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Fonte: O Estado de S.Paulo
[12/12/10]  A Telebrás, acima da lei - Ethevaldo Siqueira

O Brasil não precisa de uma estatal de telecomunicações. O que falta ao País é tudo aquilo que o governo Lula deixou de fazer desde 2003 e que poderia ser resumido num programa mínimo que incluísse: políticas públicas de telecomunicações inovadoras e corajosas, fixação de prioridades para a inclusão digital, fortalecimento da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), negociação de alto nível para a nova edição do Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU III), a promoção da harmonia entre as teles e as empresas de radiodifusão e, acima de tudo, a modernização da legislação setorial.

Quase nada disso foi feito ou pelo menos iniciado. No que dependia da ação governamental, as comunicações perderam oito anos. O despreparo do governo federal e os interesses de loteamento do Estado levaram Lula a apoiar a recriação da Telebrás a partir de 2009 e a transformar o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) em peça de campanha eleitoral.

Muita ilegalidade.

A Telebrás de 2010 cheira ilegalidade e improvisação. Criada em 1972 pela Lei 5.792, a empresa nunca foi operadora, mas apenas controladora (holding) das verdadeiras prestadoras de serviço, que eram as 27 teles estaduais e a Embratel. Segundo a opinião de juristas, por ter sido criada por lei, a Telebrás só poderia ter suas finalidades alteradas por outra lei - e não por decreto.

Em poucos meses de atividade, a Telebrás já detém um triste recorde: nunca antes na história deste País uma estatal foi reativada com tantas ilegalidades. A empresa se transformou numa fortaleza ideológica, numa trincheira política e numa peça estratégica do projeto de poder petista - sem pessoal mínimo, sem capital suficiente e sem a menor possibilidade de cumprir sua atividade-fim.

Não há área mais conturbada e desmoralizada do que a das Comunicações no governo federal hoje.

O ministério dessa área, que vinha patinando sob o comando do ex-ministro Hélio Costa até abril deste ano, foi esvaziado politicamente e praticamente desapareceu.

Por que o governo Lula marginalizou esse Ministério das decisões mais importantes de seu governo, entre as quais, a reativação da Telebrás, a elaboração do PNBL e agora o anteprojeto da Lei de Comunicação Eletrônica?

Fiz essa mesma pergunta a Franklin Martins, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, e sua resposta foi surpreendente: "O Ministério das Comunicações (Minicom) precisa ser refundado. Nessa área, o governo Lula ficou devendo".

Ultimato.

Pior do que o esvaziamento do Minicom é o fato de o presidente Lula apoiar os desmandos de Rogerio Santanna, presidente da Telebrás, uma das figuras mais polêmicas das telecomunicações brasileiras.

Na realidade, é lamentável que o presidente da República, em lugar de buscar o diálogo e o entendimento entre os diversos segmentos das comunicações, não hesite em ameaçar empresas operadoras de telecomunicações de retaliações políticas "se elas não retirarem suas ações da Justiça".

Ora, independente do mérito das ações, qualquer empresa ou cidadão tem o direito de ir à Justiça para corrigir erros eventuais e defender seus interesses. Não há nisso nenhuma ofensa ou desrespeito ao governo. É um procedimento rotineiro na democracia e no estado de direito. Desrespeito muito maior é sobrepor-se à lei e ao direito. E, por ironia, uma das ações judiciais das empresas operadoras pede apenas que a Telebrás "cumpra a lei" e tenha tratamento isonômico no setor.

Diante das dificuldades em chegar a um acordo com o governo quanto às novas metas de universalização a serem previstas no PGMU III - o que é compreensível, porque esse plano pode mudar pontos essenciais dos contratos de concessão - as teles decidiram ir à Justiça. Era tudo que o governo não queria.

Leilões.

Só para refrescar a memória de Lula e de Santanna, vale lembrar que a CUT e o PT moveram dezenas de ações judiciais contra os leilões da Banda B e da privatização da Telebrás, entre 1996 e 1998. E perderam todas. Hoje, no poder, não toleram que nenhuma empresa privatizada recorra à Justiça.

O problema mais sério é que a comunicação entre a Telebrás e o restante do setor se deteriora dia após dia. Atualmente, o presidente da estatal vem a público quase todos os dias para culpar as teles pelos atrasos da própria Telebrás na implementação do Plano Nacional de Banda Larga. Ou para tentar explicar por que não conseguiu cumprir a promessa de levar banda larga de alto padrão às primeiras 100 cidades ainda este ano. E, com a maior naturalidade, posterga a data de conclusão desse projeto para abril de 2011.

A maior promessa de Santanna e dos defensores da Telebrás é fazer da estatal "uma competidora valente, o pavor das teles". Tudo para levar aos brasileiros de todas as classes os melhores serviços pelos menores preços, embora com uma velocidade abaixo de 1 megabit por segundo (Mbps). Decepcionante.

Na expressão mais dura de um especialista, o Minicom é hoje "um monte de ferro velho". Não tem sequer o direito de opinar sobre problemas relevantes de sua própria área. Virou um espectro diante do que foi no passado - quando teve à sua frente titulares como Hygino Corsetti, Euclides Quandt de Oliveira, Haroldo Corrêa de Mattos, Ozires Silva ou Sérgio Motta.