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Fonte: Estadão
[29/10/10]
Telebrás, para comparsas - por Ethevaldo Siqueira
Coluna do Estadão de domingo, 31-10-2010
“A Telebrás não está sendo recriada para servir à sociedade brasileira. Sua
reativação tem o claro objetivo de atender a comparsas políticos. Exatamente
como tem ocorrido na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Isso nos
conduzirá, inevitavelmente, à degradação dos serviços, como, aliás, já ocorre no
setor postal”.
Essas palavras são do comandante Euclides Quandt de Oliveira, ex-ministro das
Comunicações, de 1974-79, ao avaliar a recriação da Telebrás. Quandt foi o
primeiro presidente daquela estatal que retirou o País da situação de profundo
atraso em suas telecomunicações em que vivia até o começo dos anos 1970.
Lúcido e franco aos 91 anos de idade, Quandt se preocupa com o futuro do País e
relembra que cabe ao Estado fixar políticas públicas e mesmo prestar serviços,
diretamente ou por intermédio de concessionárias. “A prestação de serviços
públicos é uma responsabilidade do Estado. Cabe-lhe, no entanto, fiscalizar a
prestação de serviços com o máximo rigor”.
Defensor histórico e convicto do modelo estatal, Quandt mudou de opinião no
começo dos anos 1990. Ele explica: “Depois de passar pela Telebrás e pelo
Ministério das Comunicações, continuei a defender o modelo estatal, pois
acreditava que ele seria capaz de cumprir sua missão de atender aos brasileiros
em qualquer ponto do País. Fui, porém, forçado a reconhecer que, a partir de
1985, a escolha de dirigentes no Sistema Telebrás passou a ser feita com o claro
propósito de atender a amigos e comparsas políticos, gente que, em sua maioria,
não tem a qualificação profissional para o exercício do cargo. A partir daí,
passei a ser defensor da privatização”.
Loteamento
Por volta de 1990, Quandt já havia perdido sua esperança na possibilidade de a
Telebrás atender a todos os brasileiros. Hoje, o modelo estatal volta a ser
desfigurado em vários setores governamentais pelo loteamento político, inclusive
com a reativação da Telebrás, como acaba de ser feita.
Conheço Quandt há mais de 30 anos e fui testemunha de seu trabalho excepcional
em favor das comunicações brasileiras, ao lado do segundo presidente da
Telebrás, o general José Antonio de Alencastro e Silva. Aquela Telebrás, nascida
em 1972, funcionou de forma exemplar até 1985 e nada tinha de parecido com a
“nova Telebrás”, ressuscitada por Dilma Rousseff e Erenice Guerra – e entregue,
como um feudo, ao petista gaúcho Rogerio Santanna.
Heterodoxia petista
A volta da Telebrás tem sido justificada como estratégia para levar a banda
larga a todo o povo brasileiro, “com a melhor qualidade e o menor preço”. Algo
comovente, não? Os caminhos para alcançar esse nobre propósito, entretanto, não
são nada republicanos. Confira, leitor:
* Holding das antigas Teles, a Telebrás foi privatizada em 1998, mas não foi
extinta, por diversos problemas legais. Por ter sido criada por lei, não poderia
ter sido reativada por decreto, com a mudança de suas finalidades. No entanto,
esse decreto mudou sua condição de empresa holding transformando-a em uma
operadora de serviços. Só uma lei específica, debatida e votada pelo Congresso
poderia mudar sua atividade-fim.
* Nenhuma concessionária ou outra parte legítima teve a coragem de contestar
essa inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Por isso, o
País teve que engolir tudo em seco. Será que o Ministério Público não seria essa
parte legítima para provocar o STF a se pronunciar sobre a constitucionalidade
ou não desse decreto?
* Além de recriar a Telebrás, o governo Lula aprovou, num só decreto, o Plano
Nacional de Banda Larga (PNBL), que, “a rigor, como plano, não existe”, segundo
Otávio Marques de Azevedo, diretor da Andrade Gutierrez, acionista da Oi.
* O PNBL divulgado com o decreto não passa de uma breve carta de intenções,
acompanhado agora por uma lista das primeiras 100 cidades a serem atendidas, 50%
delas com população superior a 350 mil habitantes, nas quais já atuam pelo menos
três operadoras com oferta de banda larga.
* Um plano de banda larga de verdade deveria incluir metas específicas, fontes
de financiamento, orçamento confiável, cronograma de investimentos, áreas
prioritárias, população a ser atendida, evolução dos serviços e suas
características técnicas.
* Por sua importância, a questão da banda larga deveria ter sido debatida pelo
Congresso Nacional há mais de 5 anos e com a participação de toda a sociedade.
Só foi anunciada, entretanto, por um grupo palaciano ávido de poder, no sétimo
ano do governo Lula, como um filão eleitoral.
* O pior da heterodoxia e da ousadia petista na recriação da Telebrás foi alijar
e marginalizar as duas áreas mais qualificadas e legalmente capacitadas a
estudar e a propor modificações setoriais: o Ministério das Comunicações, ao
qual a Telebrás sempre esteve legalmente vinculada, e a Anatel, que detém o
maior número de especialistas em telecomunicações do governo.
* Depois de tantas manobras, tudo acabou sendo decidido por Dilma Rousseff e sua
sucessora, Erenice Guerra, sem o apoio do Ministério das Comunicações, que
elaborou estudo de mais de 200 páginas sobre as linhas do PNBL – totalmente
ignorado pela ministra Dilma.
Eis aí um pequeno retrato das comunicações brasileiras na era Lula.