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Leia na Fonte: Blog da Flávia Lefèvre
[28/06/11]
Termo de
Compromisso para garantir política pública? - por Flávia Lefévre
Alguns me perguntam o motivo pelo qual insisto tanto em ancorar minhas falas na
lei. Quando ouço esta pergunta perco o chão, pois não consigo conceber, hoje,
qualquer tipo de conduta institucional que não se paute pela lei. É uma noção
básica ... firmamos um novo contrato social em 1988 – a nova Constituição
Federal democrática – e isto foi motivo de festa cívica.
É claro que podemos discordar de muitas cláusulas deste contrato, mas estamos
obrigados a elas. As regras são essas; nem mesmo o desconhecimento da existência
de uma lei exime de responsabilidade quem a descumpriu – outro princípio básico.
Realmente acredito que, pelo menos hoje, é esta a melhor forma de vivermos em
sociedade.
Mas assistindo aos últimos passos do governo quanto ao setor de telecomunicações
fico ainda mais assustada. Explico: como se pode considerar que a definição de
uma política pública, cujo objetivo é garantir desenvolvimento econômico e
social possa estar apoiada em um termo de compromisso firmado com a iniciativa
privada, de forma tão desconectada das leis e dos decretos editados pelo mesmo
governo que vem promovendo essa desconstrução?
A Constituição Federal, no art. 175, estabelece que “incumbe ao Poder Público,
na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos e que: “a
lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e
permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de
sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da
concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários; III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado”.
Viram? A LEI disporá sobre os aspectos fundamentais dos serviços
públicos e sua contratação depende de licitação! E essa lei hoje é um conjunto
de leis: Lei de Concessões, Lei Geral de Telecomunicações – LGT, Lei de
Licitações, Lei do Cabo, entre outras.
A LGT, por exemplo, estabelece que os serviços de interesse coletivo e
essenciais devem, obrigatoriamente, ser prestados no regime público, ainda que
possam ser prestados concomitantemente no regime privado.
Sendo assim, alguém poderia sustentar que o serviço de comunicação de dados
(vulgarmente denominado de banda larga) não seja essencial? Ou, ainda e
principalmente, que as redes necessárias para o seu provimento não sejam
estratégicas para o país? É claro que não! E a prova mais contundente desta
afirmação é o fato de que o maior cliente do serviço de comunicação de dados é o
próprio Estado – INSS, Receita Federal, Polícias, etc ... e serviços de grande
importância, tal como o Sistema Financeiro Nacional.
E, quanto às formas de contratação de serviços essenciais de telecomunicações, a
LGT determina que deve se dar por concessão, com a imposição de metas de
universalização, continuidade e qualidade, no regime de bens reversíveis. E
assim é para garantir que, nas hipóteses de fim do contrato, seja por qual
motivo for, a União – a responsável pelos serviços de telecomunicações – possa
garantir sua continuidade.
A despeito disso tudo, o Ministro das Comunicações insiste no caminho da
precariedade! A notícia sobre um mero Termo de Compromisso para incluir as
concessionárias no Plano Nacional de Banda Larga é estarrecedora! Por várias
razões. A primeira, pela forma obscura com que se deram as respectivas
negociações. Num cenário em que a regra é a da instauração de processos de
consulta pública e debates democráticos para a edição de normas e leis, o
Ministro das Comunicações andou na contramão.
E na contramão mesmo! Desconsiderou o resultado das discussões realizadas no
Fórum Brasil Conectado e da Conferência Nacional de Comunicação, na qual
empresas e sociedade civil concordaram com a comunicação de dados no regime
público.
A
matéria veiculada pela Teletime sobre o tal e precário Termo de Compromisso
informa que: “Do ponto de vista da Telefônica, existe uma interpretação de que o
termo pode estar transformando em obrigações uma oferta voluntária, tornando
compulsórios investimentos, compromissos de cobertura e índices de qualidade de
serviço que a empresa voluntariamente colocou ao governo. "Isso traz o risco de
sanções e obriga a empresa a fazer um investimento que os nossos concorrentes
não serão obrigados a fazer", diz uma fonte da Telefônica, referindo-se ao fato
de que nem a Embratel/Net nem a GVT aderiram ao compromisso de barateamento da
banda larga proposto pelo governo. Para a Telefônica, a oferta voluntária já
traz em si um grande risco de canibalização da base para a empresa, além da
necessidade de investimentos. "O que não pode é tornar tudo isso obrigatório",
diz a fonte”.
Está claro, portanto, que teremos muitos problemas jurídicos passíveis de serem
contestados pelas concessionárias e pela sociedade, na medida em que o
instrumento jurídico adequado para se estabelecer obrigações de universalização
é o contrato de concessão previsto para os serviços prestados em regime público
e não um frágil termo de compromisso.
É evidente que o Ministro sabe bem a respeito da fragilidade deste Termo de
Compromisso. O que não está claro é quais são suas reais intenções. E aí a
situação fica ainda mais preta, pois os atos administrativos devem ter suas
motivações e finalidades reveladas, a fim de que se cumpram os princípios da
legalidade, publicidade e moralidade, aos quais estão submetidos os servidores
públicos.
Mas apesar de tudo isso ser básico, o Ministro das Comunicações prefere
continuar na trilha do improviso, do “puxadinho”, que começou com a prorrogação
dos contratos de concessão em dezembro de 2005, com as mesmas – rigorosamente as
mesmas – cláusulas estabelecidas para a realidade de 1998, sem considerar a
convergência de serviços sobre mesmas plataformas tecnológicas e a concentração
de mercados e redes nas mãos das concessionárias.
Como é possível compreender os caminhos buscados pelo governo desde a
prorrogação dos contratos de concessão, da edição do Decreto 6.424∕2008, que
estabeleceu como metas de universalização, nos contratos de concessão do Sistema
de Telefonia Fixa Comutada, a implantação de redes que servem de suporte a outro
serviço – no caso o serviço de comunicação de dados? E, ainda, vincular essas
metas ao compromisso de levar acesso à internet em banda larga para as escolas
públicas?
Aqueles caminhos, assim como este Termo de Compromisso são uma afronta ao art.
86, da LGT, que restringe a atuação das concessionárias à exploração do STFC. E
o Ministro também sabe disso!
Qual a lógica entre a edição do Decreto 4.733∕2033, voltado para a desagregação
de redes e inclusão digital, o Decreto 7.175∕2010, que instituiu o Plano
Nacional de Banda Larga, atribuindo a Telebrás o papel de gerenciadoras das
redes públicas e este precário Termo de Compromisso?
É inadmissível que se contrate a massificação da infraestrutura necessária para
a prestação de serviços essenciais de telecomunicações fora de contratos de
concessão, sem a garantia de reversibilidade de redes implantadas com o subsídio
da tarifa da assinatura básica do STFC e do Fundo de Universalização dos
Serviços de Telecomunicações – o FUST. Nem o governo neoliberal anterior ao do
PT chegou a essas raias, ofendendo a lei e o patrimônio público de forma tão
escandalosa!
A temeridade desses caminhos é gritante. Desde quando as concessionárias têm
demonstrado algum compromisso com o interesse público, se nem as metas de
universalização e as obrigações firmadas nos contratos do Programa Banda Larga
nas Escolas são cumpridas?
Matéria publicada pelo Estadão no último dia 27 de abril informa que: “Um
levantamento da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) mostrou que as
operadoras estão descumprindo as metas para acesso à internet por banda larga
destinado às escolas urbanas brasileiras, o chamado Plano Geral de Metas de
Universalização (PGMU) 2,5. A afirmação é do secretário-executivo do Ministério
das Comunicações, Cezar Alvarez. Segundo ele, o atraso da meta foi incluído na
discussão do PMGU 3 realizado entre o governo e as empresas de telecomunicação.
A meta era de que todas as escolas urbanas tivessem acesso à internet de 1
megabit por segundo (Mbps) até o fim do ano passado, e um mínimo de 2 Mbps a
partir de 28 de fevereiro deste ano. ‘Uma primeira amostragem feita pela Anatel
mostrou que algumas operadoras estão com muita dificuldade (para cumprir as
metas)’, disse Alvarez durante o evento de comunicações Rio Wireless, no Rio de
Janeiro. Segundo ele, a agência fará uma reunião na semana que vem junto com o
ministério para identificar o motivo das falhas. ‘O mais provável é que (a
operadora) não tenha dado conta do investimento, da sua capacidade, da sua rede
instalada’, disse”.
As concessionárias estão achando pouco todas as benesses que estão recebendo no
Plano Geral de Metas de (Retrocesso) Universalização prestes a ser editado no
bojo do processo da primeira revisão quinquenal dos contratos de concessão, que
lhes concede, inclusive, compensação entre o ônus bienal de 2% sobre a receita
líquida prevista pela exploração da concessão e os hipotéticos custos pela
implementação de metas que já deveriam ter sido cumpridas e não foram, além da
ilegal autorização para prestarem serviço de televisão por assinatura na mesma
área em que vigoram as concessões.
Isso sem falar na omissão histórica da ANATEL que não tem modelo de custos e não
edita as regras de compartilhamento de redes, a despeito de estar obrigada a
fazê-lo desde o Decreto 4.733∕2003. Quer mamata maior do que esta para as teles;
redes públicas a seus serviços exclusivos impedindo a concorrência e tarifas
imexíveis pelo desconhecimento do custo efetivo do serviço?
A ficha de que as concessionárias não querem assumir obrigações e, sim,
distribuir resultados aos seus acionistas, e que, por outro lado, que a ANATEL
não tem força fiscalizatória e regulatória e está cooptada por interesses
privados ainda não caiu?
Os remendos desregulatórios inventados ultimamente pelo Ministério das
Comunicações, em conluio com a ANATEL, tem nos lançado – sociedade, empresas e
consumidores – num mar de inseguranças, pondo em risco volumoso patrimônio
público e segurança nacional.
O setor de telecomunicação está em crise profunda ... e não há no horizonte do
Governo quem possa reverter esse quadro de precariedade, obscuridade e
insegurança.
Flávia Lefèvre Guimarães