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Fonte:Teletime
[Set 2009]
Um
modelo para a banda larga - por Samuel Possebon e Helton Posseti
Revista Teletime - Edição de setembro de 2009 - Matéria de capa
Não é de hoje que, de uma maneira ou de outra, parece haver uma vontade de dar
um tratamento diferenciado à banda larga do ponto de vista das políticas
públicas. Pelo menos desde 2007 existem iniciativas nesse sentido, começando
pelas primeiras negociações para criar o programa Banda Larga nas Escolas até o
acordo que resultou na substituição das metas de Postos de Serviços de
Telecomunicações (PSTs) por infraestrutura de backhaul. O governo deve anunciar
nas próximas semanas um Plano Nacional de Banda Larga, trabalho que está sendo
conduzido pelo Ministério das Comunicações e que deve passar a ser pauta do
Comitê de Inclusão Digital, também criado em agosto e que reúne diversos órgãos
do governo.
O fato novo é que agora parece haver, entre governo e empresas de
telecomunicações, uma disposição comum de se chegar a um modelo que permita
tornar a infraestrutura e os serviços atrelados à banda larga acessíveis à maior
parte da população.
As teles se mostraram, no final de agosto, dispostas a cumprir uma meta de
tornar a banda larga disponível a 150 milhões de pessoas até a Copa do Mundo de
2014, mas em troca querem da parte do governo que as medidas a serem definidas
sejam baseadas em “coerência e clareza na intervenção regulatória, e sua
implementação deve ser simples, com o mínimo de exigências burocráticas”. A
manifestação foi feita pela Telebrasil (associação que representa a maior parte
das concessionárias e autorizadas de telecomunicações) na chamada Carta do
Guarujá.
Na verdade, o que as teles fizeram foi uma manifestação de disposição, mas
aproveitaram para colocar pressão sobre o governo.
Entre as demandas estão: 1) desoneração tributária de serviços e investimentos
em todos os níveis; 2) eliminação das restrições urbanísticas (uma demanda
sobretudo dos operadores wireless, por conta das torres); 3) adequação das
regras e custos de direitos de passagem e de uso do solo; 4) alocação de novas
faixas de radiofrequências para a construção das redes de acesso em banda larga,
mas sem onerar quem já investiu em licenças (outra referência às operadoras de
celular, que pagaram mais de R$ 5 bilhões pelas faixas de 3G); 5) oferta ao
mercado de novas outorgas de prestação de serviço e a eliminação de restrições
de acesso em função da origem de capital.
Mas a colocação mais importante da Carta do Guarujá está no fim. “Tanto o ‘Plano
Nacional de Banda Larga’ como as políticas públicas e as metas dele decorrentes
devem ser resultado de diálogo amplo, franco, respeitoso e urgente entre os
responsáveis por sua formulação e os agentes privados que as implementarão”. Ou
seja, as empresas ressaltam, desde já, que não querem discutir com a espada de
uma empresa estatal na cabeça.
A boa notícia é que empresas e governos estão com os mesmos objetivos, que é o
de ampliar a cobertura e o uso de banda larga ao máximo de brasileiros. Divergem
nos métodos contudo.
Luiz Eduardo Falco, presidente da Oi, é muito objetivo quando questionado quanto
à forma de se colocar esse plano em prática. “O que vamos fazer daqui para
frente depende do financiamento.
Se houver retorno financeiro, as empresas estão dentro. Se der empate, são
políticas de universalização.
E se der prejuízo, nenhuma empresa vai querer entrar”, lembrou Falco. Simples
assim.
A Anatel é um órgão de execução das políticas e terá, portanto, um papel apenas
auxiliar nessa primeira etapa da discussão do Plano Nacional de Banda Larga. Mas
seu presidente, Ronaldo Sardenberg, ressaltou à TELETIME um aspecto importante
da discussão. “As empresas serão empresas para sempre.
Não podem pensar apenas nos resultados de curto prazo”, disse. Em seu discurso
durante o Painel Telebrasil, onde a questão da banda larga foi discutida,
Sardenberg fez questão de lembrar as empresas dos seus papéis. “As empresas
estrangeiras que estão no país precisam ser boas cidadãs, e as empresas
nacionais precisam exercer um importante papel público”, disse o presidente da
agência.
Infraestrutura vs. serviços
Fontes do Ministério das Comunicações informam que o Plano Nacional de Banda
larga está sendo inspirado em diversos modelos internacionais (ver tabela) que
incluem investimentos públicos e privados, PPPs, metas e obrigações. No Minicom
especificamente existe uma preocupação crescente com os serviços que serão
oferecidos por essa rede banda larga, sobretudo com os serviços de governo
eletrônico. Segundo um importante interlocutor do ministério, “a infraestrutura
está se expandindo, seja com o backhaul das concessionárias, com as redes móveis
ou com operadoras competitivas. O que falta é desenvolver e estimular os
serviços”.
É mais ou menos a preocupação manifestada por Antônio Valente, presidente da
Telefônica no Brasil. “Temos que estimular não apenas a oferta de infraestrutura,
mas também a demanda por banda larga. Isso é função do governo”, diz.
O fato é que existem no governo diversas iniciativas isoladas quando o assunto é
banda larga. A Secretaria de Logística e TI do Ministério do Planejamento, a
cargo de Rogério Santanna, tem trabalhado mais intensamente no sentido de dotar
o Estado de uma capacidade de infraestrutura que sirva como alternativa às redes
privadas. É dali que vêm iniciativas como recuperar a Telebrás como operadora,
administrando as redes de estatais como Furnas e Petrobras, ou o uso da rede da
Eletronet. Já a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
trabalha em reflexões que incluem não apenas empresas públicas operadoras de
rede, mas também a previsão de que obras do PAC tenham infraestrutura de
telecomunicações associadas. A Anatel, por sua vez, fica no tênue limite entre
executora e formuladora de políticas quando propõe, no Plano Geral de Metas de
Universalização (PGMU), que valerá a partir de 2011 o compromisso das
concessionárias de colocarem redes de 2,5 Gbps em todas as cidades com mais de
30 mil habitantes ou dobrar as capacidades do backhaul já em implementação. As
propostas da Anatel, aliás, já são alvo de intensos protestos por parte das
empresas e dificilmente ficarão em pé.
Em meio a tantas ideias, ainda não existe um projeto firme para tornar a banda
larga universal em 2014. Aliás, mesmo o uso do termo universalização é
complicado, pois universalização traz a carga de serviço público, o que, pela
Lei Geral de Telecomunicações, implica garantias de continuidade dos serviços,
tarifas públicas e reversibilidade das redes.
Para fugir dessa ideia, as empresas preferem usar “massificação”. Portanto, a
discussão agora é qual será o papel do Estado e das empresas, quanto será
investido por cada uma das partes e com que objetivos.
É uma discussão já mais madura em outros países, até porque foi utilizada como
parte das políticas anticíclicas para evitar os efeitos da crise internacional.
Segundo levantamento da OCDE, a Austrália anunciou investimentos de US$ 33,4
bilhões em infraestrutura, seguida pelo Japão (US$ 29 bilhões), EUA (US$ 7,2
bilhões), União Europeia (US$ 1,4 bilhão), Luxemburgo (US$ 285 milhões),
Alemanha (US$ 219 milhões), Canadá (US$ 211 milhões), Finlândia (US$ 96 milhões)
e Portugal (US$ 73 milhões), sendo que estes dois últimos países não programaram
investimentos no setor bancário.
O professor de sistemas de informação e logística da FGV, Fernando Arbache,
afirma que o principal entrave ao desenvolvimento da banda larga no Brasil é a
capilaridade do backbone de alta velocidade, que hoje não atende
satisfatoriamente áreas fora dos grandes centros urbanos. Segundo ele, no
passado 40% das pessoas que utilizavam a Internet estavam no Sudeste, hoje esse
número é 26%. Sem falar, é claro, no crescimento explosivo do número de usuários
na mudança do perfil de uso – hoje muito concentrado em serviços de vídeo e
downloads.
O especialista calcula que o Brasil precisaria de investimentos de mais de US$
10 bilhões para que a infraestrutura de backbone se adequasse à demanda de banda
larga dos próximos cincos anos. Arbache explica que o Brasil está vivenciando o
fenômeno da “mobilidade social”. Isso significa que com o aumento do poder
aquisitivo e o controle inflacionário, setores da população que antes não podiam
ter acesso ao computador ou ao serviço de banda larga, já podem adquiri-los.
PPP
Na opinião de Fernando Arbache, uma maneira interessante de viabilizar esse
investimento seria no modelo de PPP. Entretanto, embora haja inúmeros exemplos
de parceiras público-privadas em âmbito municipal e estadual, o governo federal
tem se mostrado avesso ao modelo e ainda não firmou nenhum contrato. “Existe um
grande problema ideológico no governo de acreditar que essas obras têm que ser
assumidas pelo governo. Eles acreditam que isso seria entregar na mão dos
outros”, critica ele. Arbache explica que o modelo é interessante porque é menos
burocrático que a licitação formal e, além disso, os contratos não estão
sujeitos à fiscalização do Tribunal de Contas da União, apenas as obras.
De acordo com a análise do professor da FGV, a falta de investimento em
infraestrutura pode desencadear inclusive a volta da inflação. “Se você cresce
sem ter capacidade para escoar, há um problema de oferta aquém da demanda e isso
faz voltar o processo inflacionário”, explica. Para que isso não aconteça, é
preciso investir para que o backbone de Internet suporte o aumento do tráfego e
do número de usuários.
“Estamos com problema sério para manter a banda larga crescendo. Se hoje já
existe problema no backbone, amanhã vai ser pior ainda. Pessoas comprando
computador vão querer usar a Internet. Nós não temos infra para suportar o
crescimento reprimido da banda larga. Esse é um problema sério. O consumo cresce
numa projeção geométrica e o investimento cresce em proporção aritmética”,
afirma ele.
Para César Alvarez, assessor especial da Presidência da República e responsável
por políticas de inclusão digital, existe muita ideologização quando se discute
as redes públicas: “o ativo está aí à nossa disposição”, disse durante o Painel
Telebrasil.
Ele citou uma série de outros pontos que precisarão ser discutidos, como os
programas de massificação do acesso a computadores, as metas de backhaul, o
Gesac e os telecentros, “que em breve serão ampliados em mais 3 mil”. Passou
pelo programa de banda larga rural, mencionou a necessidade de uma política para
LAN houses, novas metas de universalização e outras medidas pontuais. Disse
ainda que as empresas precisam atuar para deixarem de ser “caras, concentradas e
lentas” no que diz respeito à banda larga, e que talvez esteja na hora de
começar a pensar em banda larga na casa dos gigabits por segundo.
Alvarez citou a possibilidade de que as obras de infraestrutura, como as do PAC,
passem a incluir elementos de redes para telecomunicações, como dutos e fibras
apagadas.
Falou também que, neste caso, seria necessário discutir políticas de preço e
possibilidades de aumento de tráfego, redução dos valores de mensagens SMS,
desoneração tributária (deixando claro que isso passa por um pacto com os
estados) e de uma política industrial nacional. Alvarez não quis estabelecer
prazos nem dizer como o governo pretende apresentar uma proposta de políticas
para banda larga, e atenuou o impacto do ano eleitoral de 2010 sobre a
discussão. “O que queremos é que essa política, quando sair, saia bem feita.
“O custo de se trazer e buscar informações dentro do Brasil é bastante pesado.
Na região Norte e Centro-Oeste existe muito pouca oferta de serviços para
expandir oferta banda larga”, afirma Cícero Olivieri, vice-presidente de
engenharia e operações da GVT.
De dezembro de 2007 para cá – data em que a Geodex foi comprada pela GVT - esse
backbone passou de 11 mil quilômetros de fibra para 15,5 mil atualmente. A
quantidade de fibras iluminadas também cresceu de 6 mil quilômetros para 14 mil
quilômetros. A dificuldade de contratação de links de alta capacidade foi um dos
fatores que impediram a GVT de lançar sua nova família de produtos de banda
larga, que vai até 100 Mbps, em todas as cidades de atuação da companhia.
“Todas as empresas estão se movimentando para aumentar o backbone entre cidades.
O governo poderia discutir com as empresas de telecom como viabilizar uma infra
de chegada nessas cidades através de construção conjunta, investimento do
próprio governo, há ‘n’ modelos, melhor do que criar uma empresa para prestar
serviço”, sugere.
Outro problema que a GVT enfrenta ao desbravar novas cidades é conseguir as
licenças municipais para passar os cabos, que podem demorar de sessenta a
noventa dias. Além disso, a GVT tem tido dificuldades também no compartilhamento
dos dutos das concessionárias, briga aliás que com a Nova Oi acabou sendo
resolvida na Justiça. “A maioria das cidades não tem legislação clara de
compartilhamento de dutos. As concessionárias têm uma determinada infra, em
muitos casos até ociosa, e quando a GVT chega acaba construindo uma outra
infraestrutura. Se amanhã outra empresa chega, vai construir uma terceira
infra”, diz Olivieri.
Impostos
Uma das maiores reivindicações do setor sem dúvida é a redução da carga
tributária, hoje em torno de 43% do valor da conta. O principal imposto que
incide sobre os serviços de telecomunicações é o ICMS, que ao mesmo tempo é
responsável por 12% da arrecadação dos Estados. Recentemente um convênio do
Confaz - o qual foi aderido pelos estados do Pará, Distrito Federal, São Paulo e
Rio Grande do Sul - autorizou a isenção do ICMS para os serviços de banda larga
prestados até R$ 30. Até agora apenas o Pará regulamentou a norma, mas no
entanto aguarda desde abril proposta das empresas. Fonte do governo paraense diz
ter a impressão de que as empresas não se interessaram pela proposta.
Do lado das empresas, ao que parece elas temem que o acesso popular possa
canibalizar as demais ofertas.
Além disso, os investimentos em rede não foram desonerados. A Oi promete para
até 45 dias um serviço nos moldes da norma do Confaz. “A questão é achar um
equacionamento financeiro para a Internet popular que seja positivo para todo o
mundo”, diz Márcio Carvalho, diretor de produtos da Net Serviços.
Para a verdadeira desoneração fiscal, alguns executivos acreditam que o governo
possa trabalhar também com o imposto de importação, na medida em que, grande
parte dos equipamentos de rede para banda larga são importados. “Muitas empresas
falam em FTTH, mas esse equipamento na casa do assinante é 100% importado e
impostos de importação são extremamente altos. Aqui no Brasil esse equipamento é
limitador. Incentivar as empresas a expandir suas redes reduzindo impostos nos
equipamentos é interessante e efetivo para as empresas investirem”, avalia
Olivieri, da GVT.
Eduardo Parajo, presidente da Abranet (Associação Brasileira dos Provedores de
Internet) acrescenta que os custos de importação estão na casa dos 70%.
Backhaul e Eletronet
A ressurreição da Telebrás ou o uso da rede da Eletronet deixam o empresariado
de cabelo em pé, porque pode significar a perda de um cliente importante, o
governo. Como não se sabe ao certo os planos do governo, já que o assunto está
sendo tratado com muita cautela, são poucos aqueles que arriscam uma opinião
mais concreta. Fernando Arbaches, da FGV, sem entrar no mérito do assunto,
analisa que ser estatal não significa, necessariamente, ser ruim. Na França
existem várias empresas estatais altamente eficientes, como a Air France,
exemplifica.
Outra questão levantada por Arbaches é a concorrencial. Ele pega o setor
bancário como exemplo. “Imagina quanto seriam os juros no Brasil sem a Caixa
Econômica Federal e o Banco do Brasil? Quando o Banco Central baixa a taxa Selic,
esses bancos são os primeiros a baixarem a taxa de juros”, afirma. “Não é um
ponto negativo ter uma estatal, acho um ponto positivo. O problema é como ela
vai funcionar. O grande problema do Brasil é que toda estatal que se abre vira
um grande cabidão de emprego”, completa.
Quando se fala em universalização, a maior parte do ônus invariavelmente recai
sobre a Oi, que é a maior empresa.
Este ano a tele vai investir de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões em banda larga, o
que inclui o atendimento da troca de metas dos PSTs pelo backhaul. João
Silveira, diretor de mercado da Oi, diz que “a troca do PST pelo backhaul foi um
movimento muito positivo, pois está criando infraestrutura e possibilidade de
escolas e pessoas terem acesso a rede”, mas que a capacidade desse backbone
suportar o tráfego futuro da banda larga, no futuro, é um desafio para as
operadoras. Silveira afirma que as operadoras vão continuar fazendo os
investimentos necessários para suportar a demanda futura, mas que é necessário
encontrar um modelo de negócio onde quem usa mais banda paga mais. “O grande
desafio hoje é que poucos usuários consomem às vezes até 80% da capacidade da
rede. Esse modelo é muito difícil de equacionar. O problema está nesse consumo
concentrado”, diz.
Planejamento
A falta de planejamento para a questão da banda larga foi uma unanimidade entre
os executivos ouvidos por esta reportagem. Falta de diálogo entre as diversas
esferas do governo e decisões pontuais sem um plano de longo prazo foram os
principais aspectos mencionados.
“Sinto muita falta de ver um planejamento de curto, médio e longo prazo no
governo brasileiro. O grande problema que eu percebo não é a falta de tentativa,
é a falta de planejamento”, diz o professor Fernando Arbaches.
Luiz Cuza, presidente da TelComp, afirma que o Brasil não tem cultura em fazer
planejamento estratégico. Mas como a questão da banda larga está relacionada ao
melhoramento econômico e social do País, ele afirma que para esse tipo de coisa
precisa se “fazer uma exceção”.
Ele menciona, por exemplo, a questão da faixa de 2,5 GHz, que para ele foi uma
prova de que os assuntos são resolvidos de forma “imediatista”. “Não há
necessariamente muito raciocínio nessas discussões, é tudo muito imediatista. Os
ministérios da Educação, Fazenda, Planejamentos e outros precisam se envolver
também”, afirma. Cícero Olivieri da GVT ainda menciona a importância do
fortalecimento da Anatel para que ela possa trabalhar com independência e criar
regras claras para o setor. “O mercado de telecom demanda muito investimento,
por isso é fundamental que as empresas consigam ter uma visibilidade de longo
prazo”, afirma.