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Fonte: Planeta Osasco
[26/06/14]
A grande farsa do avanço em Telecom para a Copa. Vamos todos fingir?
A Copa do Mundo era uma desculpa para o Brasil resolver as questões de
infraestrutura do país. Entre elas, a de telecomunicações, especialmente no que
diz respeito à internet. Esse é, pelo menos, o discurso oficial. Analisando os
avanços no setor, contudo, o que se percebe é que ficamos com os custos de
garantir a transmissão para a FIFA, mas pouco avançamos tanto em ampliação de
acesso à conexão quanto em preço e em infraestrutura.
A realidade é que, após uma queda de braço entre o governo brasileiro e a FIFA,
a organizadora do evento venceu. Em outubro de 2012, durante a Futurecom, o
ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, sustentou: "Eles [FIFA] colocam tudo
como infraestrutura, mas temos que negociar. E vamos fazer isso. Não vamos ficar
com a conta toda”*. Não foi o que ocorreu. Assim como em diversas outras
disputas, o Governo Dilma cedeu e, por Medida Provisória, viabilizou a oferta de
serviço pela Telebras. A MP 600, de 28 de dezembro de 2012, definiu que a
prestação seria feita por meio da subsidiária Telebras Copa.
A Telebras tornou-se, assim, a empresa responsável pela construção da rede de
fibra óptica que está sendo usada na transmissão de imagens de alta definição (HDTV
– vídeo e áudio) entre as 12 arenas e o Centro Internacional de Coordenação de
Transmissão (IBC), no Rio de Janeiro. De 2012 até maio de 2014, a companhia
investiu R$ 89,4 milhões na implantação dessa infraestrutura para atender as
demandas da Copa do Mundo de 2014. A rubrica equivale a quase todo um ano de
aporte no desenvolvimento de rede para o Plano Nacional de Banda Larga (em 2013,
foram investidos R$ 112,8 milhões no PNBL. Em 2012, o valor foi de R$ 104,4
milhões, conforme relatórios apresentados à Comissão de Valores Mobiliários).
A opção pelo investimento em infraestrutura de transmissão para a Fifa parece
ainda mais chocante quando se tem em mente que, até dezembro de 2013, a Telebras
podia atender diretamente apenas 295 municípios, onde vivem 30% da população
brasileira (cerca de 18,3 milhões de domicílios). Em 2012, a estatal atendia o
PNBL em 268 municípios. Ou seja, em um ano, a Telebras chegou apenas a 22 novos
municípios, de um universo de mais de 5 mil existentes no país – que, sim, tem
proporções continentais.
Ou seja, o desafio de interiorizar o acesso à banda larga por meio de provedores
regionais e avançar na concorrência de links no atacado para forçar para baixo
os preços praticados ainda segue como uma promessa. E mais de 1 mil provedores
regionais de conexão à internet (ISPs) aguardam ansiosamente, segundo informa a
própria estatal, para contratar o serviço da Telebras e oferecer acesso mais
barato e de maior capacidade, nas diversas localidades nas quais as grandes
operadoras ainda não chegaram com suas redes fixas.
Para piorar, se coube à Telebras investir no anel óptico que interliga os 12
palcos dos jogos da Copa do Mundo ao centro da Fifa no Riocentro (RJ), a conta
do serviço de transmissão foi entregue diretamente a ele, Paulo Bernardo. Ou a
nós. Apesar de aparentemente ter esboçado resistência, o ministro das
Comunicações sentou na ponta da mesa e desembolsou R$ 110 milhões para pagar os
serviços de telecomunicações e transporte de dados para a transmissão de áudio e
vídeo durante a Copa do Mundo 2014. Mais uma vez, estamos falando do orçamento
anual da Telebras para o PNBL. Enquanto a conta vai ser paga pelo contribuinte,
os lucros do evento ficarão com a Fifa.
4G e o mito do acesso móvel
O discurso oficial do governo aponta que um dos grandes avanços do país em
termos de telecomunicações para a Copa do Mundo da Fifa no Brasil foi a
implantação da rede LTE nas doze cidades-sede do evento até o início da
competição, bem como as metas de cobertura futuras previstas no edital leilão de
frequência realizado em junho de 2012, que estabelecia que, em maio de 2014,
todas as capitais e cidades com mais de 500 mil habitantes deveriam estar
cobertas. Cidades com mais de 30 mil habitantes deveriam contar com o serviço
ativo nas cidades até o final de 2017. Municípios menores têm que contar com o
4G até o final de 2019.
Muito bem. O problema é que ainda estamos falando de um serviço muito caro para
a população. A Anatel, com a anuência do governo federal e apoio do
SindiTelebrasil, o sindicato que representa as operadoras de telecom, vem
divulgando dados maquiados sobre o número de conexões móveis existentes no país.
A agência reguladora informou em release, do dia 17 de junho, que “a banda larga
móvel totalizou 123,63 milhões de acessos, dos quais 2,83 milhões eram terminais
4G”. Ora, a forma como a frase está colocada leva o leitor desavisado a supor
que o número de acessos à internet banda larga em dispositivos móveis supera
mais da metade da população brasileira.
A realidade, porém, é que estes são dados de chips ativados em tecnologia móvel
capaz de prover acesso à internet. Basicamente, todo usuário que dispõe de um
smartphone 3G e 4G, de um modem, uma máquina de pagamento de cartão e etc entra
na conta da banda larga móvel da Anatel. No entanto, uma conversa rápida com um
executivo de qualquer uma das grandes operadoras do Serviço Móvel Pessoal (SMP)
trará a verdade à tona. No Brasil, estima-se que algo em torno de 20% dos
detentores de smartphones tenham pacotes de dados. Um percentual que tende a
cair, uma vez que a política tributária do governo federal vem estimulando a
venda desses aparelhos no país: ou seja, mais gente com o aparelho, mas não
necessariamente com capacidade de comprometer parte da renda com serviços de
telecomunicações.
A Telebrasil, por sua vez, divulgou em maio que o país já conta com 150 milhões
de acessos banda larga. O montante também considera os 127,2 milhões de conexões
em redes 3G ou 4G que apenas potencialmente (vamos frisar aqui: potencialmente)
poderiam se conectar. Desse total, 111,5 milhões correspondem a celulares. Na
banda larga fixa, ainda seguimos com números risíveis que nem ao menos podem ser
maquiados, como se faz com a versão móvel. Eram 23,1 milhões de acessos em
abril, em um país de mais de 200 milhões de habitantes. A expansão de 10% em
doze meses no número de acessos fixos pode render bons títulos em releases
oficiais e algum efeito em palanques, mas todo mundo sabe que, sob uma base
pequena, é fácil avançar em termos proporcionais.
Para se ter uma ideia de quanto os pacotes de banda larga móvel estão distantes
de serem acessíveis à população, considerando alguma regularidade (não com
pré-pagos por um dia ou mês – sim, leitor, os pobres querem acessar a internet
todos os dias), vale a pena comparar os preços dos pacotes oferecidos no país
com a recomendação da União Internacional de Telecomunicações (UIT), órgão da
ONU para o setor. A oferta de entrada da banda larga, diz a UIT, não deve
ultrapassar 5% da renda média mensal**. Como o Brasil é um país muito desigual,
vamos usar como referência o salário-mínimo que, desde janeiro, vale R$ 724. Os
pacotes de entrada de 4G, quando do lançamento das ofertas, no ano passado,
variavam de R$ 79,90 a (2GB de franquia da Claro) a R$ 149 (2GB da Vivo)*** e
isso ignorando que os pacotes de dados devem estar atrelados a serviços de voz
mínimos. Ou seja, bem acima dos 10% do salário-mínimo brasileiro.
Agora, a bem da verdade, ainda é preciso desmontar um último argumento. Não é
preciso uma Copa do Mundo para fazer um leilão de frequência e encaminhar a
construção de redes. O governo federal está mostrando isso agora, ao empurrar
goela abaixo o leilão da faixa de frequência de 700 Mhz (também para redes LTE),
apesar das diversas incertezas sobre interferência entre o serviço de banda
larga móvel e a TV digital terrestre aberta.
Pensando pequeno
O tamanho da ambição brasileira em termos de garantia de acesso (ou sua
pequenez) se mede pela velocidade exigida na oferta de “internet” rural: taxa de
transmissão de 256 kbps de download, 128 kbps de upload e franquia mensal de 250
MB, conforme as obrigações das vencedoras do leilão da faixa de frequência de
2,5GHz, previstas no edital da Anatel. Isso nem ao menos é banda larga! A UIT,
em 2003, mais de dez anos atrás, admitia que a definição de banda larga era
difícil porque sempre em evolução, mas apontava que o termo seria devidamente
usado quando para denominar serviços cuja capacidade de transmissão fosse
superior a 1,5 Mbps****.
Mesmo que 100% dos municípios brasileiros disponham da oferta estabelecida no
edital até dezembro de 2015, tal como previsto, seria forçar a barra falar em
garantia de acesso à internet – um meio com cada vez mais recursos, mas que
também exige maior capacidade (e não, as pessoas que moram no campo não querem
menos da internet do que você, leitor). O máximo que o governo conseguiu chegar
neste edital foi exigir que, até dezembro de 2017, as operadoras ofereçam
conexão com taxa de transmissão de 1 Mbps de download, de 256 kbps de upload e
franquia mensal de 500 MB.
*
http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=32725&sid=8#.U6uH441dUjA
**
http://www.broadbandcommission.org/Documents/Broadband_Targets.pdf
***
http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/05/operadoras-lancam-pacotes-de-banda-larga-4g-veja-planos.html
****
https://www.itu.int/osg/spu/publications/birthofbroadband/faq.html