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Fonte: Site de Ethevaldo Siqueira
[23/02/10] Recriação
da Telebrás beira o escândalo - por Ethevaldo Siqueira
Fico imaginando qual seria a verdadeira intenção de alguém que compra uma dívida
de mais de R$ 200 milhões por uma pequena moeda de R$ 1, e assume esse ônus em
lugar da sócia estrangeira (AES) da estatal falida, Eletronet, dona de uma rede
de 16 mil quilômetros de cabos de fibras ópticas. No entanto, foi exatamente o
que fez Nelson dos Santos, dono da empresa Star Overseas, que, por sua vez,
contratou os serviços de consultoria de seu amigo, o ex-ministro José Dirceu.
Esse investidor ousado pagou ao seu amigo e consultor José Dirceu, no mínimo R$
620 mil entre 2007 e 2009. É claro que ambos estão altamente interessados na
reativação da Telebrás – que, segundo planos do governo, deverá assumir a rede
de fibras ópticas da falida Eletronet.
Como jornalista especializado e colunista desta área, eu já havia escrito no
Estadão e em meu site pessoal (www.ethevaldo.com.br)
pelo menos três vezes que um aventureiro havia comprado as dívidas da estatal
falida por apenas R$ 1.
Há pelo menos três questões básicas que o Congresso brasileiro deveria apurar. A
primeira delas é saber que tipo de consultoria e relacionamento José Dirceu
manteria com um investidor que compra uma dívida de milhões por apenas um real.
Em segundo lugar, que interesse tem um ex-deputado cassado no negócio da
Eletronet e na recriação da Telebrás? A terceira questão grave a ser apurada é a
da manipulação do valor das ações da moribunda Telebrás, com a valorização de
até 35.000% no governo Lula. Como uma empresa, com passivo a descoberto, cheia
de dívidas, sem receita, pode ter suas ações valorizadas, a não ser por meios
heterodoxos? Por seu valor futuro?
Só os ingênuos acreditam nisso. É claro que, nesse período, muita gente ganhou e
está ganhando com a valorização brutal das ações, ao sabor das especulações,
boatos e rumores.
Nunca antes...
Tenho dito que nunca antes na história deste País um governo cometeu tantos
equívocos no setor de comunicações quanto o governo Lula. Ao longo de mais de 7
anos de administração, ignorou solenemente a necessidade de completar a
reestruturação legal das diversas áreas sob responsabiliade do Ministério das
Comunicações, esvaziou políticamente as agências reguladoras, inclusive a Anatel
(Agência Nacional de Telecomunicações), com a clara desprofissionalização de
seus quadros. Só não conseguiu levar essa agência à situação dramática da Anac
nos tempos do apagão aéreo.
O último equívoco do governo do presidente Lula nas telecomunicações é essa
absurda proposta governamental de ressuscitar a Telebrás, uma estatal já
privatizada e em liquidação, e que não conta com equipes profissionais
especializadas para se tornar gestora do plano e da rede de banda larga do País,
como pretende o governo federal.
Como em tantas outras circunstâncias, o presidente está mal assessorado e não
reage às denúncias. Provavelmente, vai dizer que “não sabia de nada”. Ou que foi
traído. Em recente entrevista ao Estadão, o presidente afirmou, com a maior
naturalidade do mundo, que o governo já promoveu suficiente debate de todos os
aspectos do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL).
Que debate é esse, do qual não participam nem o Congresso, nem a sociedade
brasileira, nem a imprensa, nem a maioria esmagadora dos especialistas
brasileiros em telecomunicações? No seu linguajar tosco, Lula diz que “até os
bichos-grilos” participaram desse debate. Para ele, os “bichos-grilos” são os
cidadãos e jovens empolgados pela estatização e pela socialização da
infraestrutura, que fazem um grande barulho em nome de uma suposta
“democratização das comunicações”.
Pela relevância do tema, o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) não deveria ser
decidido por um grupo de burocratas radicais, como está acontecendo, mas por um
projeto de lei que fosse largamente debatido no Congresso. Nem mesmo o ministro
das Comunicações, Hélio Costa, apoia recriação da Telebrás. E o Ministério das
Comunicações, ao qual a Telebrás sempre esteve vinculada, tem sido posto de lado
nas decisões políticas sobre o PNBL – hoje conduzidas pelos ministros Dilma
Rousseff, da Casa Civil, e Paulo Bernardo, do Planejamento.
Nada nos garante que a Telebrás possa “oferecer banda larga barata para toda a
sociedade”, como afirma o presidente da República. Lula está de novo mal
assessorado. Se quisesse reduzir o custo dos novos serviços, começaria por
desonerá-los dos brutais 43% de impostos que dão ao Brasil o triste título de
campeão mundial de tributação sobre telecomunicações.
Além disso, bastariam algumas políticas públicas e uma boa parceria
público-privada para alcançar os mesmos objetivos. Ah, mas isso não abriria 500
vagas para nomeação de amigos e correligionários.
Sem competência
Lula e seus ministros sabem que a Telebrás nunca operou serviços de
telecomunicações. Criada pela Lei 5.792, de julho de 1972, ela era, acima de
tudo, uma empresa-holding do conjunto de operadoras de serviços de
telecomunicações (as teles). E agora o governo quer mudar seu objeto, por
decreto e sem a participação do Congresso.
O Brasil dispõe de moderna infraestrutura de telecomunicações, inclusive de
satélites, fibra óptica, micro-ondas terrestres e cabos submarinos, implantada
com investimentos privados da ordem de R$ 180 bilhões, que assegura abundante
oferta de serviços, capaz de atender ao País e ao governo em todos os aspectos.
A infraestrutura de fibra óptica governamental não chega a 30 mil quilômetros de
cabos, enquanto a rede privada nacional tem mais de 200 mil quilômetros. Não
seria muito mais fácil e lógico integrar ambas as redes?
Para que ressuscitar a Telebrás, se nos últimos 11 anos o Brasil passou de 24,5
milhões telefones para os atuais 212 milhões, saltando da média franciscana de
14 telefones por 100 habitantes para 111 por 100 habitantes? Uma densidade quase
8 vezes maior do que a de 1998. O número de internautas passou de 1 milhão para
60 milhões. A banda larga, praticamente inexistente em 1998, serve hoje a 12
milhões de brasileiros – o que é, realmente, muito pouco. E é cara, até porque é
altamente tributada.
O que o governo petista não percebe mais uma vez é que, no novo modelo
institucional das telecomunicações, o Estado tem um papel muito mais relevante e
nobre do que o de operador ou gestor de qualquer rede. Cabe-lhe regular, fixar
normas, formular políticas públicas, elaborar programas, estabelecer metas e
objetivos, supervisionar, fiscalizar e agir proativamente no tocante à
confiabilidade e à qualidade dos serviços, utilizar intensamente as novas
tecnologias e a infraestrutura existente visando à implementação do governo
eletrônico, estimular as empresas privadas a inovar e a investir permanentemente
em pesquisa e desenvolvimento, negociar e conduzir parcerias público-privadas,
com a participação de todas as empresas operadoras.
Tudo indica que o único objetivo do projeto de reativação da Telebrás é o
aparelhamento do Estado, num ano eleitoral, pois, a rigor, o Brasil não precisa
de nenhuma estatal para operar serviços de banda larga ou os serviços de
telecomunicações governamentais. É difícil levar a sério um projeto desses, sem
que o País possa debatê-lo em profundidade, com a participação do Congresso e de
todos os meios de comunicação.