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Fonte: Revista Teletime
[Mar 2010] Depois
da tsunami - por Samuel Possebon
A convergência entre dois setores no mundo das telecomunicações é um fenômeno
cada vez mais comum, mas raramente se torna tão evidente, em tão pouco tempo, e
com consequências tão drásticas quanto o casamento entre a Internet e o celular.
Isto ficou evidenciado em fevereiro, durante o Mobile World Congress, o
principal evento de telefonia móvel do mundo, realizado em Barcelona, Espanha. O
que se viu foi a demonstração definitiva de que mobilidade e Internet são, hoje,
uma coisa só. Não se discute mais banda larga sem falar do imenso universo
móvel, com os mais de 4 bilhões de usuários de celular atuais e outros bilhões
de conexões que virão com a integração móvel de dispositivos. E não se fala mais
em mobilidade sem pensá-la como parte desta nova Internet. Os desafios em tal
cenário, que se tornou realidade em menos de três anos, é que o modelo de
negócio das operadoras móveis está sendo forçado a uma revisão radical, assim
como o das empresas de Internet. Além disso, a infraestrutura de redes está
sendo forçada ao limite, e a questão da padronização de handsets e aplicativos
impõe-se como um problema novo que praticamente não existiu no mundo da Internet
fixa.
A frase que talvez melhor sintetize esse momento da indústria de mobilidade e da
banda larga é de Eric Schmidt, CEO do Google e um dos principais palestrantes do
Mobile World Congress: “Atualmente, a mobilidade é a nossa prioridade número
um”, disse Schmidt a uma plateia de operadores e fornecedores de
telecomunicações apreensivos e curiosos para entender os impactos que esse
movimento teria. Os números para mostrar o tamanho desta convergência entre
banda larga e mobilidade são cada vez maiores e mais impressionantes. Para Hans
Vestberg, CEO mundial da Ericsson, em 2020 é possível que haja 50 bilhões de
dispositivos conectados, considerando pessoas e máquinas. Em cinco anos a partir
de 2010, diz Vestberg, as conexões via PC serão multiplicadas por seis e o
tráfego de dados será multiplicado por 50. Já o mercado de smartphones deve
crescer quatro vezes no período e o tráfego de dados nas redes móveis será
multiplicado por 25. “Por isso, o foco tem que ser na rede”, diz. “É preciso
diminuir o intervalo entre os ciclos de investimento, pois em alguns mercados a
penetração dos dispositivos móveis logo chegará aos 500%”. Para o presidente da
Ericsson, tudo estará conectado a redes móveis no futuro, assim como hoje tudo
está conectado à rede elétrica.
No mais recente levantamento da Cisco em seu painel Visual Networking Index (VNI)
Global Mobile Data Forecast para 2014 (ver gráficos), projeta-se que o tráfego
de dados chegará a 3,6 exabytes ao mês e 40 exabytes ao ano até 2014. O número é
39% maior que o registrado em 2009, com taxa de crescimento média de 108% ao
ano. Os maiores impulsionadores devem ser os serviços de vídeo em redes móveis,
que devem representar 66% do tráfego até 2014. O tráfego machine-to-machine
segue na mesma linha de crescimento e terá forte impacto sobre as redes. O
tráfego de dados móveis, segundo o levantamento da Cisco, cresce 2,4 vezes mais
rápido que o fixo, e os modems USB e smartphones devem representar nada menos do
que 90% do tráfego de dados móveis do mundo em 2014, com 400 milhões de pessoas
que só terão acesso à Internet por redes móveis. As estimativas de crescimento
do tráfego de dados por ano apontam para uma maior intensidade no Oriente Médio,
com 133%, seguido da região Ásia-Pacífico (119% ao ano), América do Norte (117%
ao ano) e América Latina (111% ao ano).
Plataformas conectadas
O marco do início desta convergência se deu com o lançamento do iPhone, em
janeiro de 2007. Muito tempo antes, os celulares já eram capazes de acessar a
Internet, mas foi com o iPhone da Apple que ficou evidente que aquilo seria tão
importante para os usuários como a simples função de falar, desde que se desse a
interface certa com os aplicativos desejados. De lá para cá, todos os grandes
fabricantes de handsets seguiram o mesmo caminho da Apple, mas esse ano um novo
fenômeno ganhou corpo: os sistemas operacionais dos celulares passaram a exigir,
para funcionar de maneira plena, conexão permanente à Internet.
Plataformas como a recém lançada Bada, da Samsung, ou o Windows Phone 7, da
Microsoft (que chega ao mercado em dezembro), ambas anunciadas em Barcelona, têm
boa parte de suas funções mais inovadoras vinculada a uma conexão “always on”,
seja para a integração com redes sociais, atualização permanente da lista de
contatos ou para permitir que diferentes aplicativos sejam atualizados
permanentemente “na nuvem”. Além disso, o evento em Barcelona foi palco de pelo
menos duas dezenas de lançamentos de celulares e outros dispositivos como
smartbooks com a plataforma Android, do Google. O Android também tem um elevado
grau de integração com a Internet, até porque é dessas informações enviadas para
a nuvem que o Google depende para ampliar sua principal fonte de receitas: a
venda de publicidade.
Esses novos sistemas operacionais, por outro lado, estão forçando os celulares a
virem com configurações de hardware cada vez mais “consistentes”, nas palavras
do CEO da Microsoft, Steve Ballmer, que também esteve em Barcelona para lançar
seu Windows Phone 7. “Quando dizemos que os fabricantes e operadores precisarão
atuar mais consistentemente, lembro-me do exemplo do lançamento do Windows. Em
relação ao DOS, o Windows precisou de muito mais consistência dos fornecedores
de hardware”, disse o CEO.
Talvez por conta dessa “consistência” é que o mundo dos handsets esteja se
tornando o mundo dos smartphones, com celulares com grande capacidade de
processamento e execução de aplicativos chegando aos segmentos de baixa e média
renda também. Lu Yumin, vice presidente da China Unicom, a segunda maior
operadora chinesa, afirmou que uma das prioridades da empresa é entregar
smartphones de baixo custo a seus clientes. A China Unicom fala em celulares de
até US$ 150 com plena capacidade de acesso à Internet e ferramentas de
produtividade.
Duas grandes fabricantes chinesas de equipamento, aliás, estão apostando alto
nesse mercado. Huawei e ZTE anunciaram, durante o Mobile World Congress,
smartphones mirando essa faixa de preço, sendo que a ZTE anunciou também um
grande contrato com a Telefônica para fornecer equipamentos para a Movistar na
América Latina. “Nossa estratégia é ampliar muito nossa presença com celulares e
smartphones no Brasil também”, disse Wu Zengqi, vice-presidente sênior para a
América Latina.
Os smartphones tendem a ficar mais baratos até porque, na sua faixa de preço,
estão entrando os dispositivos como smartbooks e tablets, que rodam os mesmos
sistemas operacionais e com configurações de hardware muito próximas, mas com
mais funcionalidades. Por exemplo, um dos principais chips de processamento no
mercado hoje é o Snapdragon, da Qualcomm, que estará embarcado em mais de uma
dezena de smartbooks até o final do ano e é, ao mesmo tempo, o chipset
preferencial da Microsoft para celulares que tenham o Windows Phone 7 como
sistema operacional.
Padrões de uso
O que aparentemente todos os operadores móveis estão descobrindo é que os seus
usuários de Internet fazem, quando conectados por um telefone, as mesmas coisas
que fariam se estivessem conectados à banda larga “tradicional”. Ou seja, não
existem diferenças fundamentais entre a Internet móvel ou fixa. O que significa,
em curto prazo, consumir vídeos, muitos vídeos, o que pressionará ainda mais a
rede. Segundo Robert Conway, presidente da GSM Association, algumas análises da
iniciativa Mobile Media Metrics, que há dois anos é conduzida no Reino Unido e
que consolida e analisa informações de todas as operadoras inglesas, mostra
exatamente essa similaridade de comportamentos.
Segundo os dados da Mobile Media Metrics, apenas em janeiro foram cerca de 19
milhões de usuários únicos acessando a Internet por redes móveis, e o padrão de
comportamento é um misto entre o que se vê na web fixa e entre os serviços
oferecidos pelas próprias operadoras, o que mostra que há espaço para que elas
possam explorar e ter receita com a audiência móvel. O site Facebook conseguiu
6,3 milhões desses usuários, seguido pelos sites do Google (5,9 milhões), as
páginas da Vodafone (3,6 milhões de usuários), os sites da Orange (3,5 milhões),
os serviços da O2/Telefônica (3,5 milhões) e depois retornando aos sites de
massa, como Yahoo, BBC, Apple, Microsoft e Nokia.
Para Conway, “2010 é o ano dos desenvolvedores de aplicativos para Internet
móvel”, o que se evidencia pelo rápido crescimento das lojas de aplicativos e
com as crescentes oportunidades de receitas que surgem com a venda desses
conteúdos e com a publicidade que pode ser gerada a partir desse ambiente, assim
como hoje a publicidade na Internet é a que mais cresce. A similaridade entre a
web móvel e fixa também aparece nos dados do Opera, principal browser para
aparelhos móveis. Segundo Christen Krogh, chief development officer da Opera,
“se existe uma lição a ser tirada, é que o comportamento do usuário em uma rede
móvel é muito parecido com o que ele tem quando conectado a uma rede fixa”, e
que mesmo em aparelhos que não sejam iPhone ou Android, haverá uso intenso da
rede de dados se a operadora estimular com pacotes e explicar ao usuário que ele
pode se conectar por aquele dispositivo. No mês de janeiro, segundo o
levantamento feito com base nos browser Opera, houve mais de 50 milhões de
usuários ativos de Internet com o Opera que acessaram 23 bilhões de páginas, “e
o perfil de comportamento e sites mais visitados por meio do browser para
celulares é impressionantemente similar ao comportamento nos browsers para
computador”, diz Krogh.
Gargalos e investimentos
O grande problema que todos os grandes operadores do mundo estão enfrentando em
função do casamento entre banda larga e mobilidade é que as redes estão se
mostrando insuficientes para o tráfego gerado. Não houve casos de colapsos
completos, mas muitas empresas, inclusive no Brasil, tiveram que retardar ou
suspender a oferta de pacotes de dados. As operadoras ainda tentam ser discretas
em admitir que existe um grande problema. Já os fornecedores, interessados em
estimular mais investimentos em rede, carregam a questão com cores mais fortes.
A Huawei, nas palavras de Guo Ping, chief strategy officer da empresa, resume o
problema. “O tráfego de dados vai crescer 2.000% nos próximos anos. As
operadoras podem aumentar a capacidade com LTE, com mais espectro e com maior
densidade de células”, disse, deixando claro que ainda faltará metade do
problema a ser resolvido, o que depende de mais investimentos. Para Rajeev Suri,
presidente da Nokia Siemens Network, o cenário é ainda mais preocupante para as
operadoras: “Smartphones são apenas o começo de um problema maior”, disse Suri.
“Com os smart devices, o que envolve os tablets e os sistemas M2M, o tráfego de
dados nas redes vai explodir. As redes não conseguirão adicionar capacidade
pelos custos atuais. Simplesmente não vai funcionar”. Segundo Suri, “o iceberg
está vindo e não se sabe o quanto dele está para baixo da água. Nós estimamos
que em 2015 o tráfego de voz terá crescido 50%, o tráfego de dados em laptops
crescerá 1.000% e o tráfego de dados em smart devices terá crescido 10.000%.
Somando laptops e smart devices, serão 23 exabytes por ano de tráfego”, diz.
Para a Nokia Siemens, o problema dos operadores é que o crescimento das receitas
com dados não segue a mesma proporção. “As receitas crescem três ou quatro vezes
no mesmo período”.
O ano de 2009 foi especialmente ruim para os grandes fornecedores de
telecomunicações, sobretudo para os europeus, e a grande aposta que todos eles
fazem é justamente na necessidade de atualização da rede das operadoras móveis,
gerando grandes encomendas. Hans Vestberg, CEO da Ericsson, ao ser questionado
por esta reportagem se via na evolução das redes móveis para LTE e HSPA+ uma
perspectiva para ampliação de margem, respondeu que tudo isso vai depender da
escala das encomendas, mas deixou claro que essa é, de fato, a aposta da empresa
para recuperar o terreno perdido na migração para a terceira geração, sobretudo
para os fabricantes chineses.
Uma das operadoras que sentiu na pele mais cedo os efeitos colaterais de um
explosivo aumento de tráfego de dados foi a AT&T, nos EUA. Por ter sido a
primeira operadora do mundo a ter o iPhone (e ainda hoje a única em território
americano), a explosão de dados gerada pelo uso do smartphone da Apple foi
exponencial (ver gráfico). Segundo John Donovan, CTO da AT&T, todo o esforço
compensa porque o iPhone gerou um crescimento muito significativo na receita
média por usuário. A estratégia será, daqui para frente, investir na ampliação
da capacidade e tentar reduzir o tráfego na rede móvel. “Temos que acelerar a
transformação de nossa rede e precisamos ter isso em muita colaboração com quem
estiver mais pronto”, disse, ao explicar as razões que fizeram a AT&T escolher a
Ericsson e a Alcatel Lucent para a construção da sua rede LTE. Ele lembrou que a
pressão sobre as redes de dados vem de todos os serviços, e não apenas da
telefonia celular. “Tínhamos 20 milhões de conexões nas nossas redes WiFi em
2008, e tivemos isso apenas em janeiro deste ano”. Este ano, em Barcelona, todos
os grandes fornecedores enfatizaram não apenas as soluções para HSPA+ e LTE,
como formas de desafogar o acesso móvel, mas também soluções para backhaul, que
foi, aliás, um dos temas mais recorrentes no congresso.
Novos modelos
Mais do que uma pressão sobre as redes, a convergência entre a banda larga e a
mobilidade tem colocado uma pressão ainda maior sobre o modelo de negócios das
operadoras. Tradicionalmente, voz se cobra por minuto ou por chamada. Mas na
Internet, o que predomina é o modelo “all you can eat”, baseado em uma tarifa
fixa com direito a consumo livre. Só que esse modelo, em redes móveis, não dá
certo, justamente por conta da incapacidade da rede de atender a demanda.
Para o CEO da Alcatel-Lucent, Ben Verwaayen, é necessário “construir uma nova
cadeia de valor que seja aberta, mas que apresente modelos de negócios viáveis”.
Ele lembra que a questão da banda larga é tão crítica que é um dos poucos casos
em que os governos estão tomando ações de estabelecer políticas públicas muito
antes de os usuários demandarem isso.
Segundo Tadashi Onodera, presidente da KDDI, existe uma pressão muito forte
sobre a infraestrutura da empresa em função da banda larga móvel e por isso ela
decidiu migrar rapidamente para o LTE, como forma de tornar a sua plataforma
totalmente IP. Mas Onodera disse que existem também outras alternativas de
aliviar o tráfego nas redes: construir redes WiFi, adotar femtocélulas em alguns
pontos e colocar redes WiMax de maior alcance em algumas regiões, onde houver
espectro disponível. “O tráfego de dados se tornou a nossa maior dor de cabeça,
e com o modelo de flat fee, que é inevitável, a pressão ficou ainda maior”, diz
o executivo japonês. “O que sabemos é que as pessoas utilizam muito a banda
larga do celular à noite, quando estão em casa, então podemos compensar essa
demanda com redes alternativas”.
Donovan, da AT&T, também acredita que seja possível aliviar o tráfego de dados
na rede se os fabricantes de handsets e sistemas operacionais de smartphones se
preocuparem em cortar o tráfego desnecessário entre o celular e a rede. Isso
porque, muitas vezes, o fato de o telefone ter determinada função faz com que
ele fique, em vários momentos, simplesmente se comunicando com a rede para
informar que está disponível. É o caso de alguns serviços de push mail.
Em tempos de caça aos bits desnecessários, quem tem aproveitado para reforçar o
seu discurso é a RIM, fabricante do Blackberry, que sempre destacou o conceito
do seu serviço baseado justamente na otimização das informações que são enviadas
ao handset, para evitar a sobrecarga da rede. “O que nós sempre enfatizamos é
essa economia de bits. Não tem porque mandar todas as informações para o handset
se boa parte dela pode ser tratada e compactada nos nossos servidores”, explica
Rick Costanzo, diretor geral da RIM para a América Latina.
Outra discussão importante é sobre como será a relação entre usuários,
operadoras e plataformas de serviços de Internet. Um exemplo ilustrativo são os
serviços de VoIP sobre redes móveis. Com a conectividade 3G, os usuários podem
facilmente instalar aplicativos para fazer chamadas telefônicas sem passar pela
rede de voz das operadoras. Depois de anos de briga entre as empresas
desenvolvedoras de aplicativos de voz, como Google Phone e Skype, e empresas de
celular, finalmente as coisas parecem se acalmar. A Verizon e o serviço Skype,
por exemplo, anunciaram o início de uma parceria para colocar o Skype disponível
a seus usuários de maneira permanente, como já fazem operadoras europeias, como
a 3, do Reino Unido. Mas para evitar congestionar a rede de dados e não deixar a
rede de voz subutilizada, a solução encontrada pela Verizon foi converter as
chamadas de voz feitas pelo Skype em chamadas convencionais, pelo menos entre o
handset e as centrais da operadora. A partir dali, o tráfego segue pela rede IP.
Medo do Google
A discussão com a presença do CEO do Google, Eric Schmidt, durante o Mobile
World Congress, também enveredou por essa questão dos modelos. Ao responder
perguntas da plateia após sua palestra, o executivo teve que dizer se via as
operadoras como meros “dumb pipes”, responsáveis apenas pela infraestrutura, mas
com pouca ou nenhuma participação nos conteúdos da banda larga móvel. Schmidt
negou categoricamente essa visão e disse que compreende o papel dos operadores
em investir e desenvolver as tecnologias de acesso e o uso das redes. “Os
operadores terão um papel fundamental na Internet móvel. Há coisas em que são
indispensáveis, como em mecanismos otimizados de cobrança pelos conteúdos”. Ele
rechaçou a possibilidade de investir em construção de infraestrutura além do que
está sendo feito em caráter experimental com a sociedade na Clearwire, para
WiMax, e a recente rede de fibra a ser construída na Califórnia para testar
acessos a velocidade de 1 Gbps.
Outro tema que costuma confrontar o Google e as operadoras é a questão da
neutralidade de rede, ou seja, a possibilidade de as operadoras fazerem
contratos com garantia de qualidade para determinados conteúdos (por exemplo, o
serviço Skype terá uma qualidade priorizada sobre os demais serviços de VoIP na
rede da Verizon). O Google, tradicionalmente, defende a neutralidade plena das
redes, mas está suavizando o discurso em relação a esse ponto. “Os detentores de
infraestrutura têm que remunerar as suas redes. Só não gostaríamos que houvesse
discriminação entre serviços similares”, disse Schmidt, em linha com o que disse
o CEO da Vodafone, Vittorio Colao. “Se damos ao usuário a condição de contratar
um serviço específico com boa qualidade, essa qualidade tem que ser dada a
outros serviços similares também”, disse Colao, ressalvando que isso não
significa que o usuário não possa pagar para ter uma qualidade de acesso melhor.
O exemplo usado pelo executivo foi justamente o de um serviço de VoIP.
Uma das perguntas mais provocativas feitas pela plateia foi se o Google vê o
usuário dos serviços de banda larga móvel como um cliente seu ou da operadora.
Schmidt disse que as relações na Internet entre usuários e provedores de
infraestrutura e conteúdos estão se tornando mais complexas. “Provavelmente,
esse cliente será de nós dois”, disse ele. O Google é uma empresa que tem mais
de 98% de suas receitas baseadas em publicidade, e a dúvida dos operadores de
celular era saber se essa continua sendo a estratégia da empresa. “O mercado de
publicidade gira mundialmente US$ 1 trilhão por ano, então achamos que há espaço
para crescermos tranquilamente”, disse Schmidt. “Hoje, a fatia das verbas que se
destinam às plataformas online é pequena, e menor ainda quando falamos em online
móvel, mas isso vai mudar porque o direcionamento e o nível de informação que se
tem sobre o usuário móvel são insuperáveis”.
Siglas da moda em 2011: M2M e VoLTE
Se a preocupação atual dos operadores móveis é em relação aos impactos que a
convergência com a banda larga trouxe para redes e modelos de negócio, dois
temas já despontam como o centro dos debates para 2011: machine-to-machine (M2M)
e as primeiras operações comerciais com a tecnologia LTE. Na questão dos
serviços machine-to-machine, as primeiras demonstrações conceituais de carros e
casas com funções conectadas por meio das redes de banda larga móvel estavam
presentes no Mobile World Congress, mas o que chama a atenção para o fato são as
projeções de números de conexões. As mais modestas partem da casa dos bilhões de
conexões para os próximos cinco anos, mas fazer qualquer previsão exata parece
impossível, pois tudo depende do que estará conectado. Desde funções como
localização e rastreamento de veículos, passando por máquinas de vendas até
dispositivos domésticos, tudo poderá ter, no futuro, uma conexão móvel
individual, criando essa grande rede M2M.
Já na questão das primeiras experiências de LTE, as expectativas são grandes.
Segundo Johan Wickman, diretor de pesquisas da TeliaSonera, que está
implementando uma rede LTE em Estocolmo, Suécia, os resultados têm sido muito
bons e a tecnologia está evoluindo mais rápido do que se esperava, mas a voz
continua sendo a killer application, mesmo no mundo dos dados.
Há um desafio básico ainda a ser vencido: fazer com que as redes LTE tenham
condições de trafegar, de maneira padronizada e transparente, serviços de voz e
SMS. Por ser uma tecnologia desenvolvida para o tráfego de dados, ela não está
pronta ainda para protocolos de voz e mensagens de texto. As principais
operadoras do mundo mostram-se comprometidas com a utilização do ambiente IMS (IP
Multimedia Subsystem) para resolver esse problema. A definição da solução de voz
para as redes LTE (VoLTE) parece algo óbvio, mas não é.
Essa é uma grande preocupação da Verizon, maior operadora a lançar, ainda este
ano, sua plataforma LTE. Segundo William Stone, diretor de estratégias de
tecnologia wireless da Verizon, o lançamento da rede em 25 a 30 mercados ainda
este ano nos EUA terá uma grande cobertura populacional e será centrada no uso
de smartphones, e não em data cards. “Nós precisamos oferecer serviços de voz em
smartphones”. Em relação à padronização rápida do VoLTE, a Verizon está
preocupada com esse tema porque quer interoperabilidade entre diferentes redes e
não pode ter problemas de roaming, diz Stone. Ele lembra ainda que o mercado de
voz, apesar de ser muito importante hoje, é em geral desprezado no mundo da
banda larga móvel. “Meu filho adolescente não usa o celular para falar e nem
toca no telefone fixo, mas quando ele está jogando no seu console XBox, ele está
sempre com o fone de ouvido falando online com os outros jogadores”.
Aplicativos, apps, widgets...
Além de conectividade permanente, outra característica da convergência (ou seria
melhor a palavra fusão?) entre mobilidade e a banda larga é a proliferação do
mercado de aplicativos e a grande atenção que está sendo dedicada pelos
operadores e fornecedores a esse tema. Nesse sentido, há hoje, entre os
operadores, a preocupação de facilitar a vida dos desenvolvedores para que mais
e mais aplicativos estejam disponíveis para os diferentes sistemas operacionais.
Mais uma vez, o parâmetro de comparação é o iPhone, com seus mais de 150 mil
aplicativos desenvolvidos graças a um modelo aberto de desenvolvimento. O
problema do iPhone é que, para os operadores, o modelo é ruim, pois eles não
ganham na comercialização do conteúdo. Por isso, em Barcelona, 24 grandes
operadoras mundiais, incluindo America Móvil e TIM, atuantes no Brasil, e a
Movistar, controlada pela Telefônica, sócia da Vivo, anunciaram a Wholesale
Application Community, uma força-tarefa que pretende desenvolver um ambiente
comum de compra e venda de aplicativos entre os desenvolvedores e as operadoras.
A iniciativa não ficará responsável pelo
ambiente de distribuição desses aplicativos para os usuários, ou seja, não deve
desenvolver uma “application store”. Mas permitirá que um aplicativo
desenvolvido na China para a China Unicom, por exemplo, esteja disponível para
operadoras da América Latina comercializarem a seus clientes. A força tarefa
deve apresentar os primeiros resultados em 12 meses. Nas primeiras discussões,
surgiram dúvidas sobre questões tributárias, como explica Marco Quatorze,
diretor de serviços de valor adicionado da America Móvil (controladora da Claro
no Brasil). “O conceito é facilitar a compra e a venda de aplicativos pelas
operadoras. Haverá uma clearing house, como existe hoje para o acerto de contas
em serviços de roaming. Mas como as realidades tributárias de cada país são
diferentes, pode ser desvantajoso para uma operadora no Brasil, por exemplo,
negociar conjuntamente com outras operadoras do mundo seus aplicativos”.
Alguns fabricantes de handsets, como LG, Samsung e Sony Ericsson, que não têm
plataformas próprias de aplicativos, apoiam a iniciativa conjunta das
operadoras. A estratégia é utilizar plataformas comuns e abertas que permitam a
padronização e certificação dos aplicativos. Entre os padrões considerados estão
os do Joint Innovation Lab e os da Open Mobile Terminal Platform, um consórcio
de operadores para desenvolver padrões comuns de plataformas móveis, cujo
primeiro conjunto de parâmetros foi batizado de BONDI. Não está claro ainda como
a Apple, RIM, Nokia e Qualcomm, que trabalharam no desenvolvimento de modelos
próprios para plataformas de aplicativos, se integrarão à estratégia das
operadoras.
Segundo Alex Sinclair, CTO da GSM Association, a iniciativa ainda é muito nova e
poucos detalhes estão disponíveis. “Começamos a conversar sobre essa ideia há
dois meses e apenas dia 14 de fevereiro conseguimos fechar os principais pontos.
Mas ao longo do ano mais detalhes estarão disponíveis”, disse ele, no dia do
lançamento da iniciativa do Wholesale Application Community.
A preocupação com a questão de agregar diferentes desenvolvedores de aplicativos
e torná-los disponíveis para os usuários é tão grande que a Ericsson e
Alcatel-Lucent lançaram em Barcelona suas próprias plataformas, a exemplo do que
já faz a Qualcomm desde 2009 com a plataforma Plaza. Todos correm atrás de fazer
o que a Apple fez, mas dando aos operadores a chance de ganharem alguma coisa
com a venda de aplicativos e conteúdos além da receita que viria com o tráfego
de dados.
Samuel Possebon, de Barcelona