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Fonte: Estadão
[28/02/10] Alargando
a banda - por Luiz Carlos Bresser-Pereira
Luiz Carlos Bresser-Pereira é economista, cientista
político, três vezes ministro (no governo Sarney e nos dois mandatos de Fernando
Henrique), é desde 2005 professor emérito da FGV
Denúncias de tráfico de influência não invalidam um plano governamental de
baratear a internet rápida
O governo federal vem desenvolvendo o Plano Nacional de Banda Larga a fim de
universalizar e baratear o acesso dos brasileiros à internet, mas está
enfrentado forte oposição das empresas de telecomunicação e agora surgem
acusações de que haveria empresários e políticos beneficiados no processo. Não
vou entrar nesse tipo de discussão. O que importa saber é qual o papel do Estado
em uma questão como essa, que diz respeito a um serviço de utilidade pública -
as telecomunicações. Como esses serviços são fundamentais para a sociedade, e em
boa parte, monopolistas, no passado entendia-se que deviam ser realizados
diretamente pelo Estado. Nos "30 anos neoliberais" (1979-2008), entendeu-se que
deveriam ser privatizados e, em seguida, regulados. Especialmente os serviços de
telecomunicação, porque haviam deixado de ser puramente monopolistas. Agora, no
quadro de um governo crítico do neoliberalismo, surge o projeto de desenvolver
um serviço de banda larga do Estado. Fará sentido uma iniciativa dessa natureza?
Não sei se a Telebrás - a empresa que se ocupará da banda larga - logrará cobrar
apenas entre R$ 15 e R$ 35 por mês pelo acesso de internet rápida. Sem dúvida,
além de fornecer seus serviços a organizações públicas terá que estabelecer todo
um conjunto de relações com as empresas privadas do setor para chegar aos
setores mais distantes. Dessa forma, a Telebrás poderá desempenhar um papel
complementar na regulação do sistema de telecomunicações. E o Estado estará,
assim, exercendo seu papel regulador de forma mais efetiva.
Isso não significa a volta ao Estado produtor. O Estado produtor é justificado
em uma fase inicial do desenvolvimento de um país. Nós sabemos quão importante
foi o papel de empresas estatais na área de siderurgia, da petroquímica, da
construção aeronáutica, etc. A partir, porém, do momento em que o setor privado
nacional passa a ter a capacidade técnica e a dispor de capital para assumir
esses setores competitivos, o Estado deve se retirar. O mercado e a regulação
geral do Estado exercida por meio da lei realizarão melhor o trabalho: com mais
eficiência e menos corrupção.
Diferente é a situação das empresas que, ou são monopólios naturais ou são
beneficiadas por rendas ricardianas, como é o caso da mineração, inclusive o
petróleo, ou são empresas produzindo serviços de utilidade pública. Neste último
caso o setor privado pode ter um papel importante, mas na condição de
concessionário. A atividade é de tal forma importante e estratégica para a nação
que esta, por meio dos seus representantes no Poder Legislativo, a torna
responsabilidade do Estado - o qual, entretanto, poderá concedê-la à exploração
do setor privado. Nesse caso, porém, o serviço de utilidade pública deverá se
pautar pelas políticas definidas pelo governo democraticamente eleito e seus
preços deverão ser determinados e fiscalizados nos termos estabelecidos por
agência reguladora. O papel dessa não é o de definir políticas, mas o de fazer o
papel do mercado que não existe: é garantir que os preços cobrados pelas
empresas sejam próximos dos que existiriam se um mercado competitivo existisse.
Entretanto, a agência reguladora administrada por técnicos independentes não é a
solução mágica para os serviços de utilidade pública. O papel de reproduzir o
mercado é muito difícil. As manobras das empresas reguladas para escapar ou
enganar a regulação são infinitas. E a literatura econômica sobre sua capacidade
de capturar o regulador é antiga e respeitável. Foi especialmente desenvolvida
por um economista ilustre da Universidade de Chicago, George Stigler.
Na falta de um mercado competitivo, a regulação é um second best - é uma boa
alternativa, mas uma alternativa sempre imperfeita: está longe de garantir que
um serviço de utilidade pública seja eficiente e barato. Os dirigentes da
agência estão sempre sujeitos à captura. Por isso, é às vezes conveniente dar ao
Estado instrumentos adicionais de regulação, como se está fazendo agora com a
implementação do Plano Nacional de Banda Larga. A Telebrás e sua banda larga
oferecerão um serviço que será também instrumental na regulação do setor. O fato
de que as empresas do setor se oponham ao plano é uma indicação de que ele
poderá ser efetivo em limitar lucros abusivos.
Mas surge então a pergunta inevitável: "E a corrupção que esse tipo de ação
governamental pode ensejar?" Sempre que uma atividade não possa ser regulada de
forma relativamente automática e impessoal pelo mercado, e o Estado precise
regulá-la, surge a possibilidade da corrupção, porque as empresas envolvidas não
hesitarão em tentar corromper os servidores públicos e porque, em casos mais
raros, servidores aproveitarão a oportunidade para chantagear as empresas. Mas
não é por isso que se deixará de tomar decisões - de governar. No caso do Plano
Nacional de Banda Larga, o governo está tomando decisões que, em princípio, me
parecem boas. As denúncias de tráfico de influência surgidas recentemente não
invalidam o plano.
A força do capitalismo decorre do fato de que nele as atividades econômicas são
reguladas pelo mercado. Mas o capitalismo é também uma forma de organizar a
produção na qual a ganância e a corrupção estão sempre presentes. Por isso,
quanto mais desenvolvida e mais complexa é uma sociedade, mais ela precisa de
regulação, e, portanto, mais necessárias se tornam as decisões. Governar é tomar
decisões - e essas poderão ser boas ou más, honestas ou corruptas, republicanas,
voltadas para o interesse público, ou individualistas, orientadas apenas pelo
interesse privado. Para evitar as decisões desonestas precisamos de polícia, de
Ministério Público, de Poder Judiciário, de imprensa livre. Para termos
políticos republicanos e boas decisões precisamos de cidadania ativa e de um
Estado crescentemente democrático e transparente. Não é pela omissão, não é
deixando de tomar decisões por medo da corrupção que um país será bem governado.
A corrupção está sempre à nossa volta e não será fugindo dela, mas a
enfrentando, que o País poderá avançar.