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Fonte: Estadão
[28/02/10]  Um negócio surrealista - Editorial

Ex-líder estudantil, ex-exilado político, ex-deputado, ex-presidente do PT, ex-ministro-chefe da Casa Civil, apontado como o cabeça do mensalão, com direitos políticos cassados em dezembro de 2005, o advogado José Dirceu de Oliveira Silva tem uma rica biografia. Desde que deixou o governo, Zé Dirceu dedica-se com desenvoltura à atividade de lobista, movimentando-se em grande estilo no País e no exterior, ocupação que lhe tem sido muito rentável. Além de sua vasta rede de relacionamento, ele se vale do conhecimento íntimo da máquina do governo, que comandou durante quase quatro anos.

Com a reativação da Telebrás, de acordo com o projetado Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), são hoje ainda mais fortes os indícios de que Zé Dirceu, com trânsito aberto no atual governo, utilize em seus negócios a influência que inegavelmente tem sobre a máquina governamental.

O plano de utilização da rede de 16 mil quilômetros de cabos ópticos, que seriam operados pela Eletronet - 49% de cujas ações pertencem ao governo -, tem as impressões digitais do ex-chefe da Casa Civil. Como a Telebrás, a Eletronet era uma empresa fantasma, tendo pedido autofalência em 2003, deixando um passivo de R$ 800 milhões. Em um negócio surrealista, em 2005 o empresário Nelson dos Santos, da Star Overseas, que deveria ter alguma informação de cocheira para assumir uma dívida tão vultosa, comprou 25% da empresa por R$ 1,00. E, em 2007, a Star Overseas contratou José Dirceu como seu consultor, pagando-lhe um total de R$ 620 mil até 2009. Como relata o Globo (25/2), a princípio as coisas corriam bem, mas tudo ainda dependia de uma decisão final do governo para a compra por meio da holding Eletrobrás da dívida da Eletronet, orientação que prevalecia no governo desde outubro de 2006.

Em maio de 2007, dois meses depois de ter contratado Dirceu, Santos estava prestes a abocanhar um lucro estimado em R$ 200 milhões. O governo, porém, mudou de estratégia. Em vez de comprar a dívida deixada pela Eletronet, o que poderia ser questionado política e judicialmente, resolveu entrar na Justiça para retomar o uso da rede de fibra óptica sem pagar nada. "Essa bomba iria estourar na minha mão", teria dito a ministra Dilma Rousseff, que substituiu Dirceu na chefia da Casa Civil.

"O governo quase entrou numa roubada", como comentou o advogado Márcio André Mendes da Rocha. De fato, uma das cláusulas do contrato entre as centrais elétricas federais (Furnas, Chesf, Eletronorte e Eletrosul) e a Eletronet previa que, em caso de falência desta, haveria uma rescisão automática, com o retorno dos bens às companhias de eletricidade que forneceram a infraestrutura para a rede de fibras ópticas, como esclareceu Luiz Inácio Adams, advogado-geral da União. A Eletronet tinha apenas o direito de acesso à rede. Em sua decisão, a Justiça exigiu apenas das centrais elétricas federais que fosse feita uma caução de R$ 270 milhões para pagamento aos credores.

A negociata falhou, mas por pouco. A Oi, como noticiou a Folha de S.Paulo, negociava a compra da dívida da Eletronet por R$ 140 milhões com o objetivo de retirar a empresa da falência e reabilitá-la. A empresa só desistiu dessa jogada ante a negativa do governo de manter o processo na Justiça para a retomada da rede de fibra óptica.

Uma conclusão é inescapável: José Dirceu estava a par dos planos do governo quanto à banda larga, que se encaminhavam para levar à compra do passivo a descoberto da Eletronet.

Ele nega que tenha mencionado a Santos, durante os dois anos em que prestou serviços à Star Overseas, o plano do governo de ampliar o serviço de banda larga. A impecável discrição do consultor sobre o negócio é espantosa. O próprio Dirceu disse que, quando era ministro, "já tinha uma discussão porque a Eletronet já estava com os problemas que tem hoje. E a orientação é a mesma, que o País precisava ter acesso por fibras ópticas, que o País precisava de um plano de banda larga". Segundo ele, a consultoria que prestou seria para mapeamento de negócios na América Latina...

A questão merece, sem dúvida, um exame aprofundado pelo Ministério Público. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não pode permanecer alheia a essa apuração, dadas as manobras visíveis de especuladores, responsáveis pelas oscilações brutais da cotação dos papéis da Telebrás. É o mínimo que se espera.