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Fonte: Teletime
[05/04/16]
Desligamento da TV analógica em Rio Verde não gerou reclamações, diz EAD -
por Samuel Possebon
Quando o processo de desligamento da TV analógica se iniciou, havia uma grande
expectativa sobre como seria a reação da população ao fim das transmissões. A
primeira experiência ocorreu há pouco mais de um mês em Rio Verde (GO), e o
resultado não poderia ser mais surpreendente: nenhum protesto ou reclamação.
Segundo Antônio Carlos Martelleto (foto acima), presidente da Entidade
Administradora da Digitalização (EAD), empresa gerida pelas empresas de
telecomunicações e que cuida do processo de desligamento em cada uma das cerca
de 1,4 mil cidades que passarão por esse processo até 2018, havia uma
expectativa de um grande volume de reclamações ou, pelo menos, de grande procura
por decodificadores. A EAD, diz ele, se preparou para o "dia seguinte",
reforçando os pontos de distribuição na cidade e o atendimento telefônico. Mas,
para surpresa geral, o volume de pessoas em busca do equipamento ou de ligações
diminuiu drasticamente, e não houve nenhum registro de reclamação. "Temos agora
a ferramenta mais eficiente de divulgação do desligamento, que é a cartela que
fica permanentemente sendo exibida no sinal analógico, com o aviso do ministério
e o número de contato. E mesmo assim a procura tem sido mínima", diz o
executivo. Isso, segundo ele, mostra que houve sucesso na divulgação feita na
cidade e no esforço não apenas da EAD, mas das emissoras e lideranças municipais
que se empenharam no processo.
A EAD espera poder tirar a estrutura de Rio Verde até o final de abril. "Hoje
distribuímos menos de dez receptores por dia na cidade", diz Martelleto. "Mas
acho que Brasília será a prova dos nove, ainda mais com um cenário de degradação
da situação econômica. Aí teremos um quadro mais claro". Martelleto concedeu
entrevista exclusiva a este noticiário na semana passada.
Pesquisa final
Segundo Martelleto, será agora realizada uma pesquisa para entender como foi o
processo de digitalização para a população de Rio Verde. A EAD quer entender
qual o uso que as pessoas que receberam o decodificador estão fazendo do
aparelho (se está instalado, se estão sendo usados os recursos disponíveis, se o
equipamento foi doado para terceiros ou vendido), quer entender o que aconteceu
com a população que supostamente não migrou para a TV digital (em Rio Verde algo
em torno de 15% das residências, segundo a última pesquisa antes do
desligamento), quais os canais de divulgação foram mais importantes, entre
outras questões. "Essa pesquisa será essencial para todo o processo nas grandes
cidades que já iniciamos", disse ele.
Martelleto também comentou a mudança proposta pelo governo de alterar o critério
de desligamento. Em fevereiro o ministro das Comunicações, André Figueiredo, e o
Gired decidiram, a partir de um acordo entre teles e emissoras de TV, que não
mais iriam obrigar o desligamento em todas as cidades brasileiras até 2018, mas
apenas nas cidades em que isso fosse essencial para a liberação do espectro. Em
compensação, ampliou-se a distribuição das caixas receptoras aos inscritos no
Cadastro Único.
Equilíbrio financeiro
"Tínhamos no edital uma referência de 14 milhões de domicílios que receberiam os
decodificadores. Depois disso se definiu por uma caixa completa, mais cara, para
ser distribuída ao Bolsa Família, mas ao mesmo tempo houve um esforço para
garantir o equilíbrio do orçamento da EAD. É por isso que, nas condições de
hoje, de câmbio, as caixas do CadÚnico são mais simples. Temos custos de
pesquisa e comunicação que sequer estavam previstos no edital (da faixa de 700
MHz)", afirmou o executivo.
Hoje, segundo a EAD, nas 61 regiões que serão digitalizadas serão distribuídas
perto de 13 milhões de caixas, com um orçamento de cerca de R$ 3,6 bilhões, com
cerca de 60 funcionários fixos na sede em São Paulo e equipes volantes nas
cidades que estão sendo desligadas. "Os números da EAD serão auditados pelo
Gired, e não existe economia, porque o que sobrar vai ser direcionado, mas não
volta para as operadoras. Mas para ampliar os recursos disponíveis, teria que
haver uma justificativa irrefutável. O equilíbrio da EAD é premissa básica".
Segundo Martelleto, insistir em uma distribuição ampla de uma caixa completa
apenas ao Bolsa Família seria, provavelmente, menos eficiente do que foi ampliar
a base. Nenhum país do mundo, diz ele, conseguiu passar de 70% do público alvo
com campanhas de distribuição de equipamentos, mas até aqui o Brasil vem batendo
esse valor de referência. "Em Rio Verde chegamos a 85% no Bolsa Família, onde o
esforço foi concentrado. No entorno de Brasília já estamos com 70% do Bolsa
Família".
Novo modelo
Martelleto conta que, agora, o Gired e a EAD estão estudando a possibilidade de
distribuir vouchers para a compra de equipamentos, inclusive para televisores,
desde que se viabilize um nível de desoneração. "Isso de alguma maneira ajuda
nessa discussão sobre interatividade, porque o consumidor terá mais liberdade
para escolher o que quiser". Segundo ele, existe sempre o risco de que o voucher
virar moeda corrente. "Vamos estudar os prós e contras e apresentar isso para o
Gired".
Em relação ao fato de que, na prática, com uma distribuição ampla de uma caixa
sem recurso de interatividade haveria uma limitação de um dos pilares do modelo
de TV digital implementado em 2006, Martelleto diz que, de fato, hoje os
aplicativos do Ministério do Desenvolvimento Social para smartphones, por
exemplo, são muito mais eficientes. "Há uma dificuldade inicial, que é o fato de
que o firmware da caixa ainda não permitir a atualização 'over the air'. Depois
que esse recurso for implementado, o que deve acontecer em breve, segundo os
fabricantes, é necessário que as emissoras se organizem para que os aplicativos
sejam atualizados pela própria rede. Não é um processo que depende da EAD". Ele
lembra ainda que o decoder, no custo que hoje é viável (entre R$ 80 e R$ 160,
entre a caixa simples e a caixa completa, já com os impostos) , há limites de
capacidade porque a memória precisa ser compartilhada entre diversos
aplicativos.
Remanejamento
A EAD ainda não precisou se deparar com a necessidade de trocar os transmissores
de emissoras de TV que operam na faixa de 700 MHz, um problema que será mais
comum nas grandes cidades. Segundo Martelleto, haverá uma troca agora na cidade
de Santa Helena (GO), próxima a Rio Verde, em que há um canal na faixa que
interfere na cidade. Ele explica que a avaliação dessas situações será feita
junto às emissoras, caso a caso, e que ao contrário das caixas, não deve haver
necessariamente uma grande compra de equipamentos por parte da EAD. A entidade
deve procurar as emissoras de cada localidade e verificar o que será necessário,
caso a caso. "Claro que vamos tentar agregar o que for possível para ter uma
negociação, mas será um processo bem mais customizado. O que estamos fazendo é
uma estimativa de custos para as cidades em que será preciso fazer esse
remanejamento e estudando onde também isso não será necessário, para que as
operadoras possam entrar com o LTE ainda este ano", diz Martelleto. "Não acho
que esse será um desafio muito crítico, pois existem já consensos com os
radiodifusores sobre as responsabilidades. Acho que na questão técnica está tudo
indo bem".
Interferência
"O próximo passo será começar a tratar da questão de mitigação de
interferências, mas as indicações que a gente tem, inclusive de outros
processos, é que esse deve ser um problema bem menor do que a gente estimou
inicialmente", diz Martelleto, referindo-se ao problema de interferência das
transmissões de LTE na faixa de 700 MHz e a recepção de TV digital.
Ele explica que o esforço de mitigação terá uma atividade mais intensiva apenas
depois que as operações de LTE comerciais estiverem ativadas, o que significa
que a EAD volta a cada cidade já visitada num segundo momento para essa etapa.
Cobertura deficiente
A EAD percebeu até aqui que existe um problema a ser observado nas cidades,
referente a deficiências na cobertura do sinal de TV aberta. Segundo Martelleto,
o avanço da banda C nas últimas décadas tem a ver com esse problema, que não é
dimensionado pelo Ministério das Comunicações nem acompanhado pelas autoridades.
"As pessoas sempre recorreram à banda C para compensar a falta de sinal de TV.
Nos últimos anos, na renovação de parque, as pessoas estão optando pelas opções
oferecidas pelas operadoras de DTH, que oferecem os canais abertos sem
assinatura para quem tem o equipamento", diz ele. Mas para a EAD isso é um
problema, porque existe uma polêmica sobre se o domicílio que está na área de
cobertura de uma emissora, mas não recebe o sinal, deve ser contabilizado.
[Foto:
Antena de banda C: muitos usuários já não recebiam a TV analógica terrestre]
"O que vamos propor, e eu sei que isso será polêmico, é uma discussão sobre a
cobertura digital. A nossa proposta é que se não houver cobertura de um
determinado número de emissoras em uma região, esses domicílios não sejam
incluídos na pesquisa e, portanto, na obrigação de distribuição de receptores",
diz ele. A razão para isso, diz Martelleto, é que em muitos casos poderá ser
feito um investimento que, na prática, atende a apenas uma emissora, ou nem
isso. "Se não existe interesse da radiodifusão de cobrir com sinal aberto esses
domicílios, por que nós vamos manter o esforço de pesquisar essa região?".
Segundo Martelleto essa proposta não foi feita ainda, e quando vier será
acompanhada de um estudo prévio mostrando onde o problema existe. "A cobertura
(da TV digital) tem que ser uma premissa para a migração". Para ele, "a
radiodifusão vive um dilema de ter que investir em digitalização sem
possivelmente ter nenhuma receita adicional com isso. Ao contrário, vem perdendo
receita". Mas, segundo Martelleto, "o alongamento do prazo de desligamento de
grande parte das cidades para 2023 deve ajudar um pouco".
Comunicação local
Martelleto relata que os canais de comunicação tradicionais, sobretudo a própria
TV, tem uma grande importância para a mobilização no processo de desligamento.
"Houve, em Rio Verde, um investimento pesado da EAD em mídia local. A própria TV
Anhanguera foi importante nesse processo", diz ele, lembrando que esse
investimento faz parte da própria estratégia de comunicação definida pelo Gired
e que será mantida nas grandes cidades, em que o custo das inserções
publicitárias é maior. Mas o que mais funciona para alcançar o público de baixa
renda, segundo Martelleto, é buscar a proximidade com lideranças comunitárias e
organizações de assistência social. "É esse boca-a-boca que faz as pessoas nos
procurarem para saber do direito que elas têm de receber os receptores de TV
digital". Segundo a EAD, 0 trabalho de mapeamento destas lideranças é o grande
desafio da migração. O processo começa buscando as grandes ONGs, igrejas e
associações de assistência que têm os contatos com as pequenas associações de
bairros e líderes comunitários. "A gente faz apresentações durante missas e
cultos sobre o processo de migração", diz Martelleto. "As principais informações
sobre os beneficiários quem tem e controla são as secretarias de assistência
social dos municípios, secretarias de saúde e os centros de referência de
assistência. O Ministério do Desenvolvimento Social tem os dados globais, mas
não acompanha o micro, e esse levantamento é bastante trabalhoso, mas é a base
de sustentação de tudo".
Logística
A EAD criou uma metodologia de distribuição das caixas por agendamento, com dias
e horários marcados. Na hora, são copiados os documentos do beneficiário e dado
um treinamento básico de uso. Mas Martelleto reconhece que muitas pessoas não
têm conhecimento suficiente sobre o que está acontecendo, sabem apenas que
aquele é um direito e é gratuito. "Quando passamos a distribuir os kits também
para o CadÚnico em Rio Verde, que seriam mais 17 mil pessoas, notamos que houve
pouca procura, porque provavelmente já tinham um aparelho, e o índice de
digitalização geral na cidade aumentou muito pouco. Mas não dá para dizer que a
caixa de TV digital seja um objeto do desejo". Segundo ele, a partir de agora a
EAD vai começar a pesquisar o perfil dos beneficiários na entrega, para entender
quais são os equipamentos de comunicação mais utilizados e o grau de
conhecimento de TV digital.
Um aspecto importante é que a EAD, no processo de agendamento, fica com um
cadastro atualizado dos números de celular dos beneficiários. Segundo Martelleto,
a entidade tem um compromisso legal, definido pelo Gired, de confidencialidade
dessas informações, que não são compartilhadas com ninguém, exceto o Ministério
do Desenvolvimento Social. Os dados não podem ser compartilhadas pelas
operadoras móveis para nenhuma ação de marketing.
Próximos passos
Agora a EAD aguarda o decreto com a mudança da política de transição, até para
que a data final deixe de ser 2018 e passe a ser 2023. "Há um pequeno
cronograma, mas provavelmente em julho começamos a fazer a distribuição dos kits
em São Paulo".
Martelleto ressalta o esforço do Gired e do governo em conseguir manter o
desligamento em Rio Verde. "Muita gente me disse que isso não aconteceria, e eu
mesmo duvidei em alguns momento, mas é preciso dar crédito ao ministro em bancar
o ônus político. Agora, com o desligamento de Rio Verde, temos uma credencial
para apresentar e conseguimos provar que o desligamento será possível, mesmo em
grandes cidades".