WirelessBRASIL |
|
WirelessBrasil --> Bloco Tecnologia --> Telebrás e PNBL --> Índice de artigos e notícias --> 2017
Obs: Os links originais das fontes, indicados nas transcrições, podem ter sido descontinuados ao longo do tempo
Leia na Fonte: Tele.Síntese
[29/03/17]
Bittar: “As grandes operadoras vão ganhar mais um presente – o satélite da
Telebras” - por Miriam Aquino
O engenheiro Jorge Bittar, ex-presidente da Telebras, e ex-deputado, em
entrevista ao Tele.Síntese, rebate as críticas feitas ao projeto do satélite
desenvolvido em sua gestão, e aponta para o que considera os graves erros do
atual modelo de exploração do SGDC, proposto pela nova gestão. Para Bittar, a
Telebras está abdicando de seu papel público ao entregar 80% de sua capacidade
ao setor privado e sem cobrar qualquer contrapartida ou meta de universalização.
Tele.Síntese: O modelo de satélite que você conduziu era viável economicamente?
Jorge Bittar: Com certeza. Antes de mais nada, é preciso saber qual é o papel da
Telebras? Ela não é uma empresa privada. Pessoalmente não tenho nenhum
preconceito contra o setor privado, preservando-se o papel de cada uma. O papel
da Telebras seria o de oferecer uma infraestrutura complementar, seja de fibras
ópticas, seja de infraestrutura satelital para permitir o acesso em grande
escala à internet aos pequenos e médios provedores do Brasil, porque são eles
que chegam às residências, nas pequenas e médias empresas. Também tem o papel de
fornecer redes seguras de governo, e eventualmente lidar até com as grandes
operadoras, fazendo swap de rede E chegar ao usuário final quando não houver
outra alternativa no mercado.
Tele.Síntese – E os problemas orçamentários?
Bittar – Brigamos muito para levantar os recursos para o satélite. Desde a
entrada do Levy (ex-ministro) no Ministério da Fazenda as torneiras financeiras
do governo foram fechadas. Mas conseguimos rigorosamente todos os recursos
necessários para garantir o pagamento do satélite a tempo e a hora. O cronograma
do satélite está absolutamente dentro do previsto. Só houve atraso do lançamento
do satélite por conta da empresa lançadora, a Arianespace. Para o plano de
negócios, levantamos demanda de provedores, demanda de governo, demandas
específicas do Gesac. Não procede nenhuma informação de que a Telebras não
estava se preparando para lançar e operar o satélite. Nós construímos um plano
de negócio que remunerasse os investimentos feitos pelo governo e ao mesmo tempo
assegurasse recursos para o segundo satélite brasileiro.
Tele.Síntese – E em relação às gateways?
Bittar – Na primeira licitação, o TCU não constatou irregularidade, apenas pediu
que fosse refinado e aprimorado o plano de negócio do satélite. Agora, o
satélite será lançado, em dois meses será operacional, e vai haver apenas dois
gateways operando, que são de Brasília e do Rio de Janeiro. Os outros gateways
só entrarão bem depois, porque a Telebras ainda não comprou os equipamentos, o
que significa que o satélite não operará na sua capacidade máxima nesse período.
Tele.Síntese: As cinco gateways estão mantidas no projeto?
Bittar: Estão mantidas. O que já estava sendo discutido na Telebras é que, ao
invés de botar outra “antenona” para gateway, será usada essa mesma antena
compartilhando as comunicações satelitais de controle com as outras
comunicações. Mas as outras três tem que ser instaladas: uma em Salvador, outra
em Florianópolis e outra em Campo Grande.
Tele.Síntese: Esse plano de negócios conseguiria no prazo de vida útil do
satélite, que são 18 anos, prever o retorno do investimento dos dois bilhões e
700 milhões do satélite, ou não?
Bittar: Claro. O projeto previa a oferta de capacidade, de backhaul integral,
por que não é possível oferecer link compartilhado para o provedor, ou para as
escolas. A Telebras só poderia vender internet de forma plena, full, com links
terrestres também. São mais de 100 mil escolas no Brasil, das quais 50 mil são
rurais, que precisam de conectividade. As escolas de periferia também precisam
de conectividade, onde não há links de boa qualidade. O satélite cobriria a
necessidade de se oferecer um link pleno. Não dá para colocar link compartilhado
em escola de 500 alunos. Tem que ser colocado 50 MB, 100 MB 150 MB full. Nós
tínhamos um projeto de levar conteúdos educacionais às escolas brasileiras. Eu
posso afirmar, se eu fosse conectar todas as escolas rurais e as escolas das
periferias brasileiras, a capacidade total do SGDC não seria suficiente.
Tele.Síntese: Um dos argumentos da atual diretoria da Telebras para reformular o
projeto do satélite é que a empresa não tem capacidade de acender as conexões
pois estaria ligando apenas 10 links por mês.
Bittar: Fui presidente da Telebras durante um ano e três meses apenas.
Construímos um planejamento estratégico, construímos uma super-gerência de
clientes, que foi desmontada pela atual gestão. Uma super-gerência na diretoria
técnica para entrega dos links. Construímos uma proposta de financiamento da
expansão da rede terrestre na Telebras. Qual era essa estratégia? Buscamos os
grandes clientes de governo, porque percebemos que só com os clientes provedores
nós não iríamos ter os contratos necessários para oferecer como garantia de
financiamento. Fomos até a Dataprev, que já foi contratada. Contratamos a
Dataprev, Cprm, Icmbio, Ibama, NTT no Brasil inteiro. Só o contrato da Dataprev
é de R$ 300 milhões. Esse contrato ficou parado depois que saí da Telebras
durante vários meses até que eles se deram conta da importância de levar
adiante. E acabou sendo contratado só agora, quando deveria ter sido contratado
em julho ou agosto do ano passado, como já estava previsto. Para instalar as
antenas VSats, em todo o Brasil, estávamos em discussão avançada com os
Correios. Teríamos uma Telebras saudável, econômica e financeiramente.
Tele.Síntese: E você acha que com essa estratégia isso iria se concretizar?
Bittar: Com certeza. Embora não digam isso, os contratos atuais da Telebras
foram todos elaborados pela nossa gestão. Não há nenhum novo contrato. E a nova
diretoria está lá há oito meses. E durante esse período, quadros técnicos
importantes da Telebras foram demitidos, exonerados, pessoas de alta capacidade
foram excluídas da Telebras, o que significou um prejuízo muito grande, tanto no
planejamento técnico quanto na parte de entrega. A Telebras está sendo
aparelhada politicamente. Eu fui para a Telebras, levei a chefe de gabinete e um
assessor. De resto, trabalhei com funcionários e quadros técnicos da Telebras.
Tele.Síntese: Em relação à nova proposta para o satélite formulada pelo atual
governo, qual é a sua opinião?
Bittar: Nesse projeto, a Telebras abdica do seu papel público, ao entregar 80%
da capacidade do satélite para o setor privado, sem criar qualquer tipo de
obrigação de universalização. Falam da universalização, mas não há nenhuma
garantia de que isso vá ocorrer. A Telebras, ficando com apenas 20% da
capacidade do satélite, não conseguirá cumprir o seu papel. Se quisesse atender
todas as escolas, a capacidade total seria insuficiente, se se quiser atender
com qualidade. Imagine, então, atender órgãos de governo, unidades de saúde, a
totalidade do Gesac. Com o atual projeto, o Estado brasileiro deixa de ser o
impulsionador da universalização para apenas oferecer infraestrutura para as
grandes operadoras.
Tele.Síntese – A atual gestão afirma que os programas sociais continuarão a ser
atendidos
Bittar – Ora, o edital está direcionado apenas para as grandes operadoras,
porque nem consórcio foi permitido no projeto. Se pequenas e médias operadoras
desejassem se consorciar para participar seriam proibidas. E como é que fica a
licença do SGDC fornecida pela Anatel? A Telebras, para ter a licença de órbita
do SGDC não participou de licitação e pagou apenas um preço simbólico pelo
direito de utilização dessa órbita, com a garantia de que o satélite seria para
fazer política pública. Há uma fraude nesse processo.
Tele.Síntese: A Telebras acredita que haverá interesse por parte do mercado ao
edital.
Bittar: Claro. As operadoras privadas vão ganhar mais um presente! Porque elas
ganharão um satélite que não participou de um processo licitatório, que não
pagou pelo direito de exploração daquela órbita. O que é uma assimetria de
mercado. E as outras que pagaram? Haverá uma distorção competitiva no mercado.
Tele.Síntese: O diretor da Telebras, Jarbas Valente, na entrevista ao
Tele.Síntese, afirmou que a capacidade a ficar disponível para a Telebras é
maior do que a dos outros satélites privados
Bittar: Ele está confundindo capacidade com entrega no varejo. Quer dizer, para
se atender às pessoas físicas, será oferecido banda larga compartilhada. 1MB é
compartilhado para até 100 usuários. Mas você acha que se deve colocar banda
larga compartilhada dentro da escola? Como atender quinhentos alunos dessa
escola? Como atender um provedor em uma localidade? Li a entrevista e ele está
fazendo um exercício de contorcionismo, não? Porque está comparando coisas
completamente distintas; oferta no atacado de banda larga full, com oferta super
híper compartilhada ao usuário final, como fazem as operadoras privadas.
Tele.Síntese – Então, você acha mesmo que não haverá capacidade disponível? Por
que?
Bittar- Simplesmente a Telebras não terá condições de atender toda a demanda
prevista. Demanda de governos estaduais, demanda de provedores, demanda de
escolas públicas brasileiras, demandas de saúde, demanda do GSAC e assim por
diante, efetivamente. Para isso o satélite brasileiro foi projetado. É uma
verdadeira traição aos objetivos estabelecidos lá trás. O satélite brasileiro é
um sonho que veio das Forças Armadas, que utilizava o satélite de uma operadora
internacional. Conforme o edital lançado agora, a Telebras terá apenas 11 GB,
que na verdade caem para 7 GB (devido questões do próprio satélite). A Telebras
vai abdicar do seu papel. Vai entregar para as operadoras 80% da capacidade. É
uma verdadeira doação às empresas grandes operadoras, o satélite que foi
financiado com os recursos do Tesouro Nacional, ou seja, recursos do
contribuinte brasileiro para cumprir o papel público e agora o governo
simplesmente abdica desse papel. Isso é muito grave. Considero isso gravíssimo!
Sinceramente eu espero que isso não prospere.
Tele.Síntese – A nova gestão alega ainda que não havia planejamento para a
expansão da rede terrestre
Bittar – Até parece que antes, o satélite ia ficar solto no ar! É claro que a
rede terrestre estava prevista e com redundância, evidentemente.
Tele.Síntese: A Embratel, com oito ou nove satélites fatura cerca de R$500
milhões/ano. Vamos supor que tenha um lucro de 10%. Aual o faturamento que a
Telebras precisaria ter para poder pagar o investimento?
Bittar: Não tenha dúvida que é absolutamente rentável. Claro que eu não vou
vender o MB full pelo mesmo preço que eu vendo o MB compartilhado, mas não dá
para comparar satélites de banda C, banda Ku com satélites de banda Ka. O
satélite banda Ka tem 10, 100 vezes mais capacidade que o satélite banda Ku. O
custo por MB de um satélite banda Ka é muito menor. Previa-se em determinada
situação, receita na casa de R$ 1 bilhão. Isso, considerando os preços de
mercado do MB, seja MB full ou seja o MB compartilhado quando fosse o caso.
Tele.Síntese – Para a atual diretoria, a cobertura de todo o território
nacional, uma exclusividade desse satélite, já será um diferencial de atração
aos novos investimentos e à oferta do serviço
Bittar- E quem disse que as operadoras que ganharem a licitação vão levar a
banda larga para as regiões remotas? E se o fizer, vão levar a preços
altíssimos, já que serão praticamente monopolistas nesses mercados.
Tele.Síntese: Mas as empresas vão garantir essa cobertura.
Bittar: A cobertura já existe. A cobertura é do satélite! Quem garante a
cobertura territorial é o satélite brasileiro, que através dos seus feixes cobre
todo o território brasileiro e a plataforma marítima.
Tele.Síntese: Mas a operadora que ganhar a licitação vai colocar o equipamento
para receber o feixe, o sinal.
Bittar: O sinal está ali disponível. O que é necessário é colocar as antenas
Vsat em locais adequados. E as operadoras privadas que ganharem o leilão, podem
perfeitamente concentrar as receitas nas áreas mais rentáveis e não cumprir o
resto do país. Não há qualquer obrigatoriedade. O mais importante seria atender
o provedor. Agora, no entanto, não há nenhum dispositivo concreto no edital que
demonstre essa obrigatoriedade.