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Fonte: Correio Brasiliense
[04/04/10]  Governo comanda a especulação na bolsa - por Karla Mendes e Luciana Otoni

Em vez de dar o exemplo, o governo tem tido uma postura no mínimo questionável ao usar informações com forte impacto no mercado de capitais. Acionista majoritário de diversas companhias que têm ações cotadas na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa), o Executivo tem escorregado ao dar declarações desastrosas, travestidas de discursos políticos, estimulando movimentos atípicos nos preços de vários papéis. A situação se torna mais complicada, pois funcionários de carreira de empresas estatais que assumiram os cargos prometendo seguir à risca a cartilha da ética, vêm se envolvendo com frequência em crimes de uso de informação privilegiada (inside information) para supostamente inflar o patrimônio.

Para se ter uma ideia do estrago provocado pelo governo no mercado acionário, mesmo reticente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, teve que abrir uma série de inquéritos para apurar irregularidades. Com isso, um dos mais influentes ministros do governo Lula está sendo obrigado a prestar informações por declarações que provocaram um sobe e desce monumental nos preços das ações de uma estatal. O nome do ministro é mantido sob sigilo. Mas, mesmo admitindo a dificuldade para separar o que é declaração política de interesses escusos, a CVM promete dar exemplo ao aplicar uma punição dura nesse caso. Elementos para isso não faltam.

O falatório governamental não é saudável, sobretudo quando se trata de um mercado tão importante para o crescimento sustentado do país. É por meio da venda de ações que muitas empresas captam os recursos que financiam a construção de fábricas e movimentam o mercado de trabalho. Mas para que essas ações tenham compradores, os chamados acionistas minoritários precisam ter a certeza de que não serão ludibriados. Ou seja, credibilidade é tudo no mercado de capitais.

Casos de reincidência

Um dos casos mais emblemáticos da ação irresponsável de integrantes do governo é o da Telebrás. Praticamente extinta desde 1998, quando todo o serviço de telefonia foi privatizado, a estatal saiu do mais completo ostracismo para figurar nas listas das 10 empresas de maior valor de mercado. Cotadas em centavos, suas ações chegaram acumular, desde o início do governo Lula, alta de 35.000%, diante dos rumores de que a companhia seria a gestora do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). “Nesse caso, não há dúvidas de que o governo foi um fomentador de notícias atravessadas que deram margem a negócios não lícitos, não transparentes”, avalia um operador.

Ele está coberto de razão. Tanto que a CVM está tocando um amplo processo envolvendo ações da Telebrás e a BM&Fbovespa retirou as ações da empresa do cálculo do Ibovespa, o índice usado para medir a lucratividade do mercado. Mas não é só. A CVM também interpelou o Banco do Brasil por causa do vazamento do seu lucro, fato que se tornou recorrente nos últimos dois anos. “Esse caso do BB está muito estranho, pois o mercado já sabe identificar em alguns veículos de comunicação onde estarão os números da instituição antes de se tornarem públicos para a bolsa e a CVM”, ressalta um importante agente de mercado. O banco abriu auditoria para apurar responsabilidades.

A Petrobras é outra que tem sido alvo constante de investigação da CVM. Três anos atrás, a estatal participou da compra da Ipiranga por meio de um consórcio com a Ultra e a Brasken. O anúncio da operação foi feito numa segunda-feira, mas, na sexta anterior à transação, as ações ordinárias da Distribuidora Ipiranga subiram 33,33% e as da refinaria do grupo, 8,31%. Também em 2007, foi registrado o vazamento de informações no processo de compra, pela Petrobras, de ativos da Suzano Petroquímica. Nesse caso, um investidor pessoa física e outro de uma empresa estrangeira teriam lucrado o equivalente a R$ 1,52 milhão em operações suspeitas com ações preferenciais da Suzano. Em ambas as situações, a Justiça foi acionada.

Há pouco mais de uma semana, a CVM rejeitou proposta do diretor-financeiro da Petrobras, Almir Barbassa, para encerrar as investigações por divulgação irregular ao mercado sobre a existência de petróleo da camada pré-sal na Bacia de Santos em 2007. A autarquia justificou a negativa porque o executivo era reincidente. No fim de 2009, Barbassa pagou R$ 400 mil à CVM para pôr fim a dois processos relativos à divulgação, também fora dos padrões, sobre o aumento de capital da companhia e de investimentos. O dinheiro teve que sair do bolso dele e não do caixa da companhia.

Ações inéditas

Na operação de compra da Ipiranga pela Petrobras, além das medidas cautelares ajuizadas na época pela CVM para bloqueio dos recursos provenientes de operações consideradas suspeitas, foi ajuizada ação civil pública, em tramitação na Justiça Federal do Rio de Janeiro. Quanto ao uso de informação privilegiada na compra da Suzano pela Petrobras, foi firmado termo de compromisso e de ajustamento de conduta entre a Vailly S/A, a CVM e o Ministério Público. Foi a primeira vez que os dois órgãos assinaram, em conjunto, um acordo dessa natureza com um participante do mercado de capitais.

Promessa de rigor

O que não faltam entre os operadores de mercado são críticas à ação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que seria leniente com a interferência do governo nos negócios com ações. Mas a autarquia contesta. No caso da Telebrás, assegura que, se comprovados fatos ilícitos, todos os envolvidos “serão responsabilizados à luz da legislação”. O mesmo acontecerá nos casos das compras da Ipiranga e da Suzano pela Petrobras.

Já a BM&Fbovespa informa que está atenta a qualquer investida que possa arranhar a solidez e a credibilidade do mercado de ações no Brasil. Ao Correio, a bolsa assinala que tem plenos poderes para suspender negociações consideradas atípicas ou suspeitas e segue à risca as orientações da CVM.