WirelessBRASIL |
|
WirelessBrasil --> Bloco Tecnologia --> Telebrás e PNBL --> Índice de artigos e notícias --> 2010
Obs: Os links originais das fontes, indicados nas transcrições, podem ter sido descontinuados ao longo do tempo
Fonte: Estadão - Blog do Ethevaldo Siqueira
[30/04/10]
Lula precisa ler o documento do IPEA
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já confessou diversas vezes que não lê
jornais, nem revistas, nem, muito menos, livros. Às vezes, assina, sem ler,
decretos e mensagens ao Congresso. Mesmo assim, com pouquíssima esperança de ser
atendido, gostaria de fazer-lhe um pedido público, na simples condição de
cidadão brasileiro: “Presidente, faça um esforço extremo, abra uma exceção em
sua vida e leia um texto de menos de 25 páginas, com gráficos e tabelas: o
comunicado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que pode ser
baixado no site www.ipea.gov.br e tem o título geral de Análise e Recomendações
para as Políticas Públicas de Massificação de Acesso à Internet em Banda Larga”.
Vale a pena lembrar que o IPEA não é nenhum órgão de oposição, mas um instituto
de prestígio, de grande competência técnica e independente, vinculado à
Secretaria de Estudos Estratégicos (SAE), da Presidência da República. Nada mais
lógico e natural, portanto, que o presidente da República lhe dê atenção
especial, lendo esse texto excepcional divulgado na semana passada.
Se vier a ler o estudo, o presidente Lula talvez reaja com sua tradicional
sutileza, dê um murro na mesa e mude totalmente os rumos, até aqui quase
secretos, da elaboração do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) e mande dois
funcionários de segundo escalão (seu assessor especial, Cesar Alvarez, e o
secretário de Logística do Ministério do Planejamento, Rogerio Santanna)
fecharem o bico e pararem de soltar balões de ensaio políticos e ideológicos
sobre a banda larga.
Por seu tratamento técnico, objetivo e independente, o estudo do IPEA mostra,
sem distorções ideológicas e com objetividade, o problema da banda larga. E
focaliza tudo que os porta-vozes petistas insistem em esconder ou negar.
Diagnóstico perfeito
O documento do IPEA é, de longe, o melhor diagnóstico da situação da banda larga
no Brasil já feito pelo governo, nos últimos sete anos. Logo no início do texto,
mostra o desequilíbrio e a baixa concentração da banda larga em diversos Estados
brasileiros, lembrando que banda larga está presente em apenas 2.583 dos 5.565
municípios. Isso significa 46,6% do número total de municípios brasileiros,
embora neles se concentrem mais 80% da população do País.
É claro que o estudo poderia ter aprofundado um pouco mais quatro questões
básicas:
1) Por que a banda larga é escassa e mal distribuída no País?
2) Por que ela se concentra apenas nas regiões mais ricas e mais populosas?
3) Por que ela é tão cara?
4) A quem caberia há muito mais tempo o dever e a responsabilidade de formular
uma política nacional de banda larga?
A primeira resposta, a rigor, está nas entrelinhas do estudo, ao sugerir que o
País nunca teve uma política pública de massificação e universalização da banda
larga, por omissão do próprio governo federal, ao qual caberia a elaboração
dessas diretrizes. Por outras palavras, o PNBL, hoje em elaboração secreta, é a
primeira política pública sobre banda larga a ser formulada no País. É claro
que, há 8 ou 10 anos, no governo FHC, o Brasil ainda não tinha ideia clara sobre
a importância da banda larga.
O documento reconhece que o Brasil precisa de uma nova legislação de
Comunicações, pois a atual está, em sua maior parte, obsoleta. Mesmo a Lei Geral
de Telecomunicações (LGT), de 1997, já está desatualizada em muitos aspectos. Na
verdade, o governo Lula praticamente ignorou todos os grandes problemas das
Comunicações, de 2003 até 2009. Só descobriu este ano, por razões eleitorais.
Segunda resposta: a banda larga se concentra principalmente nas grandes cidades
e regiões mais ricas porque as concessionárias e operadoras autorizadas não têm
qualquer obrigação legal de levá-la a todo o País, como no caso da telefonia
fixa, já que seus contratos de concessão não impõem essa universalização. Assim
se comporta qualquer empresa privada no mundo: só atende às áreas mais
rentáveis. Aliás, como fazia a Telebrás, até 1998, mesmo sendo estatal.
A terceira resposta está explícita no documento, embora sem aprofundar a análise
das causas do encarecimento da banda larga, ao relacionar os “três os fatores
que contribuem para o alto preço do serviço: baixo nível de competição, elevada
carga tributária e baixa renda da população”.
Sobre o tema, o documento ainda observa que, embora o governo federal tenha
diversos projetos de inclusão digital, “a alta carga tributária incidente sobre
os serviços de telecomunicações tem sido uma fonte de receita para o Tesouro, o
que vai contra a política de massificação”. E complementa: “Um exemplo são os
leilões de freqüência, que sempre privilegiaram a arrecadação”. No entanto,
lembra que, em vários países bem sucedidos na inclusão digital, “a busca de
preços mais baixos ao consumidor foi uma alternativa bem sucedida – diferente da
mera busca de receita orçamentária – que norteou leilões.”
Fúria arrecadatória
Embora o IPEA não analise o comportamento do governo diante do setor de
telecomunicações, é bom lembrar que, desde o governo FHC já vigorava uma espécie
de fúria arrecadatória, que se tornou ainda mais voraz no governo Lula, tanto da
União quanto dos Estados.
Com o crescimento da rede telefônica, passando de 24,5 milhões de telefones
(fixos e móveis) em 1998 para os 224 milhões atuais, o volume total de impostos
arrecadados sobre serviços de telecomunicações passou de pouco menos de R$ 10
bilhões/ano para R$ 43 bilhões em 2009.
E o governo federal ainda confisca os recursos dos fundos setoriais. O Fundo de
Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) já acumulou cerca de R$
10 bilhões de recursos recolhidos ao Tesouro Nacional desde sua criação no ano
2000 até hoje, sem aplicar nada na finalidade essencial para a qual foi criado
(universalização das telecomunicações). O excesso de arrecadação do Fundo de
Fiscalização das Telecomunicações (FISTEL) tem sido sistematicamente absorvido
pelo Tesouro, pois de um total de R$ 3 bilhões este ano, apenas R$ 450 milhões
serão destinados ao orçamento da Anatel. O resto é pura e simplesmente
confiscado.
Depois de apropriar-se de mais de R$ 30 bilhões de recursos dos fundos
setoriais, ao longo de sete anos, o governo Lula vai trombetear e festejar a
destinação recentemente anunciada de R$ 6 bilhões para a banda larga no País,
para o período 2010-2013.
Exemplo mundial
O estudo faz excelente análise das políticas públicas e estratégias de banda
larga de diversos países, mostrando, por exemplo, que “políticas de livre acesso
(open access), em particular a desagregação de redes (unbundling)”, facilitam
enormemente a entrada de competidores, o que aumenta o investimento, melhora as
velocidades, induz o progresso tecnológico, reduz preços ou propicia inovações
de serviços.
O documento ressalta ainda que é muito importante fortalecer a agência setorial,
visto que “um regulador comprometido em aplicar políticas de livre acesso é mais
importante do que a adoção formal da política”.
Sugestões
O estudo, então, sugere que a banda larga seja designada como serviço a ser
prestado no regime público e, portanto, sujeito a metas de universalização
compulsórias. Essa designação é outra omissão do governo Lula, que só veio a
tomar a iniciativa neste oitavo ano de administração, por razões eleitorais.
E, por fim, a sugestão óbvia de se utilizar na banda larga “os vultosos recursos
do Fundo Nacional de Universalização das Telecomunicações (FUST)” – que tem
sido, até aqui, pura e simplesmente surrupiado, como fonte de superávit
primário.
Quem lê e reflete sobre o conteúdo do documento do IPEA percebe de forma bem
clara a diferença entre um trabalho feito por profissionais, especialistas,
equilibrados e independentes, em contraposição à forma demagógica e
antidemocrática com que um grupo encastelado no poder está conduzindo a
elaboração do Plano Nacional de Banda Larga – tema da maior importância para o
futuro do País.
Por que não partir para um grande debate nacional, com a sociedade, com os
maiores especialistas, com o Congresso e com a mídia?
Volto ao apelo do início deste artigo: Presidente Lula, leia o estudo do IPEA e
compare o estilo do documento, sua objetividade e profissionalismo, com o
açodamento daqueles que tentam a qualquer custo acelerar o aparelhamento do
Estado, a pretexto de ampliar a inclusão digital no Brasil.
Só não vê quem não quer.