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Leia na Fonte: Blog da Flávia
Lefèvre
[03/05/11]
A
privatização do Serviço de Comunicação de Dados e o PT - por Flávia Lefèvre
Em 27 de julho de 1998 - dois dias antes dos leilões de
privatização das subsidiárias da Telebrás, que se deu em 29 de julho - foram
assinadas as autorizações a título gratuito para que as concessionárias pudessem
operar a rede de troncos para prestar o Serviço de Rede de Transporte de
Telecomunicações - SRTT.
É claro, então, que o valor dessas valiosas autorizações não foram contempladas
pela avaliação que serviu de suporte para a privatização e tampouco os contratos
de concessão, cujas cláusulas já estavam fixadas, não poderiam tratar dos
direitos e deveres decorrentes da prestação deste serviço, já que o objeto do
contrato se restringia ao Serviço de Telefonia Fixa Comutada - STFC, como
determina o art. 86 da Lei Geral das Telecomunicações.
Por outro lado, os contratos de concessão dos serviços de troncos e suas
conexões não foram celebrados até hoje, apesar de o art. 207, da LGT determinar
que esses contratos deveriam ter sido assinados no prazo máximo de 60 dias
contados da publicação da lei.
As redes de tronco públicas, então, foram apropriadas sem qualquer contrapartida
e previsão contratual pelas concessionárias, como já me foi respondido em
audiência pública ocorrida em 2009, que tratava da primeira versão da proposta
do PGMU III.
Em 2001, para piorar um pouco o embloglio jurídico que envolve essa história, a
ANATEL, usurpando competências da União, criou o Serviço de Comunicação
Multimídia - SCM, pela Resolução 272/2001, que nada mais é do que o serviço de
comunicação de dados. Com base nesta norma, as concessionárias migraram de suas
autorização do SRTT para as de SCM, pagando por elas a irrisória quantia de R$
9.000,00.
Todos esses fatos somados a outro fato – o de que até hoje a ANATEL não
estabeleceu os regramentos para o compartilhamento das redes públicas – nos
permitem a conclusão de que vultosos patrimônios e infraestruturas públicas com
papel estratégico fundamental para a democratização dos serviços de
telecomunicações estão apropriados em favor de interesses e lucros privados.
Considerando que o PT sempre criticou o modo como se deu a privatização pelas
mãos do então Ministro Sergio Mota – representante simbólico do PSDB – e, mais,
que em maio de 2010 editou o Decreto 7.175∕2010, atribuindo a Telebrás o papel
de gerenciar as redes necessárias para a promoção da inclusão digital, atendendo
ao que já está estabelecido pelo Decreto 4.733/2003, poderíamos supor que a
União, sob o governo do PT atuaria para reverter o quadro da tunga nacional e
das injustiças sociais decorrentes da atuação ilegal do Ministério das
Comunicações e da ANATEL durante anos.
Quais as injustiças? Vergonhosa penetração da telefonia fixa - média nacional de
21 acessos fixos contratados por 100 habitantes, tráfego de voz nos serviços
fixo e móvel também vergonhosos, tarifas altíssimas, concentração, mal
atendimento das reclamações dos consumidores pelas concessionárias .... e mais
um rosário de ilegalidades que frustram as finalidades de universalização e
prestação adequada dos serviços, tão prometidas pelo PSDB.
Mas nossas expectativas surgidas com a mudança de Ministro e instituição do PNBL
não foram atendidas! Temos assistido ao esvaziamento das funções atribuídas a
Telebrás pelo Decreto que instituiu o Plano Nacional de Banda Larga.
Desde as reuniões do Fórum Brasil Conectado, do qual a PROTESTE fez parte,
percebemos que o Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital já atribuía às
concessionárias o papel de implantação da rede de dados – o backhaul –
utilizando de forma absolutamente ilegal os contratos de concessão de telefonia
fixa, pois passou-se a incluir no Plano Geral de Metas de Universalização
obrigações de expansão da capacidade da rede dados, em incontestável contradição
com o que dispõem oas arts. 4º e 5º, do Decreto do PNBL. Veja-se:
“Art. 4o Para a consecução dos objetivos previstos no
art. 1o, nos termos do inciso VII do art. 3o da Lei no 5.792, de 11 de julho de
1972, caberá à Telecomunicações Brasileiras S.A. - TELEBRÁS:
I - implementar a rede privativa de comunicação da administração pública
federal;
II - prestar apoio e suporte a políticas públicas de conexão à Internet em banda
larga para universidades, centros de pesquisa, escolas, hospitais, postos de
atendimento, telecentros comunitários e outros pontos de interesse público;
III - prover infraestrutura e redes de suporte a serviços de telecomunicações
prestados por empresas privadas, Estados, Distrito Federal, Municípios e
entidades sem fins lucrativos; e
IV - prestar serviço de conexão à Internet em banda larga para usuários finais,
apenas e tão somente em localidades onde inexista oferta adequada daqueles
serviços.
§ 1o A TELEBRÁS exercerá suas atividades de acordo com a legislação e a
regulamentação em vigor, sujeitando-se às obrigações, deveres e condicionamentos
aplicáveis.
§ 2o Os sistemas de tecnologia de informação e comunicação destinados às
atividades previstas nos incisos I e II do caput são considerados estratégicos
para fins de contratação de bens e serviços relacionados a sua implantação,
manutenção e aperfeiçoamento.
§ 3o A implementação da rede privativa de comunicação da administração pública
federal de que trata o inciso I do caput consistirá na provisão de serviços,
infraestrutura e redes de suporte à comunicação e transmissão de dados, na forma
da legislação em vigor.
§ 4o O CGPID definirá as localidades onde inexista a oferta adequada de serviços
de conexão à Internet em banda lagra a que se refere o inciso IV do caput.
Art. 5o No cumprimento dos objetivos do PNBL, fica a TELEBRÁS autorizada a usar,
fruir, operar e manter a infraestrutura e as redes de suporte de serviços de
telecomunicações de propriedade ou posse da administração pública federal.
Parágrafo único. Quando se tratar de ente da administração federal indireta,
inclusive empresa pública ou sociedade de economia mista controlada pela União,
o uso da infraestrutura de que trata o caput dependerá de celebração de contrato
de cessão de uso entre a TELEBRÁS e a entidade cedente”.
A sociedade organizada em torno da Campanha “Banda Larga é um direito seu” (www.campanhabandalarga.org.br)
conseguiu audiência com o Ministro Paulo Bernardo neste mês de abril, ocasião em
que foi possível apresentar as reivindicações no sentido de que o Poder
Executivo editasse decreto incluindo o serviço de comunicação de dados (=banda
larga) no regime público, o que viabilizaria a imposição de obrigações de
universalização e continuidade para as operadoras interessadas em assumir o
papel de concessionárias dessa incumbência, que é da União, nos termos do inc.
XI, do art. 21, e art. 175, da Constituição Federal. E mais, a possibilidade de
se reduzir o valor da assinatura básica da telefonia fixa, beneficiando milhões
de brasileiros e pequenas empresas que não conseguem pagar a assinatura mensal.
Alegamos como fundamento os arts. 18 e 65, da Lei Geral das Telecomunicações:
Art. 18. Cabe ao Poder Executivo, observadas as
disposições desta Lei, por meio de decreto:
I - instituir ou eliminar a prestação de modalidade de serviço no regime
público, concomitantemente ou não com sua prestação no regime privado;
II - aprovar o plano geral de outorgas de serviço prestado no regime público;
III - aprovar o plano geral de metas para a progressiva universalização de
serviço prestado no regime público;
IV - autorizar a participação de empresa brasileira em organizações ou
consórcios intergovernamentais destinados ao provimento de meios ou à prestação
de serviços de telecomunicações.
Parágrafo único. O Poder Executivo, levando em conta os interesses do País no
contexto de suas relações com os demais países, poderá estabelecer limites à
participação estrangeira no capital de prestadora de serviços de
telecomunicações.
Art. 65. Cada modalidade de serviço será destinada à prestação:
I - exclusivamente no regime público;
II - exclusivamente no regime privado; ou
III - concomitantemente nos regimes público e privado.
§ 1o Não serão deixadas à exploração apenas em regime privado as modalidades de
serviço de interesse coletivo que, sendo essenciais, estejam sujeitas a deveres
de universalização.
§ 2o A exclusividade ou concomitância a que se refere o caput poderá ocorrer em
âmbito nacional, regional, local ou em áreas determinadas.
Mas o Ministro e seu Secretário Executivo se mostraram irritados com estes
argumentos; afirmaram que seria necessário mudar a LGT para incluir a
comunicação de dados no regime público e que, mesmo sendo possível a mudança por
Decreto, levaria muito tempo para se fazer as licitações correspondentes à
outorgas; que era melhor deixar assim, pois as concessionárias sempre prestaram
o serviços de comunicação de dados.
Mas, então, fica a pergunta: e a Telebrás? Ela já está autorizada por decreto
presidencial a implantar as redes de dados e, portanto, durante o período de
preparação dos instrumentos legais e contratuais para as outorgas poderia
utilizar os recursos do FUST e outros prometidos pela Presidenta Dilma Rousseff
para a implantação de backhaul.
Ou seja, o governo do PT está com a faca e o queijo nas mãos para, além de
trazer de volta para o Estado o papel preponderante de gerente das redes
públicas de telecomunicações, podendo agir em parceria com a iniciativa privada,
também poder retomar a titularidade das redes públicas transferidas para a
iniciativa privada, fazendo cessar a improbidade administrativa perpetrada no
governo do PSDB.
Mas tem deixado claro que não vai fazer isso. O governo insiste em atribuir às
concessionárias o papel principal no PNBL, viabilizando a utilização do Fundo de
Universalização dos Serviços de Telecomunicações - FUST para implantação de
redes privadas, o que significa que não se poderá impor regras de
compartilhamento destas redes, o que acirrará a situação grave de concentração
do provimento de serviços no varejo e de suas respectivas infraestruturas no
atacado nas mãos de empresas privadas movidas pela lógica do lucro e não da
democratização dos serviços e desenvolvimento econômico e social do país, o que
é papel do Estado garantir.
As mais recentes pesquisas realizadas pelo IPEA demonstram que os serviços estão
sendo prestados principalmente para as classes A e B e que 70% dos mercados de
telefonia fixa, telefonia móvel e serviço de comunicação de dados, estão
dominados pelas três concessionárias privadas – Oi, Telefonica e Embratel.
O que pretende o Governo diante desse cenário? São confessáveis os interesses
que estão movendo as ações do Ministério das Comunicações com relação a este
tema? Estariam as eleições de 2012 incluídas como elemento definidor de
políticas de telecomunicações?
A sociedade organizada – são dezenas de entidades e mais a Frente Parlamentar
pelo Direito à Comunicação – quer o serviço público essencial de comunicação de
dados prestado no regime público (podendo ser explorado concomitantemente no
regime privado, como permite a LGT) e sua respectiva infraestrutura sob a
gerência do Estado e em benefício da democratização dos serviços de
telecomunicações, universalização, modicidade tarifária, competição e estímulo
às pequenas e médias empresas, tudo como manda a Constituição Federal.
Flávia Lefèvre Guimarães