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[29/11/11]  Transparência só para os outros - por Mariana Mazza

Há exatos dois meses, anunciei aqui na coluna a decisão tomada pelo juiz federal Francisco Donizete Gomes, da Justiça do Rio Grande do Sul, de exigir o fim do sigilo dos processos administrativos em tramitação na Anatel contra as empresas de telecomunicações.

A decisão, em caráter liminar, foi comemorada pela sociedade e até a Anatel achou por bem defender a transparência. O comando da agência tomou a sábia postura de não questionar o juiz.

Capitalizou a decisão a seu favor, divulgando a abertura dos processos como uma medida de "ampliação da transparência", como se a agência não tivesse apoiado o sigilo ao longo dos seus 14 anos de existência.

Ainda assim, a posição firmada pela autarquia foi a mais inteligente. Mas, como no setor de telecomunicações as coisas mais improváveis florescem, as empresas saíram em defesa da manutenção da Anatel como uma caixa preta.

O portal Convergência Digital noticiou ontem à noite que o SindiTelebrasil - sindicato que representa as companhias telefônicas - está movendo uma ação para tentar evitar o acesso público aos processos.

O contexto do recurso das teles à Justiça não podia ser mais intrigante. Também nessa segunda-feira, 28, foi noticiada uma outra ação do SindiTelebrasil exigindo que a Telebrás divulgue publicamente os termos dos acordos que está firmando com as estatais do setor de energia.

Vejamos o que temos aqui. As teles acham que estatais não têm o direito de fechar acordos entre si sem que as empresas privadas fiquem sabendo todos os mínimos detalhes do processo de negociação.

Mas estas mesmas teles não acham que a sociedade tem o direito de saber as transgressões cometidas por elas e investigadas pela Anatel. Só pode ser uma piada de mau gosto.

O argumento das companhias é que os processos - chamados na Anatel de Procedimentos de Apuração por Descumprimento de Obrigação (Pados) - contêm dados sigilosos e estratégicos.

E, por isso, está corretíssimo manter todo o processo em sigilo. Bom, para começo de conversa, o juiz deixou claro em sua decisão que é absolutamente aceitável manter o sigilo dos dados sensíveis como fazem as demais autarquias transparentes. Mas esse cuidado com as informações estratégicas não pode tornar um processo inteiro sigiloso.

O ponto que mais chama a atenção no processo movido pelo SindiTelebrasil é o nada sutil desprezo ao direito da sociedade de exigir transparência de um setor que presta um serviço público.

A entidade descredencia a Andicom, associação civil autora da ação que culminou na abertura dos processos, diz que o assunto não tem nada a ver com o consumidor (os processos seriam um problema só entre elas e a Anatel) e que uma ação civil pública não seria o instrumento correto para questionar o sigilo no setor.

É a mesma fórmula de sempre. Praticamente em todos os processo recentes, o setor rebate as ações descredenciando o papel da sociedade de exigir transparência e probidade das concessionárias e agentes públicos.

O mesmo discurso foi usado recentemente para tentar esvaziar a ação movida pela ProTeste pedindo que a Anatel divulgue a lista dos bens reversíveis utilizados pelas companhias.

Não sei onde os Pados são de interesse apenas das teles e da Anatel. Na última reunião do Conselho Diretor da agência - a primeira aberta à sociedade - mais de vinte recursos contra multas resultantes de Pados e outros processos administrativos foram analisados pelos conselheiros.

As infrações envolviam venda de cartões para orelhão acima do preço estabelecido pela Anatel, descumprimento do tempo limite para atendimento dos clientes nos Call Centers, falta de ressarcimento dos clientes por cobrança indevida e problemas no recolhimento de taxas e encargos do setor. Isso não interessa ao consumidor?

O princípio do Pado é a investigação de uma falha no cumprimento de uma "obrigação". E a maior parte das obrigações impostas às teles tem total relação com a prestação do serviço ao consumidor.

Não é à toa que uma parcela considerável dos Pados envolve falhas no cumprimento das metas de qualidade do serviço. Manter o sigilo pleno dos processos é impedir que a sociedade verifique a qualidade do serviço prestado.

É o método mais simples de colocar panos quentes nas diversas falhas que afligem consumidores em todo o país. A briga sobre a transparência já resultou em uma recomendação bastante irônica do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo.

Sobre a intriga em torno dos acordos da Telebrás, Bernardo sugeriu que a estatal cobre o mesmo nível de divulgação das teles privadas. Vamos ver se elas estão dispostas a tornar públicos seus acordos. Certamente alegarão sigilo desses documentos também.

A luta das teles contra a transparência será uma prova de fogo para a própria Anatel. Desde que tomou posse na presidência da agência, João Rezende adotou a aproximação entre a autarquia e a sociedade como sua principal bandeira.

Só nos resta torcer para que a Anatel não dê um passo atrás em seu processo de abertura e concorde com a volta do sigilo.