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Fonte: WirelessBRASIL
[15/07/10]
Íntegra da
Ação do DEM junto ao STF contra a reativação da Telebrás
Transcrição em HTML da íntegra do documento pdf, a partir do link divulgado pelo Teletime
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL
DEMOCRATAS - DEM, partido político com representação no Congresso Nacional,
devidamente registrado no e. Tribunal Superior Eleitoral, com fundamento no art.
102, § 1º, da Constituição Federal de 1988 e na Lei n. 9.882, de 03 de dezembro
de 1999, vem, respeitosamente, por seus representantes judiciais devidamente
constituídos, à presença de Vossa Excelência, propor
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
com pedido de concessão de medida cautelar inaudita altera parte tendo por
objeto o inciso VII do art. 3º, da Lei n. 5.792, de 11 de julho de 1972, bem
como os arts. 4º e 5º, do Decreto n. 7.175, de 12 de maio de 2010, editado pelo
Excelentíssimo Senhor Presidente da República, pelas razões e fundamentos a
seguir expostos.
I – LEGITIMIDADE ATIVA
O autor é entidade legitimada a propor a presente arguição de descumprimento de
preceito fundamental, nos termos do inciso VIII, do art. 103, da Constituição
Federal de 1988, c/c o inciso I, do art. 2º, da Lei n. 9.882/99, já que é
partido político regularmente constituído perante o Tribunal Superior Eleitoral
e com representação no Congresso Nacional.
II – DISPOSITIVOS IMPUGNADOS
Esta arguição de descumprimento de preceito fundamental tem por objeto o inciso
VII, do art. 3º, da Lei n. 5.792, de 11 de julho de 1972, bem como os arts. 4º e
5º, do Decreto n. 7.175, de 12 de maio de 2010, abaixo transcritos:
a) LEI N. 5.792, DE 11 DE JULHO DE 1972:
Art. 3o Fica o Poder Executivo autorizado a constituir uma sociedade de economia
mista denominada Telecomunicações Brasileiras S/A. - TELEBRÁS, vinculada ao
Ministério das
Comunicações, com a finalidade de:
I - planejar os serviços públicos de telecomunicações, de conformidade com as
diretrizes do Ministério das Comunicações;
II - gerir a participação acionária do Governo Federal nas empresas de serviços
públicos telecomunicações do país;
III - promover medidas de coordenação e de assistência administrativa e técnica
às empresas de serviços públicos de telecomunicações e aquelas que exerçam
atividades de pesquisas ou industriais, objetivando a redução de custos
operativos, a eliminação de duplicações e, em geral a maior produtividade dos
investimentos realizados;
IV - promover a captação em fontes internas e externas, de recursos a serem
aplicados pela Sociedade ou pelas empresas de serviços públicos de
telecomunicações, na execução de
planos e projetos aprovados pelo Ministério das Comunicações;
V - promover, através de subsidiárias ou associadas, a implantação e exploração
de serviços públicos de telecomunicações, no território nacional e no exterior.
VI - promover e estimular a formação e o treinamento de pessoal especializado,
necessário às atividades das telecomunicações nacionais;
VII – executar outras atividades afins, que lhe forem atribuídas pelo Ministério
das Comunicações.
b) DECRETO N. 7.175, DE 12 DE MAIO DE 2010:
Art. 4o Para a consecução dos objetivos previstos no art. 1o, nos termos do
inciso VII do art. 3o da Lei no 5.792, de 11 de julho de 1972, caberá à
Telecomunicações Brasileiras S.A. - TELEBRÁS:
I - implementar a rede privativa de comunicação da administração pública
federal;
II - prestar apoio e suporte a políticas públicas de conexão à Internet em banda
larga para universidades, centros de pesquisa, escolas, hospitais, postos de
atendimento, telecentros
comunitários e outros pontos de interesse público;
III - prover infraestrutura e redes de suporte a serviços de telecomunicações
prestados por empresas privadas, Estados, Distrito Federal, Municípios e
entidades sem fins lucrativos; e
IV - prestar serviço de conexão à Internet em banda larga para usuários finais,
apenas e tão somente em localidades onde inexista oferta adequada daqueles
serviços.
§ 1o A TELEBRÁS exercerá suas atividades de acordo com a legislação e a
regulamentação em vigor, sujeitando-se às obrigações, deveres e condicionamentos
aplicáveis.
§ 2o Os sistemas de tecnologia de informação e comunicação destinados às
atividades previstas nos incisos I e II do caput são considerados estratégicos
para fins de contratação de bens e serviços relacionados a sua implantação,
manutenção e aperfeiçoamento.
§ 3o A implementação da rede privativa de comunicação da administração pública
federal de que trata o inciso I do caput consistirá na provisão de serviços,
infraestrutura e redes de
suporte à comunicação e transmissão de dados, na forma da legislação em vigor.
§ 4o O CGPID definirá as localidades onde inexista a oferta adequada de serviços
de conexão à Internet em banda lagra a que se refere o inciso IV do caput.
Art. 5o No cumprimento dos objetivos do PNBL, fica a TELEBRÁS autorizada a usar,
fruir, operar e manter a infraestrutura e as redes de suporte de serviços de
telecomunicações de
propriedade ou posse da administração pública federal.
Parágrafo único. Quando se tratar de ente da administração federal indireta,
inclusive empresa pública ou sociedade de economia mista controlada pela União,
o uso da infraestrutura
de que trata o caput dependerá de celebração de contrato de cessão de uso entre
a TELEBRÁS e a entidade cedente.
III – CABIMENTO E SUBSIDIARIEDADE
A ADPF, como instrumento de controle concentrado de constitucionalidade,
encontra previsão no art. 102, § 1º, da Constituição Federal de 1988,
regulamentado pela Lei n. 9.882, de 03 de dezembro de 1999.
Nos termos do art. 1º, da Lei n. 9.882/99, a ADPF terá
cabimento para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato
do Poder Público, ou quando for relevante o fundamento da controvérsia
constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal,
inclusive anteriores à Constituição.
A definição de preceito fundamental, todavia, não se encontra positivada, sendo
produto das orientações doutrinárias e da conformação dada pela jurisprudência
dessa Suprema Corte. A precisa lição de Gregório Assagra de Almeida bem
exemplifica os contornos do instituto:
“Nem todos os preceitos constitucionais são considerados
fundamentais. Para Nelson Nery e Rosa Maria Andrade Nery, os preceitos
fundamentais devem ser entendidos como os valores
fundamentais dominantes na comunidade, de sorte que podem ser apontados como
preceitos constitucionais fundamentais os relativos: ao Estado Democrático de
Direito; à soberania
nacional; à cidadania; à dignidade da pessoa humana; aos valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa; ao pluralismo político; aos direitos e garantias
constitucionais; aos direitos
sociais; à forma federativa do Estado brasileiro; à separação e independência
entre os poderes; ao voto universal, secreto, direto e periódico, etc.”
(ALMEIDA, Gregório Assagra de. Manual das Ações Constitucionais – Belo
Horizonte: Del Rey, 2007, PP. 853 e 854)."
Os dispositivos (atos do Poder Público) apontados ofendem preceitos fundamentais
da Carta Política de 1998, como o da legalidade, (art. 5º, II e art. 37, caput),
o da separação dos Poderes (art. 2º e art. 48), bem como os princípios gerais da
ordem econômica, fundada nos valores da livre iniciativa (art. 1º, IV, e art.
170, caput), da livre concorrência (art. 170, IV) e da conformação legal da
participação do Estado na economia (art. 173 e art. 175).
Além dos requisitos derivados do art. 1º e do atendimento da inicial aos
requisitos do art. 3º, exige, ainda, a disciplina da Lei n.9.882/99, em seu art.
4º, § 1º, para a propositura da ação,
demonstração de inexistência de outro meio capaz de sanar a lesividade, ou seja,
que se afigure o caráter subsidiário da ADPF.
No que respeita a este requisito, retira-se, de decisão monocrática proferida
pelo eminente Min. Ricardo Lewandowski, na ADPF 129-MC (DJ de 22/02/2008), a
correta concepção do instituto, plenamente aplicável ao caso ora apresentado:
“Cumpre registrar que o ajuizamento dessa ação
subordina-se ao princípio da subsidiariedade, de que trata o art. 4º, § 1º, da
referida Lei 9.882/99, significando que a admissibilidade da
argüição pressupõe a inexistência de outro meio juridicamente idôneo, apto a
sanar, de forma eficaz, eventual lesão à ordem constitucional causada pela norma
ou ato impugnados (ADPF
3/CE, ADPF 12/DF, ADPF 13/SP).
Sobre a aplicação do princípio da subsidiariedade e a fiscalização de
constitucionalidade do direito pré-constitucional, convém trazer à colação o
seguinte trecho do voto prolatado
pelo Ministro Gilmar Mendes, na ADPF 33/PA: "... não sendo admitida a utilização
de ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade – isto é,
não se verificando a existência de meio apto para solver a controvérsia
constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata -, há de se entender
possível a utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental.
É o que ocorre, fundamentalmente, nos casos relativos ao controle de
legitimidade do direito pré-constitucional, do direito municipal em face da
Constituição Federal e nas controvérsias
sobre direito pós-constitucional já revogado ou cujos efeitos já se exauriram.
(...)
Assim, numa primeira análise dos autos, reconheço que se afigura admissível a
utilização da presente argüição de descumprimento de preceito fundamental, sob o
aspecto do princípio da subsidiariedade, vez que a norma nela impugnada veio a
lume antes da vigência da Constituição de 1988.”
Esta ADPF objetiva levantar questionamento em face de Lei Federal editada
anteriormente à vigência da Carta Política de 1988, bem como de Decreto
Presidencial, pós-constitucional, publicado com o pretexto de lhe servir de
regulamento, que compõem um único conjunto normativo. E o fato é que,
considerada a pacífica jurisprudência da Corte, que não reconhece a
inconstitucionalidade superveniente, como bem ilustrado no julgamento da ADI 2
(Rel. Min Paulo Brossard, DJ 21.11.97), o conflito de norma pré-constitucional
com o texto em vigor da Carta Política não viabiliza aferição de
constitucionalidade por meio de ADI, sendo caso de revogação pura e simples, com
base no princípio da hierarquia das normas. Inviável a ADI,
no caso, cabível será a ação de controle concentrado subsidiária denominada ADPF.
Note-se, pois, o reforço da doutrina quanto ao cabimento da ADPF para escrutinar
não só os atos legislativos prévios à Carta Política de 1988, como também atos
de natureza secundária que configurem violações aos preceitos fundamentais:
“Basta que sejam, assim, atos estatais para a adequação da
argüição autônoma. E mais, em razão da abrangência da redação do art. 1º, caput,
da Lei n. 9.882/99, que faz alusão a
qualquer ato do Poder Público que venha a ameaçar ou causar lesão a preceito
fundamental da Constituição, é sustentado pela doutrina que a referida lei da
argüição passou a permitir o
controle objetivo da constitucionalidade inclusive das normas secundárias.
Com efeito, qualquer ato do Poder Público poderá ser objeto da argüição
autônoma, seja ele de caráter normativo, seja de caráter comissivo ou omissivo,
seja da administração pública
direta, seja da indireta.” (ALMEIDA, Gregório Assagra de. Manual das Ações
Constitucionais – Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 850)."
Não obstante, cumpre ressaltar que, entendendo essa colenda Corte que os
dispositivos assinalados do Decreto n. 7175/10 se apresentam como normas de
conteúdo autônomo e abstrato em descompasso imediato com o texto constitucional,
capazes de viabilizar o manejo da Ação Direta de Inconstitucionalidade,
aplicável se mostrará, no caso presente, o aproveitamento da presente ação com
base no princípio da fungibilidade:
QUESTÃO DE ORDEM EM ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL. PORTARIA N.º 156, DE 05.05.05, DA SECRETARIA EXECUTIVA DA FAZENDA
DO ESTADO DO PARÁ.
FIXAÇÃO PARA FINS DE ARRECADAÇÃO DE ICMS, DE NOVO VALOR DE PREÇO MÍNIMO DE
MERCADO INTERESTADUAL PARA O PRODUTO CARVÃO VEGETAL. ARTS. 150, I, II, E V, 152
E 155, § 2º, XII, i, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. O ato normativo impugnado é passível de controle concentrado de
constitucionalidade por via da ação direta.
Precedente: ADI 349, rel. Min. Marco Aurélio. Incidência, no caso do disposto no
art. 4º, § 1º, da Lei n. 9.882/99;
2. Questão de ordem resolvida com o aproveitamento do feito como ação direta de
inconstitucionalidade, ante a perfeita satisfação dos requisitos exigidos à sua
propositura (legitimidade
ativa, objeto, fundamentação e pedido), bem como relevância da situação trazida
aos autos, relativa a conflito entre dois Estados da Federação.
(ADPF-QO 72 - Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 02/12/2005).
IV - MARCO REGULATÓRIO DO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES
A moderna feição da regulação das telecomunicações no Brasil tem seu marco
inicial na promulgação da Emenda Constitucional n.8, D.O.U. de 16/08/1995, que
conferiu a seguinte redação ao inciso XI e à alínea a, do inciso XII, ambos do
art. 21, da Carta Política de 1988:
Art. 21. Compete à União:
-------------------
XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os
serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização
dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95);
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95);
A reforma do texto constitucional aboliu a exigência de que a exploração de
serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços
públicos de telecomunicações se desse diretamente pela União, ou mediante
concessão a empresas sob controle acionário estatal. Em sentido inverso à
obrigatória presença estatal, optou o constituinte reformador pela possibilidade
de prestação de serviços de telecomunicações por empresas desvinculadas do
Estado, sob o regime de concessão, permissão ou autorização, fiscalizadas e
reguladas por um órgão criado por lei.
Ressalte-se, pois, que a nova redação dos dispositivos constitucionais atribuiu
aos termos da lei a definição e organização dos serviços de telecomunicações,
bem como a criação de um órgão regulador e o disciplinamento de outros aspectos
institucionais. Lei, ressalte-se, no seu conteúdo formal e material.
Em harmonia estrita ao art. 21, da CF/88, foi editada a Lei n. 9.472, de 16 de
julho de 1997, marco regulatório que estruturou a prestação de serviços de
telecomunicações em dois regimes jurídicos, um público, em que inserido
obrigatoriamente o serviço telefônico fixo comutado destinado ao uso do público
em geral, prestado mediante concessão
ou permissão, com obrigações de universalização e de continuidade; e um privado,
prestado após obtenção de autorização.
A lei em questão, com fundamento no art. 2º, que impôs ao Poder Público, dentre
outras, as obrigações de promoção da competição e diversidade dos serviços, bem
como o fortalecimento do papel regulador do Estado, autorizou o Poder Executivo
a proceder à reestruturação e à desestatização da TELEBRÁS – Telecomunicações
Brasileiras S.A., e de suas subsidiárias, retirando o Estado da posição de
prestador de serviços de telecomunicações.
A reestruturação das empresas federais de telecomunicações, autorizada por lei,
foi materializada nos termos do que disciplinado no Decreto n. 2.546, de 14 de
abril de 1998, que serviu de base à posterior desestatização do setor, mediante
a alienação onerosa de direitos assecutórios da preponderãncia da União, direta
ou indireta, nas deliberações sociais e no poder de eleger os administradores.
Verifica-se, com base no regime jurídico criado pela EC n. 8/95 e pela lei
reguladora, que o setor de telecomunicações no Brasil encontra-se desenhado para
que empresas privadas realizem, sob a regulação do órgão mencionado no art. 21,
XI, da CF/88, no caso a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações, a
prestação dos serviços em regime público ou privado, sempre mediante um das
formas de delegação previstas, como a concessão, a permissão e a autorização.
Não há compatibilidade com o atual regime jurídico das telecomunicações,
desenhado para instrumentar um mercado regulado e competitivo, a presença do
Estado na prestação e
exploração de serviços por meio da TELEBRÁS, sociedade de economia mista cuja
desativação deve se operar com base na lei.
V – PRECEITOS FUNDAMENTAIS VIOLADOS - IMPUGNAÇÃO DOS DISPOSITIVOS ESPECÍFICOS
Os dispositivos apontados, como se demonstra na apreciação individual feita a
seguir, para fins do art. 4º, da Lei n. 9.882/99, ofendem preceitos fundamentais
justificadores de sua invalidação.
5.1. Violação aos princípios da legalidade (Inciso II, do
art. 5º, da CF/88) e da separação de Poderes (art. 2º, CF/88):
A norma do inciso VII, do art. 3º, da Lei 5.792, de 11 de julho de 1972, que ora
se questiona, confere, ao Ministério das Comunicações, delegação legislativa
para atribuir, à TELEBRÁS, dentre as finalidades que compõem o seu objeto
social, a execução de outras atividades afins.
Com base em tal prerrogativa, o caput do art. 4º do Decreto n.7.175, de 12 de
maio de 2010, acrescenta quatro atividades (incisos I a IV) às finalidades
institucionais da referida sociedade de economia mista.
Trata-se de flagrante violação aos preceitos fundamentais da legalidade e da
separação de Poderes, como será demonstrado.
Configura, igualmente, violação literal a dispositivo que declarou revogadas
todas as delegações normativas anteriores à Carta de 1988, no caso o art. 25,
caput e inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição Federal de 1988, com o seguinte teor:
Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias
da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos
os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo
competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no
que tange a:
I - ação normativa;
Não se desconhece a presença de instrumentos de delegação legislativa na
Constituição Federal de 1988, como a Medida Provisória ou a Lei Delegada. São
espécies de delegações de atribuições em que se transfere função normativa do
Poder Legislativo ao Poder Executivo e que encontram regulamentação nos arts. 62
e 68 da Lex Legum.
Porém, em face dos excessos verificados no curso da vigência da Carta pretérita,
entendeu o constituinte originário por declarar, com vigência a partir de abril
de 1989, a revogação dos dispositivos legais que atribuíssem ou delegassem ao
Poder Executivo competência assinalada pela Constituição da República ao
Congresso Nacional.
Não pode ser reputado vigente o dispositivo legal em que se funda o Decreto
editado, por conferir, a órgão do Poder Executivo, no caso o Ministério das
Comunicações, atribuição para alterar as finalidades constantes do objeto social
de uma sociedade de economia mista, a TELEBRAS, matéria sujeita à absoluta
reserva legal.
O inciso VII, do art. 3º, da Lei n. 5.792/72, ofende o preceito fundamental da
legalidade, seja na sua expressão de reserva legal, como se pode retirar do art.
5º, II, ou mesmo na sua aplicação à administração pública, como orienta o art.
37, caput, ambos da CF/88.
Importa, ademais, em afronta ao preceito fundamental da separação dos Poderes,
lapidado no art. 2º da Carta, pois afasta a intervenção do Poder Legislativo em
matéria de sua competência.
Inconteste, com base nas atribuições conferidas pela Constituição ao Congresso
Nacional, que a elaboração de normas que estruturem o setor de telecomunicações
no Brasil tem,
obrigatoriamente, que merecer a apreciação do Poder Legislativo.
O art. 21, XI, da CF/88, antes reproduzido, deixa claro que os serviços de
telecomunicações devem ser explorados nos termos da lei, que também deve dispor
sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros
aspectos institucionais.
Não bastasse tal comando, encontra-se literalmente dentre as competências do
Congresso Nacional, estabelecidas constitucionalmente pelo art. 48, não só a
aprovação de planos e
programas nacionais como o PNBL - Plano Nacional de Banda Larga, como também a
regulação das Telecomunicações, que, não pode ocorrer senão através de lei:
Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção
do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49,
51 e 52, dispor sobre todas as matérias de
competência da União, especialmente sobre:
----------------------------------------------------------------------------------------------
IV - planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento;
----------------------------------------------------------------------------------------------
XII - telecomunicações e radiodifusão. (grifo nosso)
Cotejando os dispositivos dos arts. 48, XII, 21, IV, 68, § 1º, todos da CF/88,
bem como a aplicação do disposto no art. 25, do ADCT/CF/88, a jurisprudência do
STF oferece orientação perfeitamente ajustada ao caso presente, explícitas que
são as competências do Congresso Nacional na regulação do setor de
telecomunicações:
“A Constituição Brasileira estabelece que compete ao
Congresso Nacional dispor sobre todas as matérias de competência da União,
especialmente sobre as
telecomunicações (Arts. 22, inciso IV, c/c o art. 48, inciso XII).
Além disso, a nossa Carta Magna proíbe a delegação de competência ao Poder
Executivo para editar qualquer ato normativo sobre telecomunicações (Art. 68, §
1º). E o Ato das
Disposições Constitucionais Provisórias revogou todos os dispositivos legais que
atribuíam ou delegavam a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela
Constituição ao
Congresso Nacional, especialmente no que tange a ação normativa (art. 25).” (ADI
1435-8/DF, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ de 06.08.99).
A delegação legislativa veiculada no inciso VII, do art. 3º, da Lei n.5.792/72,
conjugada ao texto do art. 4º, do Decreto n. 7.175/10, possibilita a alteração
do objeto social de uma sociedade de economia mista e a reformulação do setor de
telecomunicações por via de ato do Poder Executivo, o que resta incompatível com
a Carta Política e com as competências por esta conferidas expressamente ao
Congresso Nacional.
A TELEBRÁS é uma sociedade anônima de capital aberto, de economia mista, que
exerceu, até sua cisão parcial em maio de 1998, a função de controladora de 54
empresas concessionárias de serviços públicos de telecomunicações, sendo 27
empresas de telefonia fixa, 26 empresas de telefonia celular e uma empresa de
telefonia de longa distância.
Após o processo de sua reestruturação e a desestatização de suas controladas, a
TELEBRÁS perdeu a função de controladora. Em razão disso, deixou de possuir
ativos operacionais geradores de receitas, mantendo-se por meio de receitas
obtidas em aplicações financeiras.
Nos termos do art. 3º, da lei autorizadora, a TELEBRÁS foi estruturada para
promover, nunca diretamente, mas sempre através de subsidiárias ou associadas, a
implantação e exploração de serviços públicos de telecomunicações no território
nacional, sem prejuízo de outras atribuições voltadas para planejamento,
treinamento e suporte técnico relacionados ao setor.
Essa foi, de fato, a vontade do legislador. Quando da aprovação da Lei n.
5.792/72, alterou o projeto de lei vindo do executivo, que previa a
possibilidade de atuação direta da TELEBRÁS. O Projeto de Lei n. 3, do
Executivo, que acompanhava a EM 027/72, dispunha que a TELEBRÁS teria a
finalidade de “promover, diretamente ou através de subsidiárias, a implantação e
exploração de serviços públicos de telecomunicações, no território nacional e no
exterior”. O legislativo, porém, alterou essa redação para dizer que à TELEBRÁS
caberia
somente “promover, através de subsidiárias ou associadas, a implantação e
exploração de serviços públicos de telecomunicações, no território nacional e no
exterior”. Ou seja, desde o início estava clara a intenção do legislador quanto
ao papel que caberia à TELEBRÁS.
Trata-se, pois, de uma holding cuja função residia na coordenação de empresas
regionais prestadoras de serviços públicos de telecomunicações, mas não de uma
executora direta das referidas atividades.
Com a implantação do novo marco regulatório inaugurado com a EC n. 8/95 e a Lei
n. 9.472/97, que prevê a exploração indireta dos serviços de telecomunicações,
por meio de concessões, permissões e autorizações, mostra-se de
incompatibilidade flagrante a reativação de sociedade de economia mista, já em
processo de extinção e sem quadros funcionais capazes de operacionalizá-la, para
a execução direta de atividades e serviços em concorrência com as empresas
privadas que compõem o setor.
Atualmente, a TELEBRÁS é uma empresa em vias de extinção, cuja função é
responder pelo seu contencioso judicial, mantendo em seu quadro funcional
empregados cedidos à Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL, à
Presidência da República e aos Ministérios da Comunicação, Planejamento e
Transportes. A ampliação do objeto social da TELEBRÁS para o exercício das
atividades previstas no art. 4º, do Decreto n. 7.175/2010, a pretexto de
“reativá-la”,
reclamará um aporte de recursos públicos da ordem de R$ 3,22 bilhões de reais em
sua capitalização, conforme informações do Plano Nacional de Banda Larga - PNBL.
Mais do que simples conflito com o marco regulatório e legal do setor ou
discutível opção de política pública nas telecomunicações, a ampliação do objeto
social e a concessão de privilégios à TELEBRÁS, por via dos arts. 4º e 5º do
Decreto n. 7.175/2010, traduz-se em verdadeira afronta a preceitos fundamentais
e dispositivos constitucionais.
Não há como se afastar a compreensão de que a reinserção de uma sociedade de
economia mista, a TELEBRÁS, no ambiente econômico dos serviços de
telecomunicações, significa importante alteração no quadro da organização dos
serviços e de seus aspectos institucionais, matéria reservada à lei por literal
disposição do art. 21, XI, da CF/88.
O marco regulatório do setor é nitidamente delineado para a exploração indireta,
sob regime de delegação por concessões e permissões, a empresas privadas. O
objeto social que se pretende ampliar à TELEBRÁS engloba atividades capazes de
serem prestadas em regime de concorrência com as concessionárias privadas. Não
há dúvida que a alteração proposta em Decreto invade competência legal e exige a
participação do Congresso Nacional, por tratar-se de normas voltadas à
organização dos serviços de telecomunicações e seus aspectos institucionais.
Trata-se de afronta ao princípio da reserva legal, formal e material.
A reserva de lei, na lição de Luis Roberto Barroso, diz respeito, precisamente,
à delimitação de competências para o exercício da função de editar normas:
“Reserva de Lei, por outro lado, significa que
determinadas matérias somente poderão ser tratadas mediante lei, sendo vedado o
uso de qualquer outra espécie normativa. É uma
questão de competência.” (BARROSO, Luis Roberto. Temas de Direito Constitucional
– RJ: Renovar, 2002 – 2ª Ed. p. 168)."
A fixação do objeto social de uma sociedade de economia mista é matéria
estritamente legal, submetida ao crivo da reserva formal de lei. Ainda na
definição de Barroso:
“Haverá reserva de lei formal quando determinada matéria
só possa ser tratada por ato emanado do Poder Legislativo, mediante a adoção de
procedimento analítico ditado pela
própria Constituição, que, normalmente, incluirá iniciativa, discussão e
votação, sanção-veto, promulgação e publicação.”
(BARROSO, Luis Roberto. Temas de Direito Constitucional – RJ: Renovar, 2002 – 2ª
Ed. p. 168)."
De sua parte, dispõe o art. 37, XIX e XX, da CF-88, quanto à dependência de lei
autorizadora para a instituição de sociedade de economia mista e empresa
pública, bem como de suas subsidiárias:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a
instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação,
cabendo à lei complementar,
neste último caso, definir as áreas de sua atuação;
XX - depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias
das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a participação de
qualquer delas em
empresa privada;
A legalidade, como princípio da administração pública insculpido no caput do
art. 37, conduz à conclusão de que, inexistindo lei, não haverá atuação
administrativa legítima.
A lei autorizadora, como ensina a melhor doutrina, deve delinear os contornos do
ente a ser criado, fixando-lhe as atribuições, diga-se, seu objeto social, sem
prejuízo de outras normas, como as que delimitam a estrutura administrativa da
empresa a ser criada. Maria Sylvia Zanella Di Pietro sintetiza o entendimento:
“Finalmente, a vinculação aos fins definidos na lei
instituidora é traço comum a todas as entidades da Administração Indireta e que
diz respeito ao princípio da especialização e ao princípio da legalidade; se a
lei as criou, fixou-lhes determinado objetivo, destinou-lhes um patrimônio
afetado a esse objetivo, não pode a entidade, por sua própria vontade, usar esse
patrimônio para atender finalidade diversa.
Com relação à sociedade de economia mista, existe norma expressa nesse sentido
no art. 237 da Lei de Sociedades por Ações (...). Somente por outra lei é que
poderão ser alterados
esses objetivos. (grifo nosso).
(...)
Pela mesma razão, não pode o Executivo, por meio de ato próprio, baixar normas
dirigidas a essas entidades, conflitando com os objetivos ou com outros
elementos definidos em lei
instituidora.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 21ª Ed.
– SP: Atlas, 2008. PP. 426 e 427).
Assim dispõe o art. 237, da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976,
referenciado no excerto doutrinário:
Art. 237. A companhia de economia mista somente poderá
explorar os empreendimentos ou exercer as atividades previstas na lei que
autorizou a sua constituição.
Não se compatibiliza, portanto, com os preceitos fundamentais da legalidade e da
separação dos Poderes, a delegação contida no inciso VII, do art. 3º, da Lei n.
5.792/72 e a ampliação do objeto social da TELEBRÁS por meio do art. 4º, do
Decreto n. 7.175/10, do Poder Executivo.
Ressalte-se, ainda, que a matéria versada no art. 21, XI, da CF/88, por expressa
disposição do art. 2º, da Emenda Constitucional n. 8, de 18 1995, não pode nem
mesmo ser objeto de regulamentação por medida provisória:
Art. 2º É vedada a adoção de medida provisória para
regulamentar o disposto no inciso XI do art. 21 com a redação dada por esta
emenda constitucional.
A interpretação que se deve dar ao artigo é de que o Congresso Nacional, na
reestruturação constitucional dos serviços de telecomunicações, quis deixar
clara a preservação de sua
competência para regular o tema e a necessidade de sua prévia participação à
edição de qualquer norma estruturante do marco legal do setor, ainda que com
força de lei. Ora, se não se admite a regulação por meio de medida provisória,
não há qualquer sentido em aceitá-la por via de decreto.
5.2. Violação aos princípios da ordem econômica (art. 170,
IV, art. 173 e art. 175):
O Decreto n. 7.175/10, no que respeita aos dispositivos aqui impugnados, além de
invadir matéria reservada à lei, usurpando competência expressa do Congresso
Nacional, ofende preceitos fundamentais relacionados aos princípios gerais da
ordem econômica.
A prestação de serviços públicos, no âmbito da regulação constitucional da ordem
econômica, tem suas balizas fixadas pelo art. 175, da Carta Política:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei,
diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de
licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços
públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as
condições de caducidade,
fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado.
Já a participação do Estado na exploração direta de atividade econômica,
reclama o atendimento ao princípio da subsidiariedade, nos termos do que
positivado pelo art. 173, da CF/88, cujo trecho, no que aproveita à presente
ação, encontra-se abaixo transcrito:
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta
Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será
permitida quando necessária aos imperativos da segurança
nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de
economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de
produção ou
comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas,
inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e
tributários;
III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações,
observados os princípios da administração pública;
IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal,
com a participação de acionistas minoritários;
V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos
administradores.
§ 2º - As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar
de privilégios fiscais não extensivos às do
setor privado.
Nenhuma das atividades previstas nos incisos mencionados pode ser legitimamente
desempenhada pela TELEBRÁS. Entendidas tais atividades como parcela dos serviços
de telecomunicações, cujo marco regulatório é a Lei n. 9.472/97, a disciplina de
sua prestação, como reforça o caput e parágrafo único do art. 175 da CF/88, deve
dar-se nos termos da lei, por sua natureza de serviços públicos.
Encarados como atividades econômicas, a intervenção do Estado deverá observar o
princípio da subsidiariedade.
Não obstante poder a União executar diretamente serviços de telecomunicações,
como dispõe o art. 21, XI, da Carta Política, seu desempenho através da
TELEBRÁS, entidade da administração indireta, não pode prescindir da Lei. O
marco regulatório atual incompatibiliza-se com tal opção, por direcionar a
prestação desses serviços à exploração
por empresas privadas sob regime de concessão ou permissão. A clássica lição do
direito administrativo, igualmente, desautoriza a opção pelo decreto, uma vez
que a descentralização de serviço público para empresa criada pelo próprio ente
competente para os serviços reclama delegação por instrumento legal, no caso a
previsão na própria lei
autorizadora da criação. É o que se depreende, igualmente, da lição contida na
ADI 3.578-MC (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 24.12.2006):
“(...) Quando, isto é normal e freqüente, a lei cria uma
empresa para explorar determinados serviços públicos – (...) – não há concessão
e permissão, mas, sim, delegação legislativa de um serviço público a um ente
controlado pelo Estado e criado, especificamente, para explorar esses serviços.”
A hipótese de ampliação do objeto social da TELEBRÁS para desempenhar atividades
que se constituem como serviços públicos de telecomunicações, fora dos limites
da lei criadora, configura-se em afronta aos preceitos fundamentais da ordem
econômica e ofensa ao texto do art. 175 da CF/88. Princípio básico de
hermenêutica jurídica, aliás, não se coaduna com interpretação extensiva de
normas que confiram privilégios ou monopólios estatais, como a atribuição de
executar atividades de competência da União.
Já no que respeita ao exercício de atividade econômica pelo Estado, ao menos a
previsão contida no inciso IV configura-se em verdadeira invasão do campo
reservado ao setor privado. Prestar serviços de conexão à internet não se
confunde com os serviços públicos de telecomunicações, classificados que são
como serviços de valor adicionado, a teor do art. 61, da Lei n. 9.472/97.
A participação do Estado no exercício de atividade econômica, como demonstra o
art. 173, não pode prescindir de lei que disponha sobre as razões de segurança
nacional ou relevante interesse coletivo justificadores da intervenção, que deve
sempre ser subsidiária.
No particular, Luis Roberto Barroso ensina:
“Sem embargo, compete ao Estado, em ocasiões excepcionais,
explorar ele mesmo, ou através de empresas que constitui e controla, a atividade
econômica. Trata-se do princípio da
subsidiariedade, segundo o qual o Estado deve se abster de criar entidade para
concorrer com o setor privado fora das hipóteses de extrema relevância. O
princípio da abstenção dele
decorrente vem consagrado desde a Constituição de 1946 (...), sendo esta,
também, a inteligência do art. 173 da Constituição em vigor, que somente permite
a atuação direta do Estado na exploração de atividade econômica quando
necessária aos imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse
coletivo.
Estes, portanto, os limites balizadores traçados pelo legislador constituinte.
Não é fácil, para o intérprete constitucional, definir com precisão o que seja
segurança nacional ou relevante interesse coletivo.
Note-se que, neste particular, tal atribuição foi deferida, primeiramente, ao
legislador ordinário, ao qual sempre se reconheceu uma certa amplitude de
julgamento quanto à
conveniência e oportunidade da atividade econômica pública (...)” (grifo nosso)
(BARROSO, Luis Roberto. Temas de Direito Constitucional – RJ:
Renovar, 2002 – 2ª Ed. p. 408).
Cumpre, por fim, ressaltar que todas as atividades previstas nos incisos do
caput do art. 4º, do Decreto n. 7.715/10, poderiam ser perfeitamente
desempenhadas pelas empresas privadas que atuam no setor de telecomunicações, o
que termina por violar o princípio da livre concorrência consagrado no art. 170,
IV, da CF/88.
Não se compatibiliza, igualmente, com os preceitos fundamentais da ordem
econômica, os privilégios concedidos à TELEBRÁS pelo art. 5º, do Decreto n.
7.715/10, quanto ao uso de redes de comunicação de propriedade da administração
federal ou de entidades por ela controladas indiretamente.
Note-se, inicialmente, a vedação contida no § 1º, II e no § 2º, ambos do art.
173 da CF/88, que impedem vantagens fiscais e obrigam a companhia estatal a
sujeitar-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas. O conteúdo do art.
5º, do Decreto, desafia de maneira irremediável o princípio da livre
concorrência, positivado no § 4º, do art. 173, da CF-88:
§ 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise
à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário
dos lucros.
Em interessante artigo sobre o tema, publicado em suplemento eletrônico da
Revista do IBRAC - Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e
Comércio Internacional, Pedro Dutra expõe, com pertinência, quanto às mazelas do
referido artigo 5º:
“Essa regra cria uma situação ao que parece inédita nos
mercados de bens e serviços do País. O decreto outorga à TELEBRÁS a direção da
política comercial voltada às telecomunicações de todos os órgãos da
administração pública federal, das empresas públicas e das empresas estatais
inclusive, delas subtraindo um a prerrogativa inerente a sua atuação
ordinária. (...). Obviamente essa centralização é contrária ao regime normativo
e á boa prática da administração pública.
Contudo, esse não é o aspecto mais significativo desse dispositivo, e sim a
concentração de poder econômico que por seu intermédio é feita em mãos da
TELEBRÁS. Como se sabe, o
mercado corporativo de telecomunicações é hoje um dos segmentos mais dinâmicos e
competitivos do mercado de telecomunicações, em todo o mundo. Nesse segmento
equilibram-se o poder que detém as grandes empresas contratantes de serviços de
telecomunicações e o poder que exibem as grandes prestadoras desses serviços,
fazendo com
que a disputa entre estas últimas por atender àquelas gere uma dinâmica
concorrencial com efeitos positivos para a economia e para o consumidor. (...).
Em direção oposta a essa dinâmica concorrencial saudavelmente estimulada pela
ANATEL, cria o decreto a possibilidade de se instituir, em mãos da TELEBRÁS, um
quase
monopsônio, ao lhe conferir, singularmente, o poder de decidir qual prestadora
de serviços de telecomunicações irá atender aos órgãos da administração pública
federal, às empresas
públicas e estatais. Note-se, ainda, que haveria um entendimento, no âmbito da
atual TELEBRÁS, de que estaria dispensada de promover processo licitatório em
suas
contratações.
Não pode haver dúvida que essa situação, admitida pelo decreto, confronta o
princípio da livre concorrência estipulado na Constituição e nela objetivado nos
termos do parágrafo 4º, do
art. 173.”
(DUTRA, Pedro, in Revista do IBRAC - Instituto Brasileiro de Estudos de
Concorrência, Consumo e Comércio Internacional – suplemento eletrônico, Ano I,
Número 4, Junho de 2010, p. 12.)
O dispositivo do art. 5º, do Decreto n. 7.175/10, portanto, possibilita à
TELEBRÁS, no desempenho de atividades em regime de competição com outras
empresas privadas, usufruir de privilégios não extensivos às demais
concessionárias de serviços de telecomunicações.
A livre concorrência, como princípio constitucional, tem sua expressão política
na obrigatória isonomia de condições a todos os que desejarem competir em um
determinado mercado. O Min. Eros Grau, na clássica obra sobre a ordem econômica
na Constituição de 1988, citando Tércio Sampaio Ferraz Junior, leciona:
“De um ponto de vista político, a livre concorrência é
garantia de oportunidades iguais a todos os agentes, ou seja, é uma forma de
desconcentração de poder.” (GRAU, Eros Roberto. A
Ordem Econômica na Constituição de 1988 – SP: Malheiros, 2008 –13ª Ed. p. 211).
Afronta, pois, o art. 5º, do Decreto n. 7.175/10, os princípios da ordem
econômica conformados em preceitos fundamentais.
VI – MEDIDA CAUTELAR
A concessão de medida cautelar reclama, pelos critérios estabelecidos por essa
Suprema Corte, a verificação dos pressupostos de perigo na demora da prestação
judicial (periculum in mora), bem como da plausibilidade jurídica da
inconstitucionalidade alegada (fumus boni juris).
O fumus boni juris, pela fundamentação apresentada, encontra-se demonstrado no
corpo desta exordial, caracterizada a invasão de competência legislativa pelo
Decreto n. 7.175/10 e a não-recepção da delegação de ação normativa veiculada
pela Lei n. 5.792/72.
O periculum in mora decorre do fato de já se encontrar publicizado, no website
da TELEBRÁS, ata da 340ª Reunião Ordinária do Conselho de Administração da
companhia, em que se aprovou proposta de reforma do seu estatuto social e sua
submissão à próxima Assembléia Geral de Acionistas a ser realizada brevemente.
VII – PEDIDO
Pelo exposto, requer o arguente:
a) o deferimento da medida cautelar inaudita altera parte para, até o julgamento
do mérito da presente ADPF, suspender a eficácia do inciso VII, do art. 3º, da
Lei n. 5.792, de 11 de julho de 1972, bem como dos arts. 4º e 5º, do Decreto n.
7.175, de 12 de maio de 2010;
b) concedida esta e seguidos os trâmites previstos nos arts. 5º e 6º, da Lei n.
9.882/99, que seja esta ADPF julgada integralmente procedente para declarar a
não-recepção/revogação, do inciso VII, do art. 3º, da Lei n. 5.792, de 11 de
julho de 1972, bem como a inconstitucionalidade dos arts. 4º e 5º, do Decreto n.
7.175, de 12 de
maio de 2010.
Brasília, 13 de julho de 2010.
FABRÍCIO MENDES MEDEIROS OAB/DF 27.851
THIAGO FERNANDES BOVERIO OAB/DF 22.432
GUSTAVO GUILHERME BEZERRA KANFFER OAB/DF 20.839
ALEXANDRE SALLES STEIL OAB/ SC 9.182