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Fonte: Site de Ethevaldo Siqueira e Blog do Ethevaldo no
Estadão
[26/03/10] O
verdadeiro papel do Estado - por Ethevaldo Siqueira
Há dois grupos de defensores da presença do Estado como operador dos serviços de
telecomunicações no Brasil. Um deles acredita, sinceramente, que a empresa
estatal trabalha em favor de toda a sociedade, em especial dos mais pobres, que
pode acelerar o processo de inclusão digital e social. Outro grupo quer usar as
estatais como plataformas de poder, de empreguismo e aparelhamento do Estado.
Só tenho respeito pelo primeiro grupo. Conheço muitos idealistas que acreditam,
sinceramente, na empresa estatal. É a eles que me dirijo. Na opinião deles, as
operadoras de telecomunicações, ou seja, as teles, deveriam levar a banda larga
até as regiões mais pobres, atendendo a todos os cidadãos deste País, mesmo sem
nenhuma perspectiva de lucro.
Essas pessoas esquecem de que, em qualquer país do mundo, a empresa privada não
é instituição filantrópica nem casa de caridade. Aqui, como lá fora, ela busca
lucro. E nessa busca do lucro não há nenhum pecado, desde que seja feita dentro
dos limites da lei, da constituição e das regras estabelecidas pelos contratos
de concessão.
O problema surge quando o governo quer levar serviços de caráter essencialmente
social a regiões mais pobres, em que o serviço é deficitário. Que fazer? Nesse
caso, deve formular políticas públicas, buscar novos modelos, criar estímulos e
investir recursos de fundos para os quais todos nós contribuímos exatamente com
essa finalidade, a começar do Fundo de Universalização dos Serviços de
Telecomunicações (Fust). No caso brasileiro, entretanto, é o próprio governo que
desvia e confisca esses recursos, para fazer superávit fiscal.
Importância do Estado
Ninguém duvida da importância do papel do Estado no mundo atual, em especial
diante dos serviços públicos privatizados. Em lugar de se retroceder,
transformar-se em empresário, investidor direto e prestador de serviços ao
cidadão, o Estado deve exercer papel muito mais relevante e nobre.
Qual é esse nobre papel do Estado? Cabe-lhe, acima de tudo, formular políticas
públicas, fiscalizar, exigir o cumprimento dos contratos de concessão, a
prestação de bons serviços, impor penas e multas e até cassar licenças, se uma
empresa privada não cumprir seu compromisso legal firmado naqueles contratos.
Os governos que representam o Estado brasileiro, no entanto, têm sido,
tradicionalmente, frouxos no cumprimento de seus deveres e seu papel social.
Quando não são omissos, passam a ser demagógicos, populistas e, em muitos casos,
corruptos.
Aliás, na maioria dos casos, os maus serviços indicam omissão da ação do Estado.
Assim, num modelo privatizado como o das telecomunicações, se uma tele ou
qualquer concessionária presta, reiteradamente, maus serviços, a culpa é, sim,
do governo, que deixou de cumprir seu papel essencial de fiscalizar, por
intermédio da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), do Ministério das
Comunicações, do Ministério Público, da Justiça em geral. Em lugar de
enfraquecer e desprofissionalizar essa e as demais agências reguladoras, os
governos devem fortalecê-las e despolitizá-las.
Quem tem saudade da Telebrás?
Diante de maus serviços das operadoras privadas, o maior equívoco é estatizar os
serviços. É como pular da frigideira para cair no fogo. No entanto, muita gente
tem a ilusão de que os serviços estatizados serão bons. Ledo engano. Veja,
leitor, como são os serviços públicos estatizados no Brasil. Quem está
satisfeito com a maioria dos serviços estatais deste País?
Propor a volta da Telebrás como solução para melhorar e universalizar os
serviços de banda larga é ignorar a história da própria empresa estatal neste
País. Muita gente jovem não se lembra do que era a telefonia estatal, até 1998.
Naquela época, não tínhamos telefones, nem banda larga, nem internet, nem
celular. O plano de expansão custava uma forturna – de US$ 1 mil a US$ 3 mil –,
prometia entregar uma linha telefônica em 24 meses e quase nunca o fazia nesse
prazo.
É um contra-senso propor a volta da Telebrás sem lembrar de que o telefone na
época da estatal era um bem elitista, que só estava ao alcance da classe A e de
parte da classe B. Naquela época, telefone era um bem raro, que se arrolava nos
testamentos, na relação de bens da declaração do Imposto de Renda, que era
comercializado no mercado paralelo até por US$ 10 mil, como ocorreu com linhas
telefônicas vendidas em Alphaville, em 1991. Alguém poderia ter saudade daqueles
tempos?
E mais: os serviços telefônicos podiam ser da pior qualidade que a
concessionária não era punida. Aliás, governo não pune governo. Quem se lembra
dos serviços da Telerj – um dos piores serviços telefônicos do mundo?
Quem fala em universalizar a banda larga via Telebrás – levando esse bem
precioso e estratégico do século 21 a todos os cidadãos, até nas regiões mais
remotas e carentes – certamente não se lembra de que aquela estatal nunca nos
assegurou uma oferta maior do que 14 telefones para cada 100 habitantes. Hoje o
Brasil dispõe de 114 telefones por 100 habitantes. Isso não quer dizer que as
teles privatizadas sejam uma maravilha, não. O melhor exemplo de aspecto
insatisfatório é o da banda larga que temos hoje, que não é larga, é cara e
escassa, pois só alcança 7% da população.
Diante desse quadro, no entanto, é bom lembrar que, na atual legislação
brasileira, a banda larga não é considerada um serviço público, não tem metas de
universalização e não faz parte dos contratos de concessão das teles. Isso
demonstra mais uma vez a omissão do governo, a falta de políticas públicas e a
importância de uma atualização do ambiente institucional das comunicações
brasileiras.
A calamidade estatal
Quem acha que o Estado pode ser a resposta aos maus serviços de concessionárias
privadas talvez não tenha parado para pensar um pouco mais seriamente no que são
os nossos serviços públicos estatizados. Faça um teste comigo, leitor. Que acha
dos serviços de saúde pública? Qual é a qualidade do ensino em nossas escolas
públicas? Como estão nossas estradas federais? Que pensa da segurança pública no
Brasil? Como está nossa Previdência Social? Que acha da Justiça brasileira?
Que fazer diante dessas calamidades? A quem reclamar? Vá ao Procon e tente
reclamar contra os maus serviços estatizados. O Procon no Brasil é chapa branca.
Só se dispõe a defender-nos contra os maus serviços de empresas privadas. Ainda
bem que, nessa área, presta um bom serviço, mesmo com alguma demagogia.
Ao propor a volta da Telebrás, o governo Lula não percebe que, no novo modelo
institucional, o Estado tem um papel muito mais relevante e nobre do que o de
operador ou gestor de qualquer rede. Cabe-lhe regular, fixar normas, formular
políticas públicas, elaborar programas, estabelecer metas e objetivos,
supervisionar, fiscalizar e agir proativamente no tocante à confiabilidade e à
qualidade dos serviços, utilizar intensamente as novas tecnologias e a
infra-estrutura existente, visando à implementação do governo eletrônico,
estimular as empresas privadas a inovar e a investir permanentemente em pesquisa
e desenvolvimento, negociar e conduzir parcerias público-privadas, com a
participação de todas as empresas operadoras.
Muito mais sentido terão no Brasil de hoje as parcerias público-privadas (PPPs),
como foi feito, aliás, no programa Luz para Todos, do próprio governo Lula. Em
banda larga, com muito mais razão, o grande caminho é outra PPP. Mas o governo
está comprometido em abrir mais espaço para aparelhamento do Estado, e a
reativação da Telebrás, num ano eleitoral, seduz o PT e os partidos fisiológicos
que integram a base governista. Essa é a proposta do projeto de banda larga que
temos hoje.