WirelessBRASIL

WirelessBrasil  -->  Bloco Tecnologia  -->  Telebrás e PNBL --> Índice de artigos e notícias --> 2018

Obs: Os links originais das fontes, indicados nas transcrições, podem ter sido descontinuados ao longo do tempo


Leia na Fonte: G1
[21/05/18]  Após 'não' de empresas, Telebras reduziu exigências para achar parceiro em satélite bilionário - por Helton Simões Gomes

Documentos obtidos pelo G1 mostram que exigência de garantias e divisão de receitas são diferentes em licitação e no contrato assinado; disputa judicial impede uso maior do satélite.

Após manter aberto um processo de chamamento público por oito meses e não achar interessados, a Telebras reduziu exigências para achar um parceiro que aceitasse operar o primeiro satélite integralmente controlado pelo Brasil. É o que mostram cópias de documentos obtidos pelo G1 e que estão anexados em um processo judicial que contesta a contratação da norte-americana Viasat para operar o satélite.

A Lei das Estatais permite que um contrato seja fechado sem licitação caso o processo "não possa ser repetido sem prejuízo a empresa pública" e "desde que mantidas as condições preestabelecidas”.

A mudança nos termos do contrato é motivo de uma briga na Justiça que impede o satélite de distribuir internet em lugares remotos no país. Há um ano no espaço, o equipamento custou R$ 2,78 bilhões, não conectou nem 0,1% dos locais planejados e rende um prejuízo diário de R$ 800 mil a seus donos - uma empresa de capital misto formada pela Telebras e pela americana Viasat.

O bloqueio do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC) começou em março, quando a empresa amazonense Via Direta contestou na Justiça o contrato entre a Telebras e Viasat.

Licitação sem interessados

Após nenhuma empresa aceitar as cláusulas do edital aberto no ano passado, a Telebras começou a receber propostas privadas. A Via Direta reclamou de que foi preterida após ter iniciado uma negociação para distribuir parte da capacidade de banda larga do satélite. Sindicatos de empresas do setor também entraram na Justiça, como SindiTelebrasil (telecomunicações) e SindiSat (satélites). Contestaram que algumas exigências mudaram entre o processo público e as tratativas privadas.

Algumas condições foram de fato alteradas. É o que mostra uma comparação entre o edital público da Telebras e o contrato firmado com a Viasat. Os termos do contrato eram mantidos em sigilo pelas duas empresas, mas foram submetidos à Justiça no processo que corre em segredo.

Tanto o contrato quanto o comparativo foram enviados ao G1 por uma fonte que preferiu se manter anônima após a publicação da reportagem sobre as perdas do satélite, em 5 de maio.

A reportagem questionou o Sindisat sobre diferenças entre edital e contrato. O sindicato das empresas de satélite apontou seis diferenças, cinco das quais idênticas às encaminhadas ao G1 de forma reservada.

Entre as mudanças estão:

- Pagamento do valor total do contrato;
- Origem da receita com operação do satélite;
- Estabelecimento de garantias;
- Exigência de utilização de capacidade do satélite.

Telebrás: diferentes, mas comparáveis

A Telebras argumenta que os dois processos, o chamamento público e o contrato associativo, são "jurídica e economicamente distintos". Os únicos termos que poderiam ser comparados diretamente são fluxo de caixa gerado e valor atual líquido (VPL) gerados nas duas situações. Essas informações, no entanto, foram omitidas do documento do contrato enviado à Justiça.

A Telebras diz ainda que receberam cópias na íntegra o Tribunal de Contas da União (TCU), que acompanha as negociatas desde 2013, e o Ministério da Defesa, parceiro no SGDC.

A empresa assume que, ainda que sejam "modelos de parametrização distintas", os dois processos guardam aspectos que são comparáveis "em certa medida", como:

- a dinâmica de atuação das empresas;
- a lógica de compartilhamento;
- a forma de pagamento.

A Telebras admite também que o acertado com a Viasat foi diferente do que o estabelecido no chamamento público, mas acrescenta que todas as empresas com quem negociou após a fracassada licitação fizeram propostas diferentes da original. Entre as interessadas, afirma, estavam associadas do Sindisat.

O sindicato admite que houve negociação entre suas filiadas e a Telebras. As tratativas não deram resultado, diz, porque “pedidos de esclarecimentos e pedidos específicos de alteração das condições do edital e minuta de contrato” não foram atendidos. O Sindisat nega, no entanto, que foi feita alguma proposta.

O que mudou?

Pagamento

O edital de chamamento público, encerrado pela Telebras sem interessados em dezembro de 2017, previa que a empresa contratada deveria pagar 15% do valor estipulado. Já no contrato firmado com a Viasat, o estipulado foi que a Telebras é que deveria pagar à contratada. A quantia foi uma das partes que não consta no contrato entregue à Justiça.

A Telebras admite que o contrato com a Viasat prevê antecipação. Argumenta, porém, que isso “melhora o fluxo de caixa da parceria e maximiza os resultados”, o que só ocorre porque permitiria que a Viasat reduzisse o “valor da contrapartida relativa à manutenção dos pontos instalados para atendimento aos clientes da Telebras”.

Receita

Outra diferença é que o edital previa que a contratada deveria pagar o valor acertado quer tivesse clientes ou não. Já o contrato firmado com Viasat passou a prever um modelo de compartilhamento de receitas. Assim, o pagamento só seria feito caso a operação gerasse receita.

A Telebras assume que há, de fato, distinção nesse ponto, mas a diferença maior é na composição da receita entre um modelo e outro. O chamamento previa que a receita viria da venda da capacidade de banda do satélite para a contratada. No contrato, a Telebras é remunerada por ficar com uma parte do que a Viasat recebe de seus clientes -- a Viasat tem também de instalar a infraestrutura em solo necessária para receber o sinal do satélite.

Segundo a Telebras, se o modelo do chamamento fosse mantido, ela não seria beneficiada caso a contratada tirasse o máximo proveito do satélite.

Garantia

O edital do ano passado exigia ainda que a futura parceira oferecesse uma garantia que correspondesse a 20% do valor total do contrato. Já o contrato com a Viasat não prevê esse pagamento.

Exigir garantias foi uma forma, diz a Telebras, de “reduzir riscos na eventual participação de empresas sem condições de suportar financeiramente o contrato”. Para fechar contrato com a Viasat, as garantias foram retiradas por se tratar de “uma oportunidade de negócios única e específica, com empresa singular e uma das maiores do mundo”.

Utilização da capacidade

Outra exigência trazida pelo edital é que obrigava a empresa contratada a usar efetivamente, no mínimo, 25% da capacidade cedida de cada um dos feixes do satélite. E fixava prazo de três anos para isso. Caso não cumprisse, a empresa teria de devolver a capacidade recebida sem ter o valor pago pela utilização do satélite reduzido ou reembolsado.

Já no contrato com a Viasat, a Telebras estabeleceu que a norte-americana poderia devolver a capacidade não usada sem sofrer penalidade alguma. A Telebras argumenta que a dinâmica de utilização foi revisada com o intuito de ser melhorada.

Contrato
A Telebras informa que o contrato com a Viasat respeitou o disposto no artigo 28 da Lei das Estatais, que dispensa concorrência para compras públicas:

O caso

Ao entrar na Justiça, a Via Direta alegou que o negócio ainda coloca a soberania do Brasil em risco. Como é fruto de uma parceria entre Ministério da Defesa e Telebras, o SGDC é usado de forma compartilhada por militares e civis. Ao Exército cabem 30% da capacidade do equipamento, usadas para conectar suas instalações, como postos da fronteira. A empresa de capital misto fica com o restante, que é usado para fornecer a conexão contratada por diversos órgãos do governo federal.

O negócio foi modelado para que a Telebras contratasse uma empresa para instalar a infraestrutura de rede em todo o Brasil. Em contrapartida, ela poderia explorar a capacidade não utilizada para ofertar seus próprios serviços de banda larga.

O argumento da Via Direta de que ter uma empresa estrangeira envolvida com um satélite por onde passam comunicações militares fez a ação judicial ir para no Supremo Tribunal Federal (STF). Antes de chegar à mais alta corte brasileira, a disputa já havia resultado na suspensão do contrato entre Telebras e Viasat, determinada pela Justiça do Amazonas e mantida pelo Tribunal Regional da 1ª Região.

O que diz a Telebras

Após a publicação desta reportagem, a Telebras entrou em contato para reafirmar que a mudança nos termos do contrato forma alvo da ação judicial e que a proposta da Viasat foi escolhida por ser "a mais aderente aos objetivos estratégicos" e a "única que atendeu a todas as pressimas do Conselho de Administração da Telebras".

Leia a nota da Telebras:

O chamamento público não foi licitação, como já reconheceu o Tribunal de Contas da União e a Justiça Federal, pois teve como fundamento jurídico o Art. 173 da Constituição Federal e o art. 28, parágrafo 3º da Lei das Estatais (13.303/2016).

Demonstrada a falta de interesse das empresas no modelo do chamamento e sua inviabilidade de repetição, a Telebras passou a receber propostas de parceria estratégica das mais distintas naturezas, sem qualquer vinculação ao chamamento ou necessidade de se replicar suas condições.

A proposta da Viasat para celebração de contrato associativo com a Telebras é a mais aderente aos objetivos estratégicos da Companhia e foi a única que atendeu a todas as premissas do Conselho de Administração da Telebras.

A mudança nos termos do contrato não é o foco da ação judicial, como está dito na matéria.