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Leia na Fonte: Gazeta do Povo
[03/02/20]
Por que o governo mudou de ideia e injetou R$ 10 bilhões em três estatais -
por Jéssica Sant'Ana
A intenção da equipe econômica era reduzir substancialmente, já no primeiro ano
do governo Bolsonaro, o dinheiro aportado em estatais que não dependem do
Tesouro Nacional – as chamadas "não dependentes", em que as receitas são
suficientes para bancar as despesas, para as quais o governo não é obrigado a
repassar dinheiro. Mas, aos 45 minutos do segundo tempo, o governo mudou de
ideia e injetou R$ 10,1 bilhões em estatais não dependentes. Foi o maior valor
desde 2016.
Desses R$ 10,1 bilhões, a maior parte – R$ 9,6 bilhões – foi transferida em
dezembro do ano passado, o que não estava programado. De janeiro a novembro, o
governo tinha repassado para as estatais independentes apenas R$ 461,5 milhões.
Era o menor valor desde o início do governo Temer. Só que, com a capitalização
recorde realizada em dezembro, 2019 encerrou como o ano de maior repasse dos
últimos três anos.
Em 2016, o governo capitalizou as estatais em R$ 6,5 bilhões (valor da época, R$
7,4 bilhões no valor corrigido pelo IPCA de dezembro de 2019). Em 2017, os
aportes caíram pela metade: R$ 3,3 bilhões em valor nominal e R$ 3,6 bilhões
corrigidos. Em 2018, a capitalização foi de R$ 4,8 bilhões, sendo R$ 5 bilhões
no valor atualizado pelo IPCA. O Tesouro não disponibilizou dados sobre o
período anterior a 2016.
Emgepron, Infraero e Telebras lideraram aportes em estatais independentes
O aumento da capitalização de estatais foi puxado por três empresas: Emgepron,
Infraero e Telebras. Sozinha, a Emgepron teve seu capital aumentado em R$ 7,6
bilhões em 2019. Em segundo lugar, aparece a Infraero, com R$ 1,5 bilhão.
Depois, está a Telebras (R$ 1 bilhão). Os valores foram arredondados.
Há, ainda, algumas estatais independentes, em especial as companhias de docas
(que administram portos), que receberam alguns milhões de reais em 2019.
Por que a Emgepron recebeu tanto dinheiro?
Segundo o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, a Emgepron recebeu
R$ 7,6 bilhões para construir corvetas, um tipo de navio usado pela Marinha. A
estatal pertence ao Ministério da Defesa e tem como função gerenciar projetos
aprovados pelo Comando da Marinha e manter atualizados os materiais militares
navais.
Almeida explicou que, como havia espaço fiscal para a despesa, o governo decidiu
capitalizar a Emgerpon tudo de uma só vez, para que ela possa atualizar a frota
de navios da Marinha. A atualização da frota foi aprovada no governo Temer, pois
foi avaliado que os navios estavam “sucateados”. A intenção era que a
capitalização ocorresse de forma parcelada, dentro de um prazo de três a quatro
anos. Mas, por decisão política, o dinheiro foi injetado de uma só vez, em 2019.
“Houve um consenso [no governo Temer] de que os navios da Marinha estavam
sucateados e precisava de uma renovação de frota. A ideia inicial era você fazer
a capitalização durante três, quatro anos. Mas já que teve um espaço fiscal [em
2019], teve a decisão política de fazer agora a capitalização de uma só vez”,
explicou o secretário do Tesouro.
“A Emgepron não vai precisar mais de capitalização alguma [pelos próximos anos].
Ela já tem caixa para contratar corvetas pelos próximos oito anos”, completou.
E a Infraero e a Telebras?
A Infraero, explicou Mansueto, precisa receber sucessivos aportes da União
porque os contratos antigos de concessão de aeroportos a obrigam a acompanhar
investimentos feitos pelos concessionários privados.
“Todo investimento que o concessionário privado faz [nesses contratos antigos],
a Infraero precisa acompanhar. Precisa questionar por que esses contratos foram
feitos desse jeito”, disse o secretário do Tesouro. Ele se refere às concessões
de aeroportos assinadas durante o governo Dilma. A Infraero ficou com 49% dos
aeroportos de Guarulhos (SP), Confins (MG), Galeão (RJ) e Brasília (DF).
"O montante de R$ 1,5 bilhão recebido da União, no decorrer do exercício de
2019, teve como finalidade a aplicação em investimentos em infraestrutura nos
aeroportos administrados pela Infraero", disse a estatal, em nota.
A Telebras, por sua vez, vem precisando há anos do dinheiro da União para pagar
despesas básicas, como folha de pagamento. Tanto que, a partir deste ano, ela
passa a ser uma estatal dependente do Tesouro, ou seja, aquela que precisa
receber subvenção todo ano da União, pois não gera receita capaz de bancar suas
despesas.
Decisão política deixou o déficit do governo maior que o esperado
Ainda segundo o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, a decisão de
capitalizar as estatais foi “política”. Havia exatamente R$ 10,1 bilhões
reservados no Orçamento para isso. O Orçamento de 2019 foi aprovado no governo
Temer.
Só que a intenção da equipe econômica do governo Bolsonaro era não utilizar o
dinheiro – no máximo aportar cerca de R$ 1 bilhão, e usar o recurso que ia
sobrar para melhorar o resultado primário da União.
“Eu pensava que não íamos fazer capitalização, achava que o dinheiro ia sobrar.
(...) Pode-se criticar o uso de recursos para isso, se era prioritário, mas
trata-se de uma decisão política. No Tesouro, nós não discutimos a alocação
orçamentária. O Orçamento é aprovado pelo Congresso Nacional e foi executado [na
íntegra, no caso da capitalização]”, afirmou Almeida.
O aumento de capital de estatais é uma despesa discricionária, ou seja, o
governo tem liberdade para manejar o recurso. Pode, inclusive, decidir por não
executar a despesa naquele ano, o que não aconteceu em 2019.
Se os R$ 10,1 bilhões não tivessem ido para as estatais, as contas públicas do
governo federal teriam fechado no vermelho em R$ 85 bilhões, um resultado mais
próximo do esperado pela equipe econômica.
2020 praticamente sem capitalização de estatais
Para 2020, a capitalização de estatais não dependentes deve, enfim, ter um
freio. O Orçamento aprovado pelo Congresso prevê apenas cerca de R$ 400 milhões
para aumento de capital. A equipe econômica, no projeto orçamentário encaminhado
ao Congresso em agosto, queria ainda menos: R$ 148,9 milhões. Mas o valor foi
aumentando pelos parlamentares.
“Daqui para frente não tem nenhuma capitalização programada, só R$ 400 milhões.
Vai haver demanda [por capitalização]? Claro, mas aí a gente vai para o debate
político. Mas o Orçamento montado não deixou espaço para capitalização”, conclui
Almeida."