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Leia na Fonte: FNDC - Origem: Carta Capital
[22/07/13]
O lobby venceu a soberania (Entrevista com
Rogério Santanna)
O Brasil está tão exposto à espionagem telemática, diz Rogério Santanna, graças
a Paulo Bernardo.
O Brasil poderia a estar mais protegido da espionagem dos Estados Unidos
denunciada pelo ex-agente da CIA Edward Snowden se o governo não tivesse
abandonado a ideia de revigorar a Telebras, acredita o ex-presidente da
estatal Rogério Santanna. A recuperação da companhia e seu uso estratégico eram
pilares do Plano Nacional de Banda Larga lançado em maio de 2010. Segundo o
PNBL, a Telebras assumiria a rede de órgãos públicos, por exemplo (após três
anos, só a Presidência e o Exército têm o serviço). Também seria um ponto de
apoio a empresas brasileiras de telecomunicações como a Petrobras faz no
petróleo.
Santanna foi o primeiro presidente da nova Telebras, mas deixou o cargo em maio
de 2011, após se ver enfraquecido em Brasília. Segundo ele, o PNBL está
emperrado por força do lobby das operadoras privadas de telefonia crescente
desde a nomeação de Paulo Bernardo para o Ministério das Comunicações.
Carta Capital: Por que não foipossível levar adiante os planos do PNBL para a
Telebras?
Rogério Santanna: O lobby das operadoras foi mais forte do que a intenção de
soberania. Vimos claramente a Telebras mudar de direção. Ela se tornou uma
empresa fornecedora de infraestrutura para as grandes operadoras privadas.
CC: Em que o momento se deu isso?
RS: Com a ascensão do ministro Paulo Bernardo. Desde o início ele deu sinais de
que levaria a política de telecomunicações mais para perto das operadoras. Ele
chegou a se declarar, pelo Twitter, como "o ministro das teles". Parece que ele
vem cumprindo bem esse papel.
CC: Como o ministro Paulo Bernardo interferiu nos rumos da Telebras?
RS: Ele nunca conversou comigo sobre qualquer orientação estratégica nem
liberou os recursos combinados. A primeira transferência de dinheiro do governo
para a Telebras foi feita exatamente no dia em que eu saí. Como diria
Maquiavel, é mais importante saber o que um governo pretende olhando onde ele
bota as mãos do que olhando onde bota as palavras.
CC: Por que acha que o minstro agiu assim?
RS: E uma orientação do grupo político dele. Ele é o padrinho do presidente da
Anatel, o João Rezende, que claramente tem essa posição. Não sei se por opção
ideológica ou outra razão, mas não fazia parte dos planos do ministro dar à
Telebras o papel que havíamos concebido no governo Lula. Infelizmente, o PNBL
teve pouco tempo de governo Lula para ser consolidado. Na prática, ele só iria
frutificar no governo Dilma.
CC: Nada foi feito como no PNBL original?
RS: Muitas das coisas concebidas no governo Lula não foram executadas, a
começar pelo Orçamento. Havia uma previsão orçamentária de 1,4 bilhão de
reais. Primeiro, ela foi reduzida a menos da metade e depois não foi executada.
A Telebras deveria criar uma infraestrutura para dar suporte à conexão do
governo. Para acalmar a sanha das teles, logo no início o ministro disse que a
Telebras não iria prestar esse tipo de serviço, que ia se concentrar em fornecer
backbone, espinha dorsal da rede de cabos que corta o País, para pequenos
provedores. Ele não quis tirar o filé mignon das teles, que cobram preços
absurdos pelos maus serviços prestados ao governo.
CC: Pelo PNBL, o que a Telebras faria para o Estado brasileiro?
RS: Forneceria um backbone estratégico para as grandes conexões do governo,
como aquelas do Serviço Federal de Processamento de Dados, da Dataprev, a
empresa de tecnologia e informações da Previdência Social, e até das Forças
Armadas. Todas essas conexões são contratadas hoje das operadoras tradicionais.
CC: A falta desse backbone estratégico deixa o Brasil exposto?
RS: É um conjunto de coisas. A primeira foi abrir mão da soberania em satélites,
uma decisão surreal para qualquer país do porte do Brasil. O satélite da
Embratel foi vendido na privatização. A segunda é não ter soberania em cabos
submarinos. Hoje, 90% da internet brasileira passa pelos Estados Unidos. Mas o
pior é não deter tecnologia em telecomunicações. Até temos empresas promissoras
que, com algum incentivo, poderiam crescer e ajudar o governo a ter autonomia.
Os chineses e os indianos fazem isso. Quem não tem tecnologia nessa área não
sabe o que está comprando.
CC: O Brasil está indefeso?
RS: Não há como estar seguro sem algum nível de controle tecnológico.
CC: Ainda dá para reverter a situação?
RS: Não é um projeto que se resolva por decreto e do dia para a noite. Depende
de várias frentes, de uma coordenação nacional. O Brasil tem empresas
excelentes que, com investimento e incentivo, poderiam desenvolver soluções
próprias. A Telebras poderia progressivamente assumir a linha de frente, só
depende de orientação estratégica. Um país que tem a Petrobras e a Embraer pode
ter qualquer empresa de tecnologia.
CC: Quanto a Telebras precisaria investir para proteger o Estado?
RS: Nem é tanto questão de dinheiro, é de decisão. Mas, se o PNBL concebido no
governo Lula tivesse sido executado, estaríamos melhor. Espero que o caso
Snowden seja também uma oportunidade para o País entender algumas coisas.
Estamos numa posição muito tímida até agora, devíamos convidar Snowden para vir
e explicar o que sabe. Qual era, por exemplo, o papel da Booz Allen? Essa
empresa foi uma grande prestadora de serviços no governo Fernando Henrique e,
pelo que Snowden disse, era quase uma filial da bisbilhotagem dos serviços
norte-americanos. Pelo menos 80 multinacionais do setor, entre telefônicas,
firmas de software e de segurança de rede, dão suporte à vigilância, segundo a
revista alemã Der Spiegel