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Fonte: Revista Época
[26/02/10]  A horripilante volta da Telebrás - por Marcos Coronato com Daniella Cornachione

O governo vai apresentar até abril um plano para levar internet veloz a mais brasileiros e cogita trazer, do além-túmulo, uma estatal para assombrar o setor

Histórias contadas em todas as formas, na literatura, no cinema e até no rock, fazem bem em nos lembrar que quem morreu deveria continuar morto, para nossa saúde e sanidade.
Da formosa Lenore da imaginação elegante do escritor Edgar Allan Poe ao assassino de crianças Freddy Krueger dos filmes A hora do pesadelo, a ameaça de retorno dos finados nos ensina que quem partiu deveria repousar em paz – para sempre.

O Brasil ganharia muito se aplicasse a lição a ideias ultrapassadas. Para nosso infortúnio, algumas delas teimam em retornar do além. O mais novo exemplo é a nova companhia estatal de telecomunicações, uma versão da antiga Telebrás, cuja criação ou recriação o governo federal debate há meses.
Nessa história de horror, estamos chegando ao momento do susto ou do alívio, pois a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá ser anunciada até o início de abril.

A aterrorizante ideia do retorno estatal às telecomunicações nasceu de uma constatação correta: o Brasil está atrasado na difusão da internet rápida, também chamada de banda larga. Ela torna possível o fluxo de maior quantidade de informação e permite ao internauta assistir a vídeos, receber ou enviar arquivos grandes com conforto e segurança. Somente 6% dos brasileiros dispõem de internet rápida, em comparação aos 8% dos argentinos e aos 9% dos mexicanos.
Em nações como Canadá, Alemanha e França, mais de um quarto da população dispõe desses serviços. Na Coreia do Sul, 97% das residências podem usar a banda larga.
Por aqui, mais da metade dos municípios, ou um quinto da população, não conseguiria aproveitar a internet rápida nem que tivesse dinheiro para pagar, pois não há oferta do serviço.

Apesar do diagnóstico correto, o remédio estatal proposto pelo governo é um equívoco. Esse equívoco, que tem consumido meses de debates em Brasília, parece alimentado pela falta de memória.

É bom lembrar, então, que apenas 32% dos domicílios brasileiros tinham linhas de telefone em 1998, quando os brasileiros dependiam da estatal Telebrás. Esse índice avançou para 82% nos dez anos seguintes, depois que a Telebrás foi fatiada e vendida, e as empresas privadas passaram a disputar o mercado. O setor emprega hoje 390 mil pessoas (o dobro do início da década) e paga anualmente R$ 40 bilhões em impostos.

A banda larga tem, inegavelmente, efeitos benéficos em educação e produtividade. Mas o Brasil ainda carece de bibliotecas, postos de saúde, segurança e saneamento.
Por que dispersar atenção e recursos do governo com telecomunicações?

Se o vigor exibido na última década não se sustentou e permitiu o atraso na banda larga, há duas razões – e nenhuma pede a atuação de uma nova estatal.
A primeira causa é a ausência de diretrizes públicas claras para os negócios das companhias privadas. Boas diretrizes dependem de regulamentação atualizada e de um órgão supervisor bem equipado para definir metas e cobrar seu cumprimento. As regras vigentes no Brasil vêm dos anos 90, na Idade Antiga da internet. E, no atual governo, a agência reguladora do setor, a Anatel, não tem contado com recursos, poder nem reconhecimento para assumir essa missão.

O mundo consagrou soluções como incentivar a concorrência e as parcerias público-privadas

A segunda causa, em parte decorrente da primeira, foi a queda no investimento em infraestrutura no setor. Ele recuou de 1,9% do PIB, em seu ponto mais alto, em 2001, para apenas um terço disso nos últimos anos. Sem as diretrizes adequadas, num país com bolsões de pobreza como o Brasil, as companhias privadas tendem a investir o mínimo, cobrar o máximo e concentrar sua atenção nos clientes mais ricos, o que resulta em serviço sofrível para a maior parte do país. É exatamente o que tem acontecido em relação à expansão da banda larga.

O preço dos serviços é alto para a população de baixa renda, e mesmo quem pode pagar tem acesso a uma internet rápida de mentirinha. O mercado brasileiro tolera que se denominem como banda larga quaisquer velocidades superiores a 256 quilobites por segundo (Kbps), enquanto o padrão internacional só considera dignas do nome velocidades seis vezes superiores, acima de 1,5 megabite por segundo (Mbps).
E as operadoras no Brasil não conseguem garantir nem a velocidade contratada, já baixa.

Há muitas formas de o governo induzir o investimento em infraestrutura e incentivar a difusão de serviços com qualidade e custo razoáveis – das parcerias com a iniciativa privada ao subsídio ou isenção de impostos (leia no quadro) .

Nenhuma das soluções torna o governo dono de uma operadora de telecomunicações – e todas mantêm um mercado competitivo, capaz de prestar serviços melhores e mais baratos. “A solução consagrada nos países desenvolvidos é sempre buscar mais concorrência”, diz o consultor Mário Ripper.

O governo federal preferiu buscar uma resposta no cemitério das ideias. A espinha dorsal da nova companhia seria uma rede de fibra óptica com 16.000 quilômetros de extensão, pertencente a outra estatal, a Eletronet, herdeira de linhas construídas pela Eletrobrás. Essa rede se compõe somente de linhas de alta capacidade, para transmitir dados entre regiões, mas sem capilaridade para levar serviços ao usuário final.

Na versão menos assustadora da nova Telebrás, ela administraria a rede de alta capacidade e contaria com o setor privado e organizações não governamentais para chegar ao consumidor.

Em sua versão mais temível, a nova Telebrás tentaria cobrir todas as etapas do serviço e precisaria crescer muito. De acordo com César Alvarez, secretário da Presidência da República que coordena a preparação do Plano Nacional de Banda Larga, a nova empresa seria “pequena e especializada”. A história mostra que a maioria das estatais brasileiras tende a se parecer mais com zumbis – lentas, propensas a se reproduzir e, eventualmente, a exalar o odor característico das negociatas políticas.
O presidente Lula ainda tem uma chance de recolocar a estaca no peito dessa ideia e mantê-la na tumba.

Banda larga para o povo.

Muitos países adotam metas de expansão da internet rápida. Poucos, porém, apoiam a expansão na iniciativa estatal