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Fonte: Carta Capital
[22/01/15]
O fracasso do Programa Nacional de Banda Larga - por Marina Cardoso
Análise do Senado mostra que metas de conexão estabelecidas para 2014 estão
muito longe de serem alcançadas. Mais de 38 milhões de famílias vivem um hiato
digital
Foi-se o final de ano, o novo-velho governo tomou posse, nomeou ministros e
mostrou a que veio. Pois bem. Agora, nesse começo de janeiro, antes de seguirmos
em frente, é recomendável parar um minuto para refletir sobre os resultados do
Programa Nacional de Banda larga (PNBL), instituído em 2010 pelo Decreto 7.175,
cujas metas deveriam ter sido alcançadas até o findado 2014. Para isso, contamos
com a ajuda do relatório de avaliação do PNBL feito pela Comissão de Ciência,
Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado Federal. O estudo foi
concluído em dezembro e – esperamos que por conta do período de publicação –
ganhou pouco espaço na mídia. É, no entanto, bastante elucidativo sobre o
retumbante fracasso do Plano. Vale lê-lo atentamente.
Para começar: a meta de domicílios conectados estabelecida para 2014 está muito
longe da alcançada. A expectativa era fechar o ano passado com 35 milhões de
domicílios com acesso à internet fixa. Porém, em agosto, os acessos à banda
larga fixa chegavam a apenas 23,5 milhões de locais, segundo dados do próprio
Ministério das Comunicações (Minicom), incluindo aí instalações em
estabelecimentos comerciais. Ou seja, há um abismo de mais de 10 milhões de
acessos entre a realidade e a meta prevista.
A Consultoria Legislativa (Conleg) do Senado calculou que exista no Brasil um
hiato digital em aproximadamente 38,4 milhões de famílias, uma cifra que
corresponde a mais de dois terços do total da população. Um dado vergonhoso,
especialmente quando se tem em conta que o Brasil é a sétima maior economia do
mundo, de acordo com o Banco Mundial.
O pacote de banda larga popular, criado por meio da assinatura de termos de
compromisso entre as operadoras e o Minicom, também apresenta resultados pífios.
Os últimos dados disponíveis apontam para 2,6 milhões de assinaturas, menos de
1% do total de acessos à internet fixa, sendo metade delas concentrada no estado
de São Paulo. É bom lembrar aqui que os dados da banda larga popular do PNBL
divulgados pelo Minicom são imprecisos quanto a sua data de coleta (e não mudam
há algum tempo), e não incluem informações por região, ou dados de desconexão.
Ou seja, também faltam informação e transparência para um melhor balanço da
política.
O governo poderia se gabar de poucos aspectos do PNBL, entre eles a cobertura da
oferta do plano popular, que, segundo juram as concessionárias, alcançou 4.912
cidades. O difícil é o cidadão conseguir contratar o tal pacote que estaria
disponível em quase todos os municípios do País. Diversas reportagens denunciam
que empresas escondem tal oferta em suas páginas da internet e que há
dificuldade de contratação do plano por meio dos serviços de atendimento
telefônico das operadoras – isso sem falar do total desconhecimento da população
sobre a existência do plano popular.
O ministério e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) fazem vistas
grossas. Assim, as operadoras dizem que oferecem o serviço popular, o governo
finge que acredita e o nível de conexão no país segue crítico. Pesquisa
realizada pelo DataSenado, entre 29 de outubro e 12 de novembro de 2014, mostrou
que dois terços dos entrevistados NUNCA havia ouvido falar do PNBL.
Falando de alguma coisa boa, o PNBL teve um importante mérito: o de reativar a
Telebras. Infelizmente, porém, a meta traçada era a de disponibilização da Rede
Nacional de Internet, gerenciada pela Telebras, em 4.278 municípios até 2015. Só
que até agora a estatal amarga míseros 612 municípios conectados, sendo apenas
360 por oferta direta.
De acordo com o relatório do Senado, “a principal razão para o desempenho abaixo
do previsto pode ser imputada ao investimento insuficiente nos projetos
executados pela Telebras”. O Plano Plurianual de 2012 a 2015 prevê investimentos
da ordem de 2,9 bilhões de reais para o PNBL no período de 2012 a 2013. Já as
leis orçamentárias anuais nos mesmos anos garantiu apenas 314,7 milhões de reais
para o investimento. Com o contingenciamento de recursos, o valor se reduzia
ainda mais, para 267,9 milhões de reais. Por fim, a execução orçamentária, de
fato, foi de 214,1 milhões de reais, ou seja, 7,4% do previsto no PPA.
Diante de tantos fracassos, há que se perguntar o que aconteceu. Uma possível
explicação está no próprio Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital (CGPID),
órgão composto por representante de nove ministérios, de duas secretarias e do
Gabinete Pessoal do Presidente da República. Compete ao CGPID a gestão e o
acompanhamento do PNBL no âmbito do Poder Executivo, cabendo-lhe fixar as ações,
metas e prioridades do programa, acompanhar e avaliar suas ações de
implementação e publicar anualmente relatório de acompanhamento, demonstrando os
resultados obtidos. Acontece que o CGPID não se reúne desde 2010 – ano de
criação do PNBL! Não houve, portanto, até agora, relatório algum de
acompanhamento do plano.
Uma coisa é certa: não podemos fechar os olhos para o papel central que a
internet ocupa hoje na sociedade. Por ela passam, cada vez mais, as relações
econômicas, políticas e sociais. No entanto, na prática, apesar do Marco Civil
dizer o contrário, o acesso à internet ainda não é considerado um serviço
essencial em nosso País. Ao manter dois terços das famílias naquilo que a
Consultoria do Senado classificou de hiato digital, optamos, como sociedade, a
aprofundar as desigualdades contra as quais viemos lutando bravamente. Estamos
enxugando gelo.
Por isso, a sociedade civil, organizada em torno da campanha Banda Larga É
Direito Seu, apresentou ao Executivo e à Anatel uma proposta de política pública
para garantir a universalização do acesso à internet no Brasil. Seu eixo central
é a mudança do regime de operação de rede e de prestação do serviço de acesso à
internet no atacado do chamado regime privado para o público. O relatório do
Senado endossa essa proposta: “recomenda-se a prestação do serviço de acesso à
internet em regime público, a fim de promover a sua universalização”.
Neste início de 2015, a campanha Banda Larga É Um Direito Seu, da qual o
Intervozes é membro, inicia a tentativa de abertura de diálogo com o novo
governo e demais atores envolvidos, para caminharmos com um plano que seja
efetivo. Porque não estamos apenas apontando o dedo. Estamos dispostos a
construir os caminhos. Durante a campanha eleitoral, a presidenta Dilma Rousseff
se comprometeu a universalizar o acesso à internet no Brasil até o final desta
gestão. Esperamos que o fracasso do PNBL sirva, ao menos, para se construir um
plano de universalização da banda larga de forma democrática, ouvindo não apenas
as empresas, mas a maior interessada: a sociedade.
* Marina Cardoso é jornalista e integrante do Intervozes