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Fonte: Estadão
[05/11/10]
Banda larga - entre o puxadinho e a lei - por Floriano de Azevedo Marques
Neto (*)
(*) Floriano de Azevedo Marques Neto é advogado,
livre-docente em Direito Público pela Universidade de S. Paulo
A evolução nas telecomunicações é assombrosamente veloz. Isso faz com que seja
tentador adotar um atalho, uma solução mágica para desenvolver o setor. Daí o
risco de tomarmos o mau caminho. Há alguns meses o governo federal lançou o seu
Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), para ampliar o acesso da população à
internet de alta velocidade. É essencial oferecer a todos o acesso à transmissão
dos conteúdos disponíveis na internet. Para isso são necessários investimentos
em redes e serviços. O problema é que o PNBL é um mau caminho. Por ele não
conseguiremos universalizar a internet. Pior, estragaremos o que já
conquistamos.
A evolução vivida nos últimos dez ou doze anos foi notável. A telefonia fixa e
móvel está praticamente universalizada no acesso. Os custos, proporcionalmente à
renda, vêm caindo. Sem os elevados tributos teríamos preços bastante acessíveis,
mesmo comparados com os de outros países. As conquistas não podem ser
desconsideradas. Mas o setor de telecomunicações é diferente de outros. Se
tivéssemos no esgotamento sanitário a universalização que temos na telefonia
fixa ou móvel, estaríamos equiparados a países da Europa. Nas telecomunicações
as necessidades são crescentes. Se ontem desejávamos ter um telefone à mão para
chamar um médico, hoje queremos ter acesso remoto a diagnósticos por imagem. Se
há 15 anos necessitávamos receber textos por fax, hoje a demanda é por baixar um
livro no computador.
Embora editada no século passado, a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) é
permeável a esse dinamismo. Por isso deu ao presidente da República a atribuição
de, a qualquer tempo, determinar quais serviços merecem ser universalizados (ou
seja, oferecidos, sob patrocínio da União, a todos os cidadãos, em qualquer
parte do território nacional, em condições acessíveis). Previu recursos para
isso, mediante um Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust),
que hoje dispõe de alguns bilhões de reais, nunca utilizados. Dispôs, ainda, de
instrumentos para atribuir à iniciativa privada o provimento desses serviços.
Desprezando todo esse instrumental, a política proposta pelo governo federal
adota um atalho, apoiada em três vetores:
Recriação da Telebrás como agente de "regulação do mercado";
submissão da banda larga como um apêndice do serviço de telefonia;
e imputação às concessionárias de telefonia da obrigação de construir redes para
suportar a crescente necessidade de tráfego de dados em alta velocidade.
Se forem implantados, esses vetores podem, no curto prazo, produzir algum
resultado. Porém, ele não se sustentará. E a consequência de médio prazo será
comprometer o modelo inaugurado com a LGT, pondo em risco os avanços que ela nos
trouxe.
A recriação da Telebrás é uma ilegalidade com patrocínio oficial. A estatal só
não foi extinta pela LGT porque, como uma empresa não operacional (uma holding),
ela deveria administrar o passivo gerado por anos de descalabro das teles
estatais, evitando que a União arcasse com todo o prejuízo. Ela não tem
autorização legal para prestar serviços de telecomunicações. Mas o PNBL prevê
para a Telebrás um regime de duplo privilégio. Reserva-lhe a exclusividade da
prestação de serviços de telecomunicações aos órgãos públicos, impedindo que as
empresas privadas disputem esse mercado. A estatal tem assegurado o acesso
privilegiado a redes de outras estatais (Petrobrás, Eletrobrás) sem permitir
condições isonômicas de acesso às outras prestadoras. Em vez de oferecer redes e
serviços nas regiões ainda não atendidas, a Telebrás pretende prestar serviços
em regiões mais adensadas, onde hoje já existem três ou quatro operadoras. Por
fim, o PNBL desconsidera que, pela Constituição, o papel de regular o mercado
compete exclusivamente à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) (artigo
21, XI).
Banda larga é a qualidade de uma rede de transporte de dados. Não se confunde
com o serviço de telefonia, que se presta prioritariamente à transmissão de
sons. As redes de telefonia mais avançada podem transmitir dados em alta
velocidade. Podemos transmitir voz pela internet, usando o Skype. Mas isso não
significa que internet e telefonia sejam a mesma coisa. Entretanto, recentemente
um alto funcionário encarregado da implantação do PNBL declarou que a proposta é
fazer da banda larga um "puxadinho" do serviço de telefonia. A imagem é
ilustrativa. Em direito urbanístico, "puxadinho" é a alcunha que se deu às
ampliações irregulares de moradias, feitas por necessidade das famílias, mas que
nos legaram verdadeiras cidades clandestinas. O PNBL tangencia essa
clandestinidade. Ao pretender confundir telefonia e banda larga, embaralha-se a
separação entre serviços. Compromete a regulação, traz instabilidade jurídica.
No Judiciário já há impugnações a esse respeito. A LGT é reconhecida por ter
criado uma regulação clara e estável. O PNBL, por birra ou incúria, solapa este
mérito.
Por fim, quem paga a conta. A ideia em voga é imputar às concessionárias de
telefonia os ônus de investir em redes de transporte de dados. É mero aforismo.
Suas receitas vêm dos que usam seus serviços: os consumidores de telefonia. Ou
seja, mesmo quem não deseja ter computador pagará pela construção de redes para
que as empresas exploradoras de serviços de dados (ligadas às concessionárias ou
competidoras) ofereçam internet em alta velocidade, cobrando por isso. Enquanto
bilhões de reais do Fust, pagos por todos nós para esse fim, aguardam num cofre
do Tesouro Nacional.
O PNBL parece querer voltar no tempo para atingir o futuro. O risco é que o
atalho seja uma via para o retrocesso.