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Fonte: Ethevaldo Siqueira
[04/06/10]  Agora é o fim da Anatel - por Ethevaldo Siqueira

Há um processo insidioso de destruição da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em marcha. Nos próximos dias, a agência começa a enfrentar aquele que talvez seja o mais sérios dos problemas já enfrentados em seus 12 anos de existência, que é a perda de 60 de seus funcionários mais qualificados e experientes, os quais retornarão à Telebrás, a cujo quadro funcional pertencem. Eles foram cedidos à agência em 1998, mas a Telebrás agora precisa deles para iniciar suas novas atividades.

Diversas entidades setoriais alertam para as conseqüências desse processo de esvaziamento da Anatel. Eduardo Levy, presidente do Sinditelebrasil, Sindicato das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal, declarou na quarta-feira: “Estamos realmente preocupados com o impacto dessa perda de tantos profissionais qualificados da agência reguladora. Não temos a menor dúvida de que a Anatel enfrentará sérios problemas operacionais com a perda desses profissionais. Qualquer instituição pública que estivesse na mesma situação teria grande dificuldade em continuar seu trabalho e em cumprir suas obrigações. É difícil acreditar que ninguém no governo perceba a gravidade do problema.”

Essa perda de profissionais qualificados preocupa não apenas os dirigentes da Anatel mas praticamente todo o setor de telecomunicações. No entanto, por mais surpreendente que possa parecer, não há nenhum sinal de preocupação do Ministério das Comunicações (Minicom) – ao qual estão ligadas administrativamente a Anatel e a própria Telebrás – nem, muito menos, no restante do governo.

Esvaziado e dominado por interesses políticos, o Minicom não reage contra tudo isso nem demonstra o menor interesse em defender a agência ou fazer valer sua autoridade administrativa.

Projeto de poder

A Nova Telebrás é hoje o mais ousado projeto de poder e de aparelhamento do Estado, para não dizer futuro cabidão de empregos. E, mesmo antes de começar a funcionar, essa estatal já esvazia a agência reguladora da maioria de seus bons profissionais.

Os interesses político-partidários de um ano eleitoral fazem o governo Lula mudar radicalmente as regras de encaminhamento e discussão dos grandes projetos de telecomunicações, de que é exemplo a elaboração quase secreta do Plano Nacional de Banda Larga.

Decisões e iniciativas que antes cabiam ao Ministério das Comunicações e à Anatel são tomadas hoje por outros ministérios, como o da Casa Civil e do Planejamento, ou até por assessores do presidente da República. Na prática, Rogerio Santanna tem mais força política do que o ministro das Comunicações.

E, na visão do grupo petista que comanda as mudanças, quanto menor for a capacidade de atuação da Anatel, mais problemas surgirão no setor de telecomunicações. Para esse grupo, quanto pior, melhor. O que lhe interessa é exatamente isso: torpedear a agência reguladora para desmoralizar o novo modelo institucional das telecomunicações e provar à opinião pública que a privatização “fracassou e não deu certo”. E, assim, justificar o avanço do projeto estatal.

A guerra

Lula tem feito tudo que pode para esvaziar as agências reguladoras. Chegou a dizer que elas foram criadas para “terceirizar o governo”. E tentou mudar as funções desses órgãos reguladores, enviando ao Congresso um projeto de lei, o da Lei das Agências, que nunca chegou a ser votado, por falta de consenso.

Rogerio Santanna que, por sua dedicação ao tema, ganhou a presidência da Telebrás – chama a estatal de Fênix, a ave mitológica que renascia das cinzas. E diz, triunfante e irônico: “É só a Fênix bater as asas e as teles abaixam um pouco mais seus preços nas negociações com o governo federal”.

Será verdade? A prova de fogo dessa afirmativa seria abrir uma concorrência nacional entre as teles e a Nova Telebrás para prestar os mais avançados serviços de telecomunicações ao governo federal, com as mesmas alíquotas de impostos e as mesmas regras para todas. É óbvio que quanto maior for a competição, menores serão os preços. Mas sem reserva de mercado, sem subsídios, em favor de nenhuma operadora – seja estatal ou privada.

O que preocupa os investidores privados, a rigor, não é a competição, mas os possíveis privilégios que se insinuam em favor da Telebrás. Como comparar e julgar o desempenho das operadoras se as regras e condições não forem iguais?

Em síntese, não se pode dispensar a Telebrás de fazer licitações para conquistar os clientes governamentais, ou para a aquisição de equipamentos para obras de infraestrutura. Se isso ocorrer, fica comprometida a isonomia no setor.

Órgão essencial

Em todo o mundo, a privatização de serviços públicos estatais traz grandes desafios. O maior deles é, sem dúvida, a definição do papel das agências reguladoras. No velho regime de monopólio da Telebrás, o governo dava outorgas, operava e regulava a si mesmo. Era o incesto administrativo total. Num ambiente privatizado, o País precisa contar com uma agência altamente qualificada, imune aos interesses político-partidários e do próprio governo.

O maior problema do País no setor de Comunicações ultrapassa de muito a questão da agência reguladora. É a finalização do processo de reestruturação da legislação das Comunicações, paralisado desde 1999.

De lá para cá, o Brasil tem convivido com uma legislação setorial heterogênea, uma verdadeira colcha de retalhos, com áreas modernas, como a das telecomunicações (com a Lei Geral de Telecomunicações, de 1997) e áreas obsoletas, como a radiodifusão, ainda regida por um capítulo do velho Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117, de 1962) e até decretos da ditadura.

Na era Lula, ou seja, de 2003 até hoje, a Anatel tem vivido um constante retrocesso. São quase oito anos de esvaziamento e desprofissionalização da agência. Num primeiro momento, a desfaçatez chegou a ponto de cada novo diretor-conselheiro da agência ser indicado por sindicalistas CUT e com motivação claramente político-partidária. Depois o processo se tornou mais aberto, com a indicação de candidatos pela base partidária do governo, com Sarney à frente.

Sardenberg era esperança

Um fio de esperança surgiu com a escolha presidente da Anatel, embaixador Ronaldo Sardenberg, sinalizando uma possível mudança de orientação do governo Lula, no sentido de uma valorização das agências em geral, de elevação do nível profissional de seus dirigentes e servidores.

Doce ilusão. O loteamento político da agência continuou até hoje. Isso demonstra, também, a incompreensão do modelo da Anatel tem sua explicação no fato de os governos brasileiros não estarem acostumados com esse tipo instituição, que, para o Poder Executivo e do Legislativo não deveria ser uma repartição pública como qualquer outra.

O caso FCC

Os Estados Unidos viveram mais de 90 anos de hegemonia de uma operadora privada, a AT&T, do final do século 19 até 1982. Mas, a partir de 1934, a grande operadora – que era capaz até de eleger representantes no Congresso e tinha um poder de pressão enorme – foi disciplinada e contida com a criação da agência reguladora das Comunicações (FCC, sigla de Federal Communications Commission). A AT&T continuou a operar num regime de quase-monopólio privado, regulado e controlado pela agência. Imaginem a força que deveria ter uma agência reguladora para cumprir tal missão, num ambiente de quase-monopólio como era o vigente nos Estados Unidos, até 1982.

O sonho acabou

No Brasil, não vigora nenhum monopólio privado de telecomunicações. O que a maioria dos políticos e dirigentes ainda não compreendeu é que uma agência reguladora não é um órgão de governo, mas de Estado. Seu papel é regulamentar serviços dentro dos limites da lei, fiscalizar o cumprimento dos contratos de concessão e implementar políticas públicas, estimular a competição, a universalização e a elevação da qualidade dos serviços em função dos interesses do País e do cidadão.

É esse papel essencial que a Anatel deveria exercer, mas que o País ainda não compreendeu. Nos primeiros anos da agência, entretanto, prevaleceu o profissionalismo do primeiro escalão de conselheiros-diretores, como a diretoria comandada por Renato Guerreiro, fato reconhecido pela maioria esmagadora dos analistas, investidores, operadores e fabricantes.

O projeto original da Anatel era esse, com diretores-conselheiros, profissionais, especialistas e independentes, indicados e escolhidos sem barganhas e sem a interferência de Sarney, CUT, Collor, ACM, Renan Calheiros, partidos da base ou da oposição.