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Fonte: Teleco
[08/03/10]
Populismo
Digital pode funcionar? - por Luciano Costa
Luciano Costa é Advogado e Especialista em Regulação de
Telecomunicações pela Universidade de Brasília – UnB, Mestre em Regulação pela
London School of Economics (LSE). Atuou como advogado em grande escritório nas
áreas de Direito das Telecomunicações e Defesa da Concorrência, e como Gerente
Jurídico da área Regulatória e Concorrencial de uma grande operadora de
telecomunicações em São Paulo. Atualmente é Sócio de Caldas Pereira Advogados,
atuando em São Paulo e Brasília. Email:
luciano.costa@caldaspereira.adv.br
O Plano Nacional de Banda Larga está no centro das atenções do setor de
telecomunicações, especialmente agora que deixou de ser um conjunto de idéias de
alguns membros do Governo e ganhou o status oficial de projeto estruturante,
chancelado pelo Presidente Lula. Não há nenhuma dúvida de que o País precisa de
uma política consistente e explícita no sentido de incrementar o acesso em alta
velocidade à Internet, levando-o a comunidades que hoje mal têm acesso
telefônico.
No entanto, é difícil acreditar que o que vem sendo apontado como a espinha
dorsal do PNBL, a recriação da Telebrás com base na rede de fibras óticas da
Eletronet, tenha grande utilidade na consecução dessa tarefa. Não vamos aqui
tratar do provável retrocesso que seria termos novamente uma empresa estatal no
setor. Tampouco das especulações financeiras e uso político que, mesmo com a
iniciativa ainda no papel, já fazem parte do dia-a-dia da proposta. Queremos, em
verdade, aproveitar para sugerir uma outra forma de ver o Plano Nacional de
Banda Larga e determinados atores cujo papel, ao menos nas discussões que temos
presenciado, tem sido negligenciado.
É certo que não há como descolar o acesso à Internet de um projeto maior de
inclusão digital, que englobe também as estruturas físicas e recursos humanos
capazes de fazer com que o acesso à Internet seja efetivamente útil. Banda larga
não é energia elétrica. Simplesmente entregar acesso à Internet sem que haja uma
estrutura – física e de pessoal – capaz de transformar o acesso em real
benefício para as cidades atendidas pode ser um esforço vazio. Estamos falando
de computadores nas escolas, hospitais e repartições públicas; conteúdo
específico que atenda às necessidades das comunidades; treinamento de
professores, profissionais de saúde, gestores municipais e estaduais, e por aí
vai. Sem essa perna, o PNBL fica manco.
Nesse sentido, além da iniciativa federal, devem necessariamente participar do
projeto governos estaduais e municipais, cada qual enfrentando seus
correspondentes desafios no que tange à massificação do acesso banda larga. Vale
destacar, por exemplo, a desoneração tributária promovida pelo Governo de São
Paulo para banda larga popular, que deve permitir a oferta de conexão de até 1
Mega por preços consideravelmente mais baixos. Igualmente, as ações relacionadas
às Cidades Digitais, em municípios de vários portes em todo o País, que estão
deixando de ser projetos experimentais e isolados para se tornarem uma realidade
capaz de transformar a gestão municipal e levar as facilidades do mundo digital
a um número cada vez maior de pessoas.
É necessário, porém, a coordenação de todas essas ações e parece-nos que o plano
federal deveria cumprir esse papel. Ou seja, funcionar muito mais como um
instrumento de coordenação do que de execução. Até mesmo porque as redes da
Eletronet, por exemplo, podem ser úteis para a construção de um backbone para
banda larga – que, aliás, já existe – mas terão pouca ou nenhuma utilidade na
parte mais problemática do acesso, que é a última milha. Assim, o foco do PNBL
deveria ser buscar maneiras de lidar com temas mais relevantes, como por exemplo
a altíssima carga tributária que incide sobre serviços de telecomunicações e a
dificuldade em implementar a última milha para levar ao usuário final o acesso à
Internet em alta velocidade.
Por isso é que só uma atuação coordenada dos três níveis da Federação será capaz
de viabilizar um projeto real de massificação da banda larga. Em termos
jurídicos, por exemplo, somente a União – constitucionalmente competente para
legislar sobre telecomunicações – tem condições de trabalhar em um arcabouço
jurídico-regulatório mais moderno, capaz de fomentar o crescimento da banda
larga, utilizando a sua estrutura administrativa e exercendo o comando
necessário para capitanear essa discussão e promover o modelo que lhe parecer
mais adequado. Particularmente, entendo que as prestadoras de serviços de
telecomunicações – especialmente as concessionárias, com sua altíssima
capacidade de investimento – são atores essenciais nesse processo.
Por sua vez, o grave problema fiscal só pode ser enfrentado em cooperação com os
governos estaduais. A eles cabe estabelecer incentivos e programas capazes de
reduzir a carga tributária sobre o acesso banda larga, com efetiva contrapartida
das operadoras, de modo a que a população seja efetivamente beneficiada com tal
renúncia. Além, é claro, de poderem contribuir com a construção de
infra-estruturas locais, até mesmo para atendimento de suas próprias
necessidades administrativas.
Por fim, não há melhor ente público para atuar no que se refere à “última milha”
do que o Município. Um dos relevantes custos na implantação das redes locais
está relacionado às obras de engenharia necessárias e, no que tange a tais
obras, as posturas municipais são as que devem ser observadas. Facilitar a
implantação de infra-estrutura é um papel importante dos municípios, que devem
estabelecer instrumentos para reduzir o tempo e o custo destas empreitadas.
Ainda, também os municípios são os mais capazes de estimular o uso eficiente de
tais infra-estruturas, fomentando, por meio de políticas locais direcionadas, o
compartilhamento de dutos, antenas, centrais etc.. Aliás, as várias iniciativas
de cidades digitais já existentes são testemunha da capacidade dos Municípios
de, mesmo com recursos limitados, implementar redes de acesso à Internet para
seus cidadãos.
O populismo digital do título, na verdade, deve ter conotação positiva.
Transformar a banda larga em plataforma política em todos os níveis de governo
certamente dará um bom impulso para a iniciativa. Mas, para que os projetos se
tornem realidade, com a utilização eficiente de todos os recursos disponíveis,
públicos e privados, a coordenação entre as diferentes esferas públicas é
fundamental. E, como proposição geral, o processo de implementação deve ocorrer
“de dentro para fora”, do local para o nacional, pois são as próprias
comunidades hoje mal atendidas que são capazes de identificar suas necessidades
e capacidades.