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Leia na Fonte: Tele.Síntese
[14/01/11]
O Ginga não pode morrer na praia - por Miriam Aquino
O nosso software está pronto e precisa entrar no mercado. Do contrário, nossa TV
digital corre o risco de ser apenas japonesa.
A nossa TV digital corre o risco de deixar de ser nossa e passar a ser apenas
japonesa. A decisão do governo brasileiro de adotar o padrão ISDB-TB, uma
adaptação do ISDB-T (Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial),
japonês, tinha como justificativa o fato de o sistema permitir a transmissão em
alta definição e garantir a recepção dos sinais de TV também na mobilidade.
Essas duas premissas eram as principais reivindicações dos radiodifusores
brasileiros. Mas política aprovada no governo Lula tinha também um ineditismo,
ao propor que a TV digital passasse a fazer também a interatividade, uma
proposta ousada, para acelerar a inclusão digital da sociedade brasileira.
Aliada à ideia da interatividade estava o desenvolvimento tecnológico autônomo e
criativo. Assim, um grupo de universidades foi à luta para desenvolver – em
software aberto – o Ginga, middleware – ou o software que é a inteligência desta
nova máquina digital.
Com esse software, a TV ganha mais funcionalidades, passando a agir igual a um
computador, permitindo que serviços de governo possam ser oferecidos, que
acessos à internet sejam feitos, e mesmo que o telespectador interfira no
programa que está sendo transmitido para comprar um produto, responder a uma
pesquisa, etc.
O Ginga demorou mais tempo do que se imaginava para ser concluído. Mas ele já
está pronto. No entanto, foram os argentinos os primeiros a conhecer as suas
qualidades, e não os brasileiros.
Ora, os fabricantes de aparelhos de TV digital que atuam no Brasil –
principalmente os asiáticos Samsung e LG – argumentam que fazem parte de uma
indústria globalizada e, por isso, não podem modificar a sua produção apenas
para atender aos interesses da política brasileira.
Mas como estratégia para ampliar sua participação no mercado, que ainda é muito
pequena, a também asiática Sony incorporou o Ginga em seus mais recentes
aparelhos de TV.
Se a indústria não quer usar a tecnologia nacional, cabe ao Poder Executivo
fazer com que os interesses brasileiros prevaleçam. Política industrial, quem
faz é o governo. Tanto é assim que portarias dos ministérios da Ciência e
Tecnologia e Desenvolvimento e Indústria e Comércio Exterior determinaram que os
conversores dos sinais analógicos para os digitais fossem obrigatoriamente
incorporados nos novos aparelhos de TV LCD e plasma, e nos telefones celulares.
Conforme essas portarias, no ano passado, os televisores LCD fabricados no
Brasil com telas de 32” para cima só saíram das linhas de montagem com o set top
box incorporado. Este ano, passam a ser obrigados a ter o conversor os aparelhos
com telas de tamanho a partir de 26” e, em 2012, todos os aparelhos terão que
incorporar o conversor digital. Isto é política industrial.
Por que não fazer o mesmo com o nosso software? Bastaria, por exemplo, que os
mesmos dois ministérios mudassem as regras do Processo Produtivo Básico (PPB)
das TVs e incorporassem o Ginga como condição para o cumprimento desse PPB.
10 milhões de TV LCD
Em um de seus últimos atos, o então ministro das Comunicações, Arthur Filardi,
chegou a questionar os seus dois companheiros de governo o porquê da demora para
a adoção do Ginga. O então ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, respondeu
que era preciso lançar uma consulta pública antes de promover qualquer mudança
no PPB e mostrou-se preocupado com uma possível elevação no preço do aparelho de
TV com a incorporação deste middleware.
Embora os preços das TVs digitais ainda sejam proibitivos para a maioria da
população brasileira (e, por isso, o governo continua a insistir na necessidade
de se fabricar o set top box independente do aparelho de TV) eles tiveram quedas
sensíveis nos últimos meses, mesmo com a incorporação do conversor. O Ginga, que
é calcado no software aberto Java, não poderá encarecer tanto assim a nossa TV,
conforme temia o ex-ministro.
Conforme dados do Mdic, foram vendidos, em 2009, 3,816 milhões de TVs LCD e até
setembro de 2010 o aumento de vendas já era de 55% e alcançava 5,925 milhões de
aparelhos comercializados. Ainda dá tempo para se recuperar essa omissão do
governo brasileiro, mas o país já convive com um legado de quase 10 milhões de
aparelhos de TV que não podem mais ser interativos.
Radiodifusão
Embora a responsabilidade pela incorporação do Ginga deva ser da indústria
produtora dos aparelhos, os radiodifusores brasileiros também não são grandes
entusiastas da interatividade na TV. Eles ainda não têm modelos de negócios que
sustentem esta alternativa, e temem que, ao levar a internet (ou pelo menos um
pedaço dela) para a TV, acabem perdendo verba publicitária.
O presidente do fórum de TV Digital, Roberto Franco, e diretor do SBT, nega que
os radiodifusores brasileiros não queiram a interatividade. Ele alega que todos
os grupos já têm projetos e aguardam apenas o seu lançamento no mercado.
Mas é na Argentina onde a interatividade começa a ser aplicada para fins
comerciais e educacionais. Dois canais de TV argentinos já usam recursos
interativos em programas infantis e de futebol. Lá, a demanda dos radiodifusores
foi suficiente para que o middleware fosse incorporado. Aqui, não se vê qualquer
movimentação dos radiodifusores comerciais nesta direção.
PS: Leia a posição dos fabricantes aqui