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Fonte: O Estado de S.Paulo
[14/11/10]  Reserva de mercado na telefonia - por Renato Cruz

Preferência a produtos desenvolvidos e fabricados no Brasil é mais uma polêmica criada com a reativação da Telebrás

Na sexta-feira, a estatal ressuscitada Telebrás assinou seu primeiro contrato de compra de equipamentos. A fabricante brasileira Padtec receberá R$ 17,5 milhões para fornecer os aparelhos para 73 pontos de presença no Anel Sudeste de sua rede óptica e 46 no Anel Sudeste. Com isso, a empresa conseguirá "iluminar" suas fibras e começará a prestar serviços. Os equipamentos serão entregues em um prazo de três e seis semanas.

A volta da Telebrás foi cercada de polêmica e, no caso de suas compras, não seria diferente. Em 29 de outubro, a Padtec venceu um pregão eletrônico de aparelhos com tecnologia DWDM (sigla de Dense Wavelength Division Multiplexing) com benefício da Medida Provisória 495, que dá preferência a produtos desenvolvidos e fabricados no Brasil nas compras do governo.

Jorge Salomão, presidente da Padtec, destacou que a companhia não foi beneficiada pela regra que permitia contratar os produtos brasileiros com preços até 25% maiores. "Isso demonstra a capacidade da engenharia brasileira de gerar produtos competitivos", disse o executivo.

Sediada em Campinas, a Padtec surgiu de um grupo de pesquisadores do CPqD, centro de pesquisas que pertenceu à Telebrás. Seus principais acionistas são o próprio CPqD e a Ideiasnet, holding de tecnologia do empresário Eike Batista. "A Padtec é líder em comunicações ópticas no Brasil", afirmou Hélio Graciosa, presidente do CPqD. "Este será um ano bom independentemente da compra da Telebrás."

No pregão eletrônico de outubro, a Padtec havia apresentado um preço superior aos dos concorrentes, que eram as chinesas Huawei e a ZTE e a sueca Ericsson. Por não atenderem à MP 495, os concorrentes foram desclassificados, sem conseguir comprovar desenvolvimento e fabricação local.

A Padtec, por outro lado, reduziu seu preço, que era de R$ 68,9 milhões, para R$ 63 milhões, abaixo da menor proposta, de R$ 63,1 milhões, que havia sido da ZTE.

Os fabricantes multinacionais reclamam da MP 495. Eles argumentam que o País tem o direito de dar preferência aos produtos locais, mas que não podem impedir as empresas estrangeiras de participar das concorrências.

"É uma volta ao tempo da reserva de mercado", disse um executivo. Outro argumento é que as atividades de desenvolvimento de produtos hoje acontecem por meio de redes internacionais de laboratórios, sendo difícil definir onde o produto foi desenvolvido.

Os defensores da MP 495 dizem que não é isso. O regulamento, segundo eles, não discrimina origem de capital, pois fala em "empresa brasileira", o que significaria empresa sediada no País. Sob esse argumento, a MP 495 seria um estímulo para as multinacionais trazerem ao País fábricas e laboratórios de pesquisa e desenvolvimento.

Politização.
A Telebrás foi recriada pelo governo para pilotar o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), que tem como objetivo conectar 100 cidades até o fim do ano. O problema é que o discurso foi politizado desde o início, com forte preconceito à empresa privada e ao capital estrangeiro.

A MP 495 foi publicada, em julho, como parte desse pacote, e corre o risco de deixar de valer, caso não seja votada e transformada em lei pelo Congresso até o próximo dia 29.

"O uso das compras do governo como incentivo à inovação é uma demanda histórica", afirmou Carlos Calmanovici, presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), que reúne companhias nacionais e estrangeiras com atividade de pesquisa e desenvolvimento no País. "É efetivamente um avanço."

Calmanovici destacou que esse instrumento, de dar preferência a produtos desenvolvidos no país nas compras governamentais, é usado em vários países do mundo. "O fator preponderante para atrair pesquisa e desenvolvimento para o Brasil é o mercado", disse o presidente da Anpei. "A MP 495 é um estímulo."

No ano passado, a indústria de equipamentos de telecomunicações faturou US$ 9,2 bilhões no País, segundo a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). No mesmo período, foram importados US$ 2,3 bilhões. O principal produto da indústria brasileira de telecomunicações hoje é o telefone celular. Na área de equipamentos de rede, a maior parte é importada.

Até o começo da década, as multinacionais de equipamentos de rede tinham atividades importantes de fabricação local, além de equipes de pesquisa e desenvolvimento para adaptar seus produtos ao País.

Nos últimos anos, essas empresas reduziram a fabricação e ampliaram sua área de serviços, chegando a terceirizar operações inteiras de rede das prestadoras de serviço de telecomunicações.

As fabricantes brasileiras são pequenas. Muitas delas surgiram de universidades e de centros de pesquisa. A Padtec emprega 250 pessoas no Brasil, além outras 50 numa subsidiária israelense, e prevê faturar R$ 200 milhões este ano. "Nós, fabricantes brasileiros, somos sobreviventes", afirmou Salomão.