diminuição das defasagens digitais.

TELETIME analisará, nas próximas edições, alguns casos específicos de políticas que estão sendo adotadas em diferentes países. Nesta edição, analisaremos o modelo que está sendo implementado no fomento ao mercado de banda larga da Austrália, um país desenvolvido social e economicamente, mas que enfrenta desafios importantes no que diz respeito à competição e à universalização dos serviços, dada sua gigantesca extensão territorial e desigualdades econômicas entre as diferentes regiões. Além disso, o modelo australiano é um dos que estão sendo observados pelas diferentes instâncias do governo que, ainda de maneira dispersa, trabalham na formulação das primeiras linhas do que será o Plano Nacional de Banda Larga.

A discussão sobre um novo modelo de telecomunicações na Austrália com ênfase na questão digital está colocada desde 2007. Naquela ocasião, a mudança de governo se deu com eleições em que a política para a banda larga ocupou um eixo importante da campanha do grupo vencedor.

Investimentos

A proposta efetivamente foi colocada em 2008, e no último dia 15 de setembro ganhou a forma de um pacote de mudanças regulatórias que visam implementar o novo modelo. Em linhas gerais, o governo australiano pretende criar uma rede nacional de banda larga National Broadband Network (NBB) e para isso está criando uma estatal que consumirá investimentos da ordem de 42 bilhões de dólares australianos, o que equivale a R$ 65 bilhões, garantidos pelo governo. Essa estatal construirá uma rede aberta e que fornecerá capacidade banda larga no atacado, para ser explorada por empresas privadas que queiram prestar o serviço para empresas e residências. No futuro, a ideia é vender a estatal, e nada impede que ela receba, já na primeira fase, aportes de investidores privados. O que existe é a garantia de investimentos do estado, que será o principal acionista e pretende vender a sua parte a partir do quinto ano em que a rede estiver construída e operacional. Essa presença estatal determinada por tanto tempo se deve, segundo o governo, a uma necessidade de garantir que a rede será aberta a concorrentes e oferecida no atacado como forma de equilibrar a competição.

A rede será baseada em fibra óptica e busca atender não apenas às necessidades atuais da Austrália (que está em 18º lugar do ranking de países com maior penetração de banda larga analisados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mas, sobretudo, as necessidades futuras.

Esta rede de fibra deve chegar em 90% dos lares e empresas daquele país no prazo de oito anos a partir do início da construção, a partir de julho de 2010. A velocidade mínima pretendida é de 100 Mbps e a tecnologia já definida pelo governo é a de FTTP (Fiber to the Premises), por ser considerada a mais eficiente e mais adequada ao princípio de uma rede aberta. Nas áreas rurais e remotas o acesso será wireless e por satélites, com velocidades de 12 Mbps. Haverá uma separação estrutural plena, e o governo não entrará na oferta do serviço, só da infraestrutura. Outro aspecto interessante é que a rede começará a ser implementada em todas as regiões do país simultaneamente, e não apenas pelas áreas mais concentradas em termos populacionais. Mas a prioridade serão justamente as chamadas “manchas negras”, onde a infraestrutura de banda larga é pouca ou inexistente.

Haverá, também, uma ampla reforma regulatória revendo alguns aspectos vigentes no modelo australiano de telecomunicações desde 1997, quando o monopólio estatal foi privatizado. Essa é considerada, pelo governo, a maior reforma no marco regulatório das telecomunicações que o país vive nos últimos 20 anos.

A análise do governo daquele país é que o modelo implementado gerou excessiva concentração de mercado, com um predomínio da incumbent Telstra na oferta de rede de par trançado em quase todos os lares, controle da maior rede HFC (TV a cabo), 50% da Foxtel (principal operadora de cabo do país). Existem ainda vários pequenos operadores locais e quatro operadores móveis que atendem todo o país, incluindo a própria Telstra.

O governo australiano lê os indicadores de penetração, preço e capacidade de suas redes banda larga em comparação aos pares em países desenvolvidos e diz, claramente, que está ficando para trás. A rede nacional de banda larga, ou NBN, como está sendo chamada a nova empresa, visa justamente reverter esse quadro.

Tele estatal vs. tele privada

O governo entende que o modelo regulatório existente dá margem para manobras protelatórias à entrada de novos competidores e também dá à Telstra capacidade de concentrar excessivamente o mercado. Por isso, uma das ideias propostas nas mudanças regulatórias é obrigar uma separação funcional da incumbent, em que fiquem claras as relações entre os diferentes serviços prestados pela empresa e a infraestrutura controlada por ela, e assim garantir condições isonômicas a concorrentes.

Outra preocupação é assegurar na legislação mecanismos para que a infraestrutura de banda larga possa ser rapidamente construída, o que envolve direitos de passagem em propriedades privadas e estatais e acesso a postes e dutos. Tudo isso será flexibilizado na legislação.

Para a montagem da empresa que explorará a NBN, o governo determinou também estudos de governança para a administração da empresa e modelos de financiamento que permitam a atração de capital privado. O órgão antitruste australiano, a ACCC, será o responsável por assegurar as condições de acesso da infraestrutura estatal.

Também as operadoras privadas deverão enfrentar novas regras concorrenciais. Há uma preocupação muito grande do governo com a morosidade e complexidade na solução dos impasses concorrenciais, que em geral passam por longos processos de arbitragem. O objetivo é reformar a regulamentação para permitir maior agilidade das autoridades na solução dos impasses e para desencorajar a Telstra de recorrer a meca¬nismos regulatórios visando simplesmente protelar a atuação de competidores. A Telstra, hoje, está submetida a um regime de separação operacional, ou seja, cada serviço precisa ser prestado por uma divisão diferente da empresa. A ideia é expandir essa obrigação para a separação funcional, em que a oferta de rede precisa ser feita por uma empresa para a própria incumbent, e para as concorrentes precisa ser feita por uma empresa separada. A separação estrutural, em que a empresa de infraestrutura e a prestadora de serviços precisam ser separadas (como acontecerá com a rede estatal) também é uma opção que a Telstra poderá seguir voluntariamente na proposta de reforma regulatória, ou será forçada à separação funcional.

Outra discussão é a possibilidade de a Telstra investir em redes de banda larga concorrentes à sua ou mesmo a possibilidade dela controlar redes de cabo como faz atualmente, por exemplo. Com isso, a incumbent teria que sair desses investimentos. A ideia é que a Telstra não possa adquirir mais espectro caso mantenha os investimentos atuais em redes de cabo e banda larga

A reforma regulatória também passa por uma discussão sobre alocação do espectro, especialmente a reserva de parte das frequências para que possam ser utilizadas pela NBN, assim como uma discussão sobre o escopo do serviço universal. Uma das propostas é expandir este escopo para a banda larga e serviços móveis.

Essa reforma que a Austrália terá de promover também visa ajustar a situação futura, com a presença de uma rede estatal, à legislação vigente. Hoje, por exemplo, as tarifas de uso de rede para o atacado são reguladas, o que pode não fazer mais sentido se houver uma opção estatal competitiva.

Do ponto de vista da Telstra, o pacote de reformas desagradou. Em um comunicado à imprensa o presidente da operadora, David Thodey, deixa claro o descontentamento da empresa: “Embora estejamos desapontados que o governo tenha sentido a necessidade de introduzir essa nova legislação, estamos comprometidos em encontrar uma solução que agrade a indústria, o país, a Telstra e os nossos acionistas. Muitos aspectos do pacote regulatório são desnecessários diante do surgimento da National Broadband Network, ideia apoiada pela Telstra”, diz o executivo.

Já o senador Stephen Conroy, responsável pelo Ministério da Banda Larga, Comunicações e Economia Digital da Austrália, disse que “as reformas propostas endereçam problemas no modelo que há muito tempo se colocam, e que objetivam a redução de preços, a melhoria da qualidade e a introdução de serviços mais inovadores”.